«Qatar: Império em miniatura
Primeiro, a nota necessária: o sucesso recente do Qatar relaciona-se obviamente com o facto de a pequena nação ter ganho o euromilhões da geologia. Debaixo dos seus desertos e do seu mar escondiam-se as maiores reservas de gás natural do mundo. Estas foram descobertas na primeira metade do século XX, mas só após a Segunda Guerra Mundial a então incipiente indústria petrolífera catarense começou a dar os primeiros passos. Naquela altura, viviam na península apenas 16.000 pessoas, a maioria descendentes iletrados de beduínos nómadas, ali estabelecidos e governados há dois séculos pelo clã al-Thani.
O grande salto é dado com recurso a mão-de-obra importada. O Qatar acolhe hoje mais de milhão e meio de imigrantes atraídos pela promessa de fortuna. Segundo o Fundo Monetário Internacional, o emirado tem o maior valor mundial de riqueza per capita (102.891 dólares em 2011, contra os 23.204 de Portugal). O Qatar, portanto, foi construído por estrangeiros. E foi governado também a partir do estrangeiro. Por lá passaram persas, portugueses, otomanos e britânicos até à conquista da soberania em 1971. A declaração de independência foi lida num chalé suíço pelo emir Khalifa bin Hamad al-Thani, que ia cuidando dos assuntos de Estado nos intervalos da preenchida agenda social da Riviera francesa. Tudo muda em 1995 com a chegada ao poder do seu filho. Em Junho desse ano, Hamad Bin Khalifa al-Thani, formado na academia militar britânica de Sandhurst, telefona ao pai ausente a dizer que este já não manda no Qatar. O golpe é consumado sem derramamento de sangue.
Hamad, o primeiro emir do Qatar a tempo inteiro, é o responsável pela transformação de um minúsculo país bilionário, até então indistinguível do Kuwait ou dos Emirados Árabes Unidos, numa potência política, económica e cultural. Fê-lo por uma questão de sobrevivência. Encravado entre a Arábia Saudita e o mar, com o Irão do outro lado do Golfo, o Qatar sempre temeu ser anexado pelos seus populosos e poderosos vizinhos, e o receio aumentou após a invasão iraquiana do Kuwait em Agosto de 1990. Sem contar com um exército capaz, ao Qatar restaria a luta pela relevância internacional, que renderia alguma solidariedade em caso de necessidade.
A estratégia catarense divide-se em três frentes: financeira, comunicacional e política. A primeira está ganha, e não só através do gás natural. Uma parcela crescentemente significativa da economia global depende actualmente do apetite investidor do emirado. Através de um fundo soberano constituído em 2003, dirigido pelo primeiro-ministro e ministro dos Negócios Estrangeiros, Hamad bin Jassim bin Jaber al-Thani, primo do emir, Doha detém participações em empresas-chave de quase 40 países, incluindo Portugal. Volkswagen, Porsche, Iberdrola e Barclays são apenas alguns dos gigantes nas mãos do Qatar. O capital catarense encontra-se distribuído por diferentes indústrias, da eléctrica à turística, da banca à distribuição alimentar. E não parece haver grande critério geográfico ou político, já que a Síria pária ou a Cuba comunista também captam investimento de Doha.
Há também uma grande aposta no sector agrícola. O Qatar detém ou negoceia a compra de extensos lotes de terreno em países como a Austrália, a Argentina e a África do Sul. A este investimento não será alheia a intenção de Doha promover um tratado internacional de segurança alimentar que, segundo o El País, resultará na constituição da «NATO contra a fome». Quem preside à missão é o ex-ministro espanhol dos Negócios Estrangeiros Miguel Ángel Moratinos, que se mudou de armas e bagagens para o Qatar.
Promover uma marca
Note-se que não existe uma distinção nítida entre o que é do Estado e o que é da família real num país onde quatro membros do clã al-Thani controlam tudo. Além de dominarem todo o processo político, o emir Hamad, a sua segunda mulher Mozah bint Nasser, o referido primo e o príncipe herdeiro Tamim bin Hamad al-Thani são donos de uma impressionante lista de propriedades que inclui a quase totalidade do bairro financeiro londrino de Canary Wharf e mansões de luxo em Marbella e Marrocos. Os al-Thani são ainda gulosos apreciadores de arte, tendo transformado o Qatar no maior comprador mundial de obras de arte moderna. Peças de Andy Warhol, Mark Rothko, Damien Hirst e Francis Bacon fazem agora parte da colecção da família real. Em Junho de 2011, ‘roubaram’ Edward Dolman à leiloeira Christie’s e nomearam-no para a Autoridade de Museus do Qatar. Em Fevereiro de 2012 adquiriram a obra de arte mais cara de sempre, Jogadores de Cartas, de Paul Cézanne, por 250 milhões de dólares (187 milhões de euros).
A ambição desmesurada do emir também tem raízes no ressentimento em relação às elites árabes e europeias. Ainda que muito ricos, Hamad e os jovens catarenses da sua geração que fizeram os seus estudos no estrangeiro sentiram-se menosprezados pelos anfitriões devido às suas raízes beduínas. Conta-se também que o então xeque herdeiro terá sido humilhado num aeroporto europeu, nos anos 80, por um guarda fronteiriço que julgou estar na presença de um intrujão com um passaporte falso. «Mas onde é que é isto, o Qatar? Isto existe mesmo?», terá questionado o agente, segundo o Le Monde. Cada vez menos pessoas fazem essa pergunta. O nome do emirado está em todo o lado, desde os aviões da Qatar Airways (que poderá estar interessada na TAP) às grandes universidades mundiais que abriram campus em Doha e às conferências internacionais que colocam o país no mapa. E voltemos ao futebol, já que por aqui passam também os ambiciosíssimos planos do Qatar. O país conquistou a organização do Mundial de 2022 e propõe construir ou renovar doze estádios hi-tech, dotados de sistemas de ar condicionado capazes de proteger desportistas e espectadores de temperaturas superiores a 50 graus.
Fora de portas, o Qatar é dono dos clubes de futebol Paris-Saint-Germain e Málaga. A Fundação Qatar, liderada pela segunda mulher do emir, é a primeira entidade privada a inscrever o seu nome nas camisolas do Barcelona, conquistando mais uma montra internacional para o país.
E resta a frente política, onde o Qatar dá passos de gigante que comportam um risco cada vez maior. O emirado é actualmente o principal actor diplomático do mundo árabe, tendo preenchido um vazio de poder na região. «Marrocos está demasiado longe, a Argélia demasiado senil, o Egipto paralisado pela sua revolução, o Iraque atascado na sua crise e a Arábia Saudita presa nos calculismos da sucessão [ao rei Abdullah]», explica um diplomata ao Le Monde. «Como se a França e a Alemanha tivessem falido e a Eslovénia tomasse as rédeas da Europa», completa o diário francês.
Inicialmente, o Qatar de Hamad estabeleceu-se como mediador de paz, tendo alcançado sucesso entre sudaneses e rebeldes do Darfur, Hamas e Fatah, facções libanesas, etíopes, somalis e eritreus. Os talibãs estiveram prestes a abrir uma embaixada em Doha para dialogar com os Estados Unidos, até o assassínio de 16 civis afegãos por um soldado norte-americano, em Março, ter levado à suspensão dos contactos. Washington mantém no Qatar a sua maior base militar no Médio Oriente, o que não impedia Doha de procurar manter boas relações com todos os agentes da região, do Irão a Israel.
A Primavera Árabe veio mudar a estratégia catarense. Através da sua réplica árabe da CNN, a Al Jazeera, e através das suas forças especiais e do seu livro de cheques, Doha passou a intervir nos conflitos. O Qatar sunita liderou o apoio internacional à revolta contra Muammar Kadhafi na Líbia e assume agora o mesmo papel na Síria. Ao mesmo tempo, a sua televisão ignora as rebeliões xiitas nos vizinhos Bahrain e Arábia Saudita. Na Líbia, mas também na Tunísia, as autoridades interinas desconfiam agora do apoio financeiro do Qatar a movimentos islamistas. Após a ascensão meteórica, o pequeno império dos al-Thani enfrenta as primeiras dores de crescimento.
O cesto de compras do Qatar (investimentos seleccionados)
Espanha: Banca, Iberdrola (6,5%), estância de luxo em Marbella, Málaga (clube de futebol)
Reino Unido: Barclays (7,1%), Bolsa de Londres (20%), armazéns Harrods, supermercados Sainsbury (27%), Cadbury-Schweppes, maior arranha-céus da União Europeia (The Shard, Londres), aldeia olímpica de 2012 (Londres)
França: Grupos Suez (5%), Veolia (5%) e Lagardère (10%), casinos e hotéis em Cannes, Paris-Saint-Germain (clube de futebol)
Alemanha: Volkswagen (17%), Porsche (10%) Suíça: Credit Suisse (10%)
Portugal: EDP (2%)
Brasil: Santander (5%)
Estados Unidos: General Motors, Miramax Films
Índia: Petrolífera Petronet (10%)
Países onde o dinheiro do Qatar está presente
O capital não tem pátria, disse Karl Marx. Pelo menos não terá morada, apesar de ter passaporte do Qatar. Os investimentos do emirado passam hoje por Portugal, Espanha, Reino Unido, França, Luxemburgo, Suíça, Suécia, Alemanha, Ucrânia, Grécia, Rússia, Paquistão, Índia, China, Tailândia, Síria, Vietname, Singapura, Malásia, Indonésia, Filipinas, Líbano, Austrália, Turquia, Marrocos, Tunísia, Egipto, Sudão, África do Sul, Argentina e Brasil, entre outros países. E nem Cuba escapa.
Catarenses, qataris ou catarianos?
Como se denominam os naturais do Qatar? Para começar, e segundo o site Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, os puristas preferem Catar a Qatar, por entenderem que a última opção «é impossível à luz da tradição ortográfica portuguesa». Contudo, e após uma pesquisa rápida na internet, verifica-se que a generalidade da comunicação social lusa – da RTP ao Público e a este jornal – opta por Qatar. Qual o gentílico? Catarense é a resposta correcta, apesar de se observar o uso de qatarense, qatariano e catariano.
pedro.guerreiro@sol.pt» in http://sol.sapo.pt/inicio/Internacional/Interior.aspx?content_id=45589
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