A 1 de novembro de 1755, há 169 anos, Lisboa viveu uma manhã que parecia perfeita. Como recordou o reverendo Charles Davy, um estrangeiro residente na capital portuguesa, o céu estava “perfeitamente sereno e claro”. Às primeiras horas do Dia de Todos os Santos, muitos lisboetas reuniam-se nas igrejas, mas em poucos minutos, o que começou como um dia religioso transformou-se num dos desastres naturais mais mortais e transformadores da história.
A cidade, então uma das mais ricas e prósperas do mundo, era também um centro do Império Português, com colónias espalhadas por África, Ásia e América do Sul. Naquela manhã, por volta das 9h30, os lisboetas ouviram um som estranho, descrito por Davy como um “estrondo distante” vindo de baixo da terra. Seguiram-se três violentos tremores que devastaram a cidade, atingindo uma magnitude estimada entre 8,5 e 9 na escala de Richter, segundo Edward Paice, autor de A Ira de Deus – A Incrível História do Terremoto que Devastou Lisboa em 1755. Lisboa ficou reduzida a escombros e as mortes foram às dezenas de milhares.
Após o primeiro abalo, muitos moradores correram para a grande Praça do Comércio junto ao rio Tejo, na esperança de ali encontrarem segurança. Contudo, foi precisamente ali que o segundo e maior tremor completou a ruína dos edifícios já fragilizados. Para agravar ainda mais a situação, o terremoto desencadeou um tsunami que varreu o Atlântico e subiu o Tejo, engolindo tudo pelo caminho. Como Davy relatou, “o rio espumava e rugia”, e a multidão fugiu “o mais rápido que podia” para salvar a vida.
O inferno continuou após o tsunami. Velas acesas para as celebrações religiosas espalharam-se pelas ruínas, alimentando incêndios por toda a cidade, que arderam durante seis dias ininterruptos. “Toda a cidade parecia brilhar, com uma luz tão forte que dava para ler,” escreveu uma testemunha. Os incêndios continuaram a devastar Lisboa, transformando o evento numa catástrofe ainda maior e num símbolo de dor e medo para a Europa.
Impacto no pensamento filosófico europeu
O terremoto de Lisboa não apenas devastou fisicamente a cidade, mas também agitou profundamente o pensamento europeu da época. As notícias da tragédia espalharam-se rapidamente por toda a Europa, e o evento provocou debates intensos entre filósofos como Voltaire, Rousseau e Immanuel Kant, que questionaram o papel de Deus e da Providência na natureza e na vida humana.
Para Voltaire, o desastre de Lisboa desafiava a noção de que vivíamos “no melhor dos mundos possíveis”, segundo a filosofia de Gottfried Leibniz e do poeta inglês Alexander Pope. No seu famoso poema Poema sobre o Desastre de Lisboa, Voltaire confrontou a ideia de que um Deus bondoso poderia justificar um evento tão horrível. Rousseau, por sua vez, respondeu num longo ensaio em que argumentava que os humanos eram, em grande parte, responsáveis pelo seu sofrimento, devido à forma como haviam construído Lisboa e às decisões individuais tomadas no momento do desastre.
Estes debates, influenciados pelo desastre, marcaram o Iluminismo e questionaram o otimismo religioso e filosófico da época. Kant, notavelmente, publicou três ensaios tentando explicar a causa dos terremotos por meios naturais e não sobrenaturais, tornando-se um dos primeiros a abordar a questão de forma científica.
Marquês de Pombal e o nascimento da sismologia
Após o desastre, o rei D. José I encarregou o Marquês de Pombal da reconstrução de Lisboa, e este tomou medidas que fizeram de Lisboa uma das cidades mais inovadoras do mundo em termos de engenharia e urbanismo. Pombal enviou questionários detalhados a todas as paróquias para recolher dados sobre o terremoto, desde a duração dos tremores à intensidade dos estragos, e usou esta informação para estudar e entender o fenómeno. Estas práticas pioneiras são hoje vistas como os primeiros passos na sismologia moderna.
Além disso, a reconstrução de Lisboa foi marcada por uma visão prática e cientificamente orientada: o Marquês de Pombal mandou alargar as ruas e praças e implementou a construção de edifícios com estruturas de madeira flexíveis nas paredes, que poderiam “tremer, mas não cair” em futuros tremores. Para testar a eficácia dessas estruturas, ordenou que tropas marchassem em torno dos edifícios para simular vibrações de sismos.
O terramoto de Lisboa não só moldou a arquitetura e a urbanização da capital portuguesa, mas também provocou uma revolução no pensamento europeu e na ciência. Muitos historiadores consideram 1 de novembro de 1755 como a data de nascimento da sismologia, e os esforços de reconstrução de Lisboa são vistos como um dos primeiros exemplos de engenharia sísmica.
Para muitos, o desastre também marca o início da era moderna, pois foi um dos primeiros eventos globais a ser debatido em toda a Europa, desafiando as explicações religiosas e abrindo caminho para o racionalismo científico. “O terremoto de Lisboa desencadeou toda uma série de eventos,” afirmou Vic Echegoyen, autora do romance histórico Ressurecta, comparando o impacto do evento com as ondulações provocadas por uma pedra num lago. “Nesse dia, a humanidade começou a despertar, e a era moderna, tal como a conhecemos, começou a emergir.”» in https://executivedigest.sapo.pt/noticias/terramoto-de-1755-foi-ha-269-anos-como-o-desastre-redefiniu-a-cidade-e-o-pensamento-filosofico-europeu/?utm_source=SAPO_HP&utm_medium=web&utm_campaign=destaques
Terramoto de Lisboa 1755 - https://www.youtube.com/watch?v=fKigEJj3iVI
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