07/05/17

Amarante Literatura - A propósito do dia da Mãe, disse Pascoaes sobre a morte da Sua: "E ao deparar com aquele rosto apagado ergueu os braços em repetidas exclamações de espanto."



«Em Novembro, Pascoaes estava muito enfraquecido. A ideia da morte torturava-o durante a vida. Impressionava-o o preto e era incapaz de ir a um enterro. Detestava ver alguém de luto.

Lembro-me de que já há bastantes anos, em Lisboa, saiu, depois de ter lamentado a cor do vestido da Mãe, e voltou pouco depois, radiante, com um embrulho que lhe entregou.

«Aí tem. Pode andar de escuro sem andar toda de negro!»

Era uma seda azul-marinho com pintinhas brancas. Ela, comovida e feliz, dilatou o brilho do seu olhar vivíssimo. Adoravam-se.

Quando a Mãe o precedeu, há alguns meses, ele gritou: «É um mundo que se acaba!» Na noite seguinte, quis ainda vê-la, despedir-se. Hesitou muito, incerto da sua coragem, Por fim, decidiu-se. E ao deparar com aquele rosto apagado ergueu os braços em repetidas exclamações de espanto. Não esperava encontrar uma tal expressão de força e serenidade! Ficou mais calmo, mais confortado.

Ela acabara aceitando o facto com a maior simplicidade: «Já não posso viver mais!»

Agora, o filho seguiu-a pelo mesmo caminho desconhecido. Mas partiu sem qualquer comentário, sem uma palavra. Com a mesma serenidade, mas maior indiferença ainda.

A sua morte fora como ele sonhara:

«Como seria bom assim morrer...
Morrer como a paisagem desfalece.»

Não temia a morte. Detestava o seu aparatoso cenário. Negros crepes em pomposa procissão isso é que o impressionava. Mas a morte, a grande libertadora, fora deusa da sua inspiração. Sempre a cantara em versos feitos da mesma eternidade:

«O nosso corpo é estrela,
Que vai arrefecendo
E escurecendo,
Para que nela surja uma outra luz mais bela,
A luz espiritual.
É preciso baixar à negra sepultura,
Para que a humana e pobre criatura
Alcance o eterno amor.
É preciso sofrer o último estertor,
Chorar a lágrima final...!»

Mas não chorou nenhuma lágrima, nem teve qualquer estertor. Apagou-se. O seu corpo adormeceu profundamente criando silêncio, sombra e vazio, enquanto o seu espírito, em aceso clarão, desvenda novos mistérios.» in fotobiografia "Na sombra de Pascoaes" de Maria José Teixeira de Vasconcelos



"A Mãe e o Filho

Teu sêr tragicamente enternecido, 
Em desespero de alma transformado, 
Vae através do espaço escurecido 
E pousa no seu tumulo sagrado. 

E ele acorda, sentindo-o; e, comovido, 
Chora ao vêr teu espirito adorado, 
Assim tão só na noite e arrefecido 
E todo de êrmas lagrimas molhado! 

E eis que ele diz: "Ó Mãe, não chores mais! 
Em vez dos teus suspiros, dos teus ais, 
Quero que venha a mim tua alegria!" 

E só nas horas em que a Mãe descança, 
É que ele inclina a fronte de creança 
E dorme ao pé de ti, Virgem Maria!"


Teixeira de Pascoaes, in 'Elegias' 



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