«‘Tanto Mar’: Chico Buarque cantou o 25 de Abril – mas depois a sua análise mudou
“Foi bonita a festa, pá” – a letra original nem era assim. Um brasileiro fechado celebrava um Portugal aberto.
“A revolução portuguesa mexeu muito com os brios das pessoas aqui no Brasil. O assunto Portugal passou a ser muito perigoso, delicado. Falar sobre Portugal era tabu”.
Francisco Buarque de Hollanda é um nome incontornável na música e na cultura brasileiras.
Chico Buarque também está associado a um dos momentos mais marcantes da História de Portugal.
O cantor e compositor não criou uma música-senha para o 25 de Abril mas homenageou a Revolução dos Cravos.
Ao contrário do que o próprio retratou em relação à sociedade brasileira, que citámos ali em cima, Chico Buarque ficou “bastante empolgado” com a revolução em Portugal.
Foi através da música Tanto Mar, criada no ano seguinte, em 1975.
Foi nesse ano que foi editada a primeira versão. Com esta letra:
Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo pra mim
Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também que é preciso, pá
Navegar, navegar
Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim
A estreia mundial da melodia foi na RTP.
É fácil de ver que são referências directas ao 25 de Abril de 1974, em Portugal.
Já agora, o primeiro verso “Sei que estás em festa, pá” foi destinado a José Nuno Martins, famoso apresentador da RTP, que era um dos melhores amigos de Chico Buarque.
O Brasil vivia em ditadura militar nessa altura. Ernesto Geisel era o presidente em 1975.
Aquele poema, que fazia ligação entre os regimes de Brasil e Portugal, não passou na censura brasileira. Foi reprovado.
A música só apareceu em dois concertos, nunca foi gravada em estúdio.
Chico Buarque só teve autorização para gravar a música, com letra, em 1978.
Mas aí, muitos versos já eram outros:
Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
Ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim
Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto de jardim
Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei, também, quanto é preciso, pá
Navegar, navegar
Canta primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim
Isto porque o contexto em Portugal tinha mudado, a “festa” tinha ficado lá atrás e aqui a sua análise já foi outra. Reparemos que já entram as palavras “murcharam” ou “esqueceram”.
Esta sim, foi gravada; juntamente com os sucessos Cálice e Apesar de Você – as três eram claramente políticas.
“A revolução mudou de caminho. Por isso, senti-me obrigado a mudar a letra. Esta letra também projeta um futuro de esperança”, justificou o cantautor brasileiro: