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15/02/24

Arte Literatura - "Actualmente, a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático; disfarçou-se nestes nomes, julgando assim passar incógnita."



«A Mentira é a Base da Civilização Moderna

É na faculdade de mentir, que caracteriza a maior parte dos homens actuais, que se baseia a civilização moderna. Ela firma-se, como tão claramente demonstrou Nordau, na mentira religiosa, na mentira política, na mentira económica, na mentira matrimonial, etc... A mentira formou este ser, único em todo o Universo: o homem antipático.

Actualmente, a mentira chama-se utilitarismo, ordem social, senso prático; disfarçou-se nestes nomes, julgando assim passar incógnita. A máscara deu-lhe prestígio, tornando-a misteriosa, e portanto, respeitada. De forma que a mentira, como ordem social, pode praticar impunemente, todos os assassinatos; como utilitarismo, todos os roubos; como senso prático, todas as tolices e loucuras.

A mentira reina sobre o mundo! Quase todos os homens são súbditos desta omnipotente Majestade. Derrubá-la do trono; arrancar-lhe das mãos o ceptro ensaguentado, é a obra bendita que o Povo, virgem de corpo e alma, vai realizando dia a dia, sob a direcção dos grandes mestres de obras, que se chamam Jesus, Buda, Pascal, Spartacus, Voltaire, Rousseau, Hugo, Zola, Tolstoi, Reclus, Bakounine, etc. etc. ...

E os operários que têm trabalhado na obra da Justiça e do Bem, foram os párias da Índia, os escravos de Roma, os miseráveis do bairro de Santo António, os Gavroches, e os moujiks da Rússia nos tempos de hoje. Porque é que só a gente sincera, inculta e bárbara sabe realizar a obra que o génio anuncia? Que intimidade existirá entre Jesus e os rudes pescadores da Galileia? Entre S. Paulo e os escravos de Roma? Entre Danton e os famintos do bairro de Santo António? Entre os párias e Buda? Entre Tolstoi e os selvagens moujiks? A enxada será irmã da pena? A fome de pão parecer-se-á com a fome de luz?...

Teixeira de Pascoaes, in "A Saudade e o Saudosismo"


João Pedro Pais | "Mentira" | (Ao Vivo no Coliseu)


"Mentira

Canção de João Pedro Pais


Dá-me vontade

De te ter a meu lado

Vendo-te a olhar pra mim

Sei que estou apaixonado

Mas não posso ficar assim


Sentado num rochedo

Canto para ti

Como um pássaro livre

Que voa sem fim

Porque é que a vida nos trama

Quando alguém se ama?

Ter de partir

E não poder sorrir

Porque é que choras?

Porque é que dizes o meu nome

Sem nunca me poderes tocar?


Tenho saudades de te ver

Vontade de te abraçar

Sozinho tocando uma guitarra

Junto ao mar

Recordo-me de ti

Imagino porquê

A tua cara a flutuar

Porque é que a vida

Nos fascina?

Tantas vezes nos domina?

Acreditar que no amor

Não se sente dor

Mas é mentira!

Mentira, mentira!


Tenho saudades de te ver

Vontade de te abraçar

Sozinho tocando uma guitarra

Junto ao mar

Recordo-me de ti

Imagino porquê

A tua cara a flutuar

Porque é que a vida

Nos fascina?

Tantas vezes nos domina?

Acreditar que no amor

Não se sente dor

Mas é mentira!

Mentira, mentira!

Tenho saudades de te ver

Vontade de te abraçar

Sozinho tocando uma guitarra

Junto ao mar

Recordo-me de ti

Imagino porquê

A tua cara a flutuar

Porque é que a vida

Nos fascina?

Tantas vezes nos domina?

Acreditar que no amor

Não se sente dor

Mas é mentira!

Mentira, mentira!

Mentira!"


#amarante    #gatão    #literatura    #reflexões    #filosofia    #amentira

#músicaportuguesa    #joãopedropais

02/01/24

Arte Literatura - "Orações do Crepúsculo" de Domingos Monteiro, livro que foi elogiosamente prefaciado por Teixeira de Pascoaes. a quem dedica o segundo livro, também de versos, "Nau Errante", de 1921.






«Domingos Monteiro, talvez com dezoito anos, foi a Pascoaes para conhecer o Poeta... Chegou e, vendo um homem a podar as laranjeiras, perguntou-lhe: «Sabe se Teixeira de Pascoaes está em casa?» O homem respondeu: «Está, sim, senhor.» Domingos Monteiro perguntou ainda: «E acha que ele me recebe?» Então o Poeta desceu da sua escada de podador e, abrindo os braços, disse: «recebe-o, com certeza.» Domingos Monteiro ficou pasmado e radiante. Tornaram-se amigos. E Pascoaes prefaciou o seu primeiro livro de versos.» in Fotobiografia de Maria José Teixeira de Vasconcelos.


«Domingos Monteiro

Ainda durante o ensino liceal em Trás-os-Montes, publicou alguns poemas em O Dilúculo, um jornal local de jovens que se publicou entre 1 de dezembro de 1918 e o primeiro trimestre de 1921, dirigido por Joaquim Rodrigues Grande. Com apenas dezasseis anos estreou-se nas letras com a edição do seu primeiro livro de versos, Orações do Crepúsculo. Este livro foi elogiosamente prefaciado por Teixeira de Pascoaes. a quem dedica o segundo livro, também de versos, Nau Errante, de 1921. Três décadas mais tarde voltaria a publicar poesia, com Evasão, de 1953, e, em 1978 publicaria o seu último livro de versos, Sonetos.» in https://pt.wikipedia.org/wiki/Domingos_Monteiro




"Soneto do meu orgulho - DOMINGOS MONTEIRO

Na ânsia do mais longe eu vivo absorto...
Subir, subir, subir, oh, quem me dera
Ir ver a noiva que há já tanto espera,
Entre as estrelas, perfumado horto.

Ó meu desejo, ó mar que não tens porto...
Cavaleiro fogoso da quimera,
Uma vez lá chegado adormecera:
Adormecia ou me ficava morto...

Porque nasci eu homem, se em mim sinto...
Se em mim... Se em mim, insaciado, erra
O desejo de ser mais do que sou?

Ó dor de me achar preso ao próprio instinto!
Ter um corpo que alguém prendeu à terra,
E uma alma que Deus em si tomou."

EM - POESIA - DOMINGOS MONTEIRO - INCM



25/12/23

Arte Literatura - Agustina Bessa-Luís, "Crónica de Natal", de 6 de Dezembro de 1978.



«Crónica de Natal

Todos os anos, por esta altura, quando me pedem que escreva alguma coisa sobre o Natal, reajo de mau modo. «Outra vez, uma história de Natal! Que chatice!» — digo. As pessoas ficam muito chocadas quando eu falo assim. Acham que abuso dos direitos que me são conferidos. Os meus direitos são falar bem, assim como para outros não falar mal. Uma vez, em Paris, um chauffeur de táxi, desses que se fazem castiços e dizem palavrões para corresponder à fama que têm, aborreceu-me tanto que lhe respondi com palavrões. Ditos em francês, a mim não me impressionavam, mas ele levou muito a mal e ficou amuado. Como se eu pisasse um terreno que não era o meu e cometesse um abuso. Ele era malcriado mas eu - eu era injusta. Cada situação tem a sua justiça própria, e isto é duma complexidade que o código civil não alcança.

Mas dizia eu: «Outra vez o Natal, e toda essa boa vontade de encomenda!» Ponho-me a percorrer as imagens que são de praxe, anjos trombeteiros, pastores com capotes de burel e meninos pobres do tempo da Revolução Industrial inglesa. Pobres e explorados, mas, entretanto, não excluídos do trato social através dos seus conflitos próprios, como se pode observar nos livros de Dickens. Actualmente as crianças estão mais isoladas dum processo de libertação adequada à sua normalidade. Não há qualquer lógica entre o pensamento que elas sugerem e a ação que lhes é imposta. Mas isto são considerações de Natal? Confessem que preferem uma história, uma coisa leve, talvez um pouco insensata e graciosa. Pois bem, falemos de pastores.

Um amigo meu passou uns dias na serra da Estrela para se curar duma depressão, uma dessas doenças que são produzidas pela sociedade burocrática onde todos se destroem em boa paz. Cuidou ele que a solidão e a vida rude o haviam de transformar. Mas o sofrimento, que não é disciplina nem necessidade, torna-se em crítica mesquinha. Ele andava pelos montes, com ar de censura e escândalo, perguntando às pessoas como podiam viver sem ir ao teatro e sem comer costelas panadas. Alumiando-se com azeite e deitando-se ao sol-pôr para não o gastar. Sobressaltava-o muito aquela imobilidade da serra com os rebanhos que pareciam pedras e os pastores com o cão de pêlo assanhado. Sentava-se ao lado deles e travava conversa.

— Olhe lá: você nunca sai daqui? — perguntava. E o pastor respondia:

— Eu, não senhor.

— E então, não se aborrece?

— Eu, não senhor — tornava o homem.

— Mas não se aborrece mesmo, sempre sozinho, a ver só ovelhas, aqui no cimo da serra? — insistia o meu amigo.

Então o pastor, apertado naquele inquérito, fez um esforço para compreender a desordem que provocava no espírito do homem da cidade, e disse, apontando, com um ligeiro movimento do queixo, as ovelhas:

— Ah! Elas às vezes bolem...

Queria desculpar-se, se o conseguiu ou não, não sei. O meu amigo não andou muito tempo por lá. Deu um jeito a um tornozelo e tiveram que o levar de padiola até à localidade, onde arranjou melhor transporte para o hospital. Disse daquilo cobras e lagartos. Também é preciso ver que não era homem para grandes descobertas. Até acha que as descobertas foram um erro histórico. Mas que tem o Natal a ver com isto? – direis. Descubram.

Agustina Bessa-Luís, in 'Crónica da Manhã, 06 Dez 1978'» in https://www.citador.pt/textos/cronica-de-natal-agustina-bessaluis


#amarante    #literatura    #agustinabessaluís    #crónicadenatal

25/12/22

Amarante Literatura - Um excerto fabuloso do poema "O Nascimento" de Teixeira de Pascoaes retirado da sua Obra panteísta: "Marânus".




«O Nascimento (fragmento)


"E a quimérica estrela deslumbrante

Parou sobre a capela, onde a Saudade

Agasalhava o Deus recém-nascido,

Com seu manto de amor e claridade.

E, amparando-o nos braços, lhe estendia

Os seios maternais. A criancinha

Mamava. E a Saudade lhe sorria,

Num enlevo, num êxtase sagrado."


Teixeira de Pascoaes


Resistência - Nasce Selvagem (DVD Ao Vivo em Lisboa) (Official Video)


"Nasce Selvagem

Canção de Resistência

Mais do que a um país

Que a uma família ou geração

Mais do que a um passado

Que a uma história ou tradição

Tu pertences a ti

Não és de ninguém

Mais do que a um patrão

Que a uma rotina ou profissão

Mais do que a um partido

Que a uma equipa ou religião

Tu pertences a ti

Não és de ninguém

Vive selvagem

E para ti serás alguém

Nesta viagem

Quando alguém nasce

Nasce selvagem

Não, não é de ninguém

Quando alguém nasce

Nasce selvagem

Não é de ninguém

De ninguém

Lalalala-lalalala-lalalala

Lalalala-lalalala

Lalalala-lalalala-lalalala

Lalalala-lalalala

Lalalala-lalalala-lalalala"


#amarante    #gatão    #teixeiradepascoaes    #marânus    #onascimento    #natal

02/01/20

Arte Literatura - "Desde que o mundo é mundo, há erotismo": Livro inédito de poesia erótica medieval galego-portuguesa editado em linguagem atual.



«"Desde que o mundo é mundo, há erotismo": Livro inédito de poesia erótica medieval galego-portuguesa editado em linguagem atual

A editora Guerra e Paz vai publicar "Poemas Eróticos dos Cancioneiros Medievais Galego-Portugueses", um livro inédito que traduz a poesia erótica medieval do galego-português para linguagem atual, e que chega às livrarias portuguesas no dia 07 de janeiro.

“Desde que o mundo é mundo, há erotismo. Nada é mais intemporal. Ciente disso, o professor e investigador Victor Correia, doutorado em Filosofia Política e Jurídica pela Universidade de Sorbonne, em Paris, reuniu um conjunto de poemas eróticos dos cancioneiros medievais galego-portugueses e traduziu-os para linguagem atual, numa obra inédita”, revelou a editora, que contou com o apoio da Sociedade Portuguesa de Autores.

Ao longo dos séculos, a poesia medieval tem chegado aos leitores com “candura, cantigas de amigo, cantigas de amor e bailes à sombra das árvores em flor”, uma “arcádia onde não sobra espaço ao pecado”, ocultando, sob um “manto de santidade”, a devassa, o adultério, a prostituição ou o incesto.

“Nos últimos anos, têm sido feitas edições das cantigas de amigo e das cantigas de amor, umas em língua original, outras traduzidas para português. No entanto, as cantigas satíricas e principalmente os textos eróticos têm continuado na sombra”, diz Victor Correia, que partiu de uma lacuna na organização, tradução e divulgação histórica de poemas eróticos do cancioneiro galego-português, para compilar e traduzir para o português contemporâneo, “numa antologia inédita”, algumas das 1.680 composições eróticas medievais documentadas.

Os poemas que constam da obra foram escritos entre os séculos XII e XIV, em Portugal, Galiza, Leão e Castela, regiões situadas na área geográfica da atual Península Ibérica, em galego-português ou galaico-português.

“Poemas Eróticos dos Cancioneiros Medievais Galego-Portugueses” resulta de uma investigação rigorosa a partir da consulta de manuscritos originais, ou de monges copistas, cuidadosamente conservados nos cancioneiros da Biblioteca Nacional, da Biblioteca da Ajuda e da Biblioteca Vaticana, adianta a Guerra e Paz.

Distinguida e apoiada pelo Fundo Cultural da Sociedade Portuguesa de Autores, esta é uma obra que apresenta textos de valor histórico inestimável, publicados agora numa versão traduzida que democratiza o seu acesso, prossegue a editora.

A sessão de lançamento irá decorrer no próximo dia 15 de janeiro, com apresentação de Graça Videira Lopes, investigadora integrada do Instituto de Estudos Medievais (IEM) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.» in https://24.sapo.pt/vida/artigos/desde-que-o-mundo-e-mundo-ha-erotismo-livro-inedito-de-poesia-erotica-medieval-galego-portuguesa-editado-em-linguagem-atual

24/12/18

Amarante Literatura - Talvez se deva dizer que a História do amor de Mãe e Filho, se baseiem na vida do "Menino Jesus"!



«Conto de Natal

O Jorge era um jovem adolescente, magro e pálido, que andava sempre num vaivém pelas tuas da cidade. De alguma forma, quase todos o conheciam, era impossível não se ter dado conta daquela figura esguia e apressada que andava sempre em grande azafama. Este jovem, não ia à escola desde o segundo ano de escolaridade, por isso a sua vida passava pelas ruas da cidade, onde pedia esmola às pessoas que passavam e fazia recados ao senhor do talho, às confeitarias e padarias, cafés e quando tinha dinheiro comprava balões para vender pelas ruas.

Seu pai era um toxicodependente e alcoólico, raramente estava em casa e, quando estava, era apenas para exigir dinheiro à Maria, sua mulher, e ao Jorge. Assim, este jovem sabia que se não tivesse coletado, pelo menos trinta euros por dia, ele e a sua mãe, levariam com um chorrilho de insultos e seriam brutalmente agredidos.

A sua mãe, a Maria, como era conhecida pela vizinhança era uma mulher de trinta e muitos anos, mas que estava precocemente envelhecida, pelo vício do álcool e pela doença terrível que o marido lhe passou, a SIDA. Já há muito tempo que não trabalhava, pois mal tinha forças para se levantar da cama. Alguns vizinhos tentaram ajudá-la, mas foram sempre impedidos pelas ameças violentas do marido, José, um homem brutalmente violento.

Deste modo, o dia a dia do Jorge passava por uma luta diária de conseguir trinta euros para o seu tumultuoso pai matar os seus vícios e alimentação da mãe e dele. A sua era o que menos o incomodava, comia muitas vezes pães sem nada e bebia um qualquer refrigerante. Mas, para a sua mãe, tinha que arranjar uma refeição quente diária, num dos muitos restaurantes, em que procurava algo de saboroso para combater a falta de apetite que a doença provocava na sua progenitora.

Quando o Jorge pedia esmola, dizia sempre que era para matar a fome da sua mãe doente. Nunca para ele ou para o seu pai. Era a sua mãe, o centro das suas preocupações. Não raras vezes, entrava nas igrejas da cidade e começava a rezar. Rezar como quem diz, pois era mais uma conversa direta com Deus, sem ladainhas, aliás como deveria ser sempre, digo eu. Questionava o grande Deus porque é que a vida da sua mãe tinha que ser assim. Porque é que Deus quis que a mãe tivesse que sofrer tanto. Numa dessas ocasiões uma senhora ouviu algumas dessas perguntas do Jorge e referiu o exemplo de Maria mãe de Cristo e o seu sofrimento para o confortar. Mas ele não se convenceu, e dizia, pelas ruas afora, eu não sou Cristo, a minha mãe é a Maria, mas não é a mãe de Jesus… porque me calhou amim, porque é que a minha mãe sofre tanto.

Estávamos próximos do Natal, a mãe quase inconsciente, sem remédios, a viverem numa barraca sem as minimas condições, até que uma pneumonia tomou conta dos últimos dias de vida daquela pobre de Deus. Inúmeras vezes, o Jorge passara noites a dormir nas cadeiras de espera das urgências dos hospitais da cidade, sempre que sua mãe para lá ia e ficava internada.

Jorge pressentia o fim de sua mãe, a sua debilidade era já mais do que evidente. Decidiu assim passar a última noite de Natal com a mãe. O pai veio como sempre à procura dos seus trinta euros e deixou-os sozinhos na noite de Natal. Jorge foi comprar uma ceia de Natal para os dois a um restaurante e para isso gastou todo o dinheiro que tinha amealhado, neste e nos dias anteriores. Poderia ir ao encontro dos “Voluntários da Boa Vontade”, que distribuem refeições quentes pela noite aos sem-abrigo, mas não. Sabia que o fim de sua mãe estava próximo e o Jorge de catorze anos, aprendeu a ser realista com a dureza da sua vida.

Passou a noite a dar a comida à sua mãe, com uma colher e muita delicadeza. Também lhe comprou doces de Natal e fizeram assim uma grande ceia, com vinho, champanhe, bolo-rei e tudo o mais. Quando acabaram a refeição, sentiu um sorriso nos lábios de sua mãe que por muito pouco expressivo que fosse ele entendeu. Depois, foi o suspiro final e Jorge ficou toda a noite agarrado ao corpo de sua mãe que, as poucos arrefecia e ele tentava acalentar com os seus carinhos e abraços.

Passaram anos e Jorge era agora um sem-abrigo daquela cidade, conhecido como o Cristo. Irónico, porque Cristo nasceu na noite de Natal e Jorge, acompanhou a sua mãe na sua lenta agonia da morte numa noite de Natal, mas era assim, tratava dela todos os dias, desde que se conhecia. Aos poucos e poucos foi ficando louco, pois as suas questões filosóficas, não tinham respostas claras e objetivas. Sempre que se questionava sobre a sua sorte e a da sua mãe, só era reconfortado pela alcunha que carinhosamente lhe atribuíram: o Cristo!

Jorge, agora já um homem com trinta e três anos de idade, marcado por uma vida de rua, de má alimentação, de poucos cuidados com a sua saúde e consigo próprio, de que nunca mais se conseguiu libertar desde a morte da sua progenitora. Apareceu morto por debaixo de uma ponte onde adormeceu alcoolizado, aos poucos refugiou-se também nas adições dos pais, num domingo de Páscoa, o Cristo daquela cidade. Morreu de saudade, de tristeza e de solidão.

Este deveria ser um conto feliz, mas o Natal é uma História grande e simples, triste sempre na perspetiva terrena, sublime na dimensão espiritual. Todos nós conhecemos mães e filhos que se reveem nesta ligação umbilical. Talvez seja esse o verdadeiro Espírito de Natal!»


"Poema de Natal

Jorge andava pelas ruas da cidade
Alguns reconheciam aquela figura pálida
Magro demais para a sua idade
E naquela tarde, quase noite, chuvosa e gélida
Toda a gente nas compras de Natal
Nos santuários da luz e da euforia da cor
Ninguém se apercebeu daquela hora fatal
Numa estória que só podia ser de amor
A mãe do Cristo morreu e ele também
Começou a apagar-se naquela tarde
Na noite da estrela que guiou reis a Belém
Jorge não suportou tamanha verdade
De viver para amar, cuidar e sofrer
Como o Jesus de Nazaré daquela cidade…"

Helder Barros, 22 de dezembro de 2018



Xico Buarque - "Minha História"


Ney Matogrosso - "Minha história"


"Minha História
Chico Buarque

Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar
Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar
Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente
E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente

(laiá, laiá, laiá, laiá)

Ele assim como veio partiu não se sabe prá onde
E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe
Esperando, parada, pregada na pedra do porto
Com seu único velho vestido, cada dia mais curto

(laiá, laiá, laiá, laiá)

Quando enfim eu nasci, minha mãe embrulhou-me num manto
Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo
Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher
Me ninava cantando cantigas de cabaré

(laiá, laiá, laiá, laiá)

Minha mãe não tardou alertar toda a vizinhança
A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança
E não sei bem se por ironia ou se por amor
Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor

(laiá, laiá, laiá, laiá)

Minha história e esse nome que ainda hoje carrego comigo
Quando vou de bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus

(laiá, laiá)

Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus


(laiá, laiá, laiá, laiá)"

27/10/18

Arte Literatura - O destaque vai para uma carta de Charles Baudelaire a Narcisse Ancelle, notário e amigo da mãe do autor de As Flores do Mal, datada de 1845, em que aquele anuncia a intenção de se suicidar.



«Nota de suicídio de Baudelaire vai a leilão

Um conjunto de manuscritos de autores dos séculos XIX e XX seráa leiloado no próximo dia 4 de novembro em Paris. 

O destaque vai para uma carta de Charles Baudelaire a Narcisse Ancelle, notário e amigo da mãe do autor de As Flores do Mal, datada de 1845, em que aquele anuncia a intenção de se suicidar.

A leiloeira Osenat considera-a «sem dúvida a mais extraordinária missiva de Baudelaire ainda em mãos privadas», e a estimativa situa-se nos 60 mil - 80 mil euros. Apesar da tentativa, Baudelaire acabaria por morrer de sífilis em 1867, aos 46 anos.

O leilão oferece também manuscritos de outros escritores e artistas como Zola, Manet, Miró e Henry Miller.» in https://ionline.sapo.pt/631875

29/10/17

Arte Literatura - A Sotheby's vai leiloar, esta segunda-feira, em Paris, uma rara edição de "Em busca do tempo perdido", acompanhada de um tesouro para os bibliófilos: cartas nas quais Marcel Proust revela ser o seu melhor assessor de imprensa.



«Ninguém sabia promover Marcel Proust... como o próprio Proust

A Sotheby's vai leiloar, esta segunda-feira, em Paris, uma rara edição de "Em busca do tempo perdido", acompanhada de um tesouro para os bibliófilos: cartas nas quais Marcel Proust revela ser o seu melhor assessor de imprensa.

O livro, avaliado entre 400 mil e 600 mil euros, é um dos cinco exemplares numerados de "Em busca do tempo perdido" e está impresso num papel que muitos consideram ser o mais belo do mundo, o "washi" japonês.

Três destas raridades estão com o seu proprietário, enquanto um quarto desapareceu durante a Segunda Guerra Mundial e nunca mais foi encontrado.

O livro que a Sotheby's vai vender na segunda-feira não era visto em público desde 1942, durante um leilão em Druot. Originalmente, Proust deu-o de presente a Louis Brun, um dos diretores da casa Grasset, como agradecimento pelo seu apoio, como recorda o escritor na dedicatória inscrita no livro.

Louis Brun, um grande bibliófilo, encadernou uma série de documentos manuscritos por Marcel Proust no fim do volume. E é aí que está o maior tesouro de todos.

Os oito documentos, ao todo, mostram um Marcel Proust até então desconhecido. Para promover o seu livro, o escritor propõe a amigos seus da imprensa parisiense que publiquem nos seus respectivos jornais críticas elogiosas ao romance.

Para o escritor, qualquer meio servia. Assim, ofereceu dinheiro aos jornais e chegou ele mesmo a escrever os artigos que esperava que fossem publicados.

Ao mesmo tempo, Proust tomava uma certa precaução para que não fosse descoberto e insistia que os artigos que escrevia fossem anónimos.

Tal torna-se explícito numa carta de Proust a Louis Brun, onde é sublinhado que este tem que dizer: "foi o editor que redigiu isto e, se no jornal consultarem o manuscrito, é melhor que não seja a minha letra".

Assim, pedia para enviar aos diários uma versão datilografada dos seus escritos, para que ninguém pudesse reconhecer a sua caligrafia. Ele também sugeria que as faturas fossem enviadas a Grasset, garantindo que, no final, pagará "integralmente".

Sobre o seu livro, Proust escreve que "Em busca do tempo perdido" é "uma pequena obra de arte", referindo-se a si mesmo na terceira pessoa. "O que Proust vê, sente, é de uma originalidade total", escreveu.

A crítica aduladora, não assinada, foi publicada na primeira página do Journal del Debats em abril de 1914 e teve um custo de 660 francos - o equivalente a 2 mil euros atuais - que o próprio autor pagou do seu bolso.

Uma nota, curta, publicada na capa do jornal francês Le Figaro em 18 de abril daquele ano custou a Proust 300 francos (mil euros). Numa carta a Brun, o escritor queixa-se com amargura que o jornal tinha apagado o adjetivo "distinto", que atribuíra a si mesmo.

Jean-Yves Tadié, grande especialista em Proust, explica que o escritor "entendeu, antes de todos, a importância da comunicação, da publicidade e das relações com a imprensa".» in http://24.sapo.pt/vida/artigos/ninguem-sabia-promover-marcel-proust-como-o-proprio-proust

26/09/17

Arte Literatura - A vida e obra de Teixeira de Pascoaes é destacada num encontro a realizar no dia 29 de setembro, à noite, na Biblioteca de Pinhal Novo, no âmbito do projeto municipal “Palavras na Nossa Terra”.




«"Palavras na Nossa Terra" recorda Teixeira de Pascoaes

A vida e obra de Teixeira de Pascoaes é destacada num encontro a realizar no dia 29 de setembro, à noite, na Biblioteca de Pinhal Novo, no âmbito do projeto municipal “Palavras na Nossa Terra”. Nesta tertúlia poética do projeto, agendada para as 21h00, e de entrada livre, as/os participantes são convidadas/os a ouvir, escrever, ler ou dizer poesia.

O homenageado, Teixeira de Pascoaes - pseudónimo literário de Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos - nasceu em Amarante a 8 de novembro de 1877 e foi responsável pela doutrina do Saudosismo, porque entendia ser esta característico, a saudade, o principal traço da alma portuguesa. Licenciou-se em Direito na Universidade de Coimbra em 1901, regressando nesse mesmo ano à sua cidade natal, para exercer advocacia. Em 1906, mudou-se para o Porto, onde conheceu os escritores Leonardo Coimbra, Raul Brandão, Jaime Cortesão e António Patrício. Cinco anos depois, em 1911, foi nomeado juiz substituto em Amarante, cargo que exerceu durante dois anos. Mais tarde, abandonou a carreira judicial, refugiando-se na Casa de Pascoaes, um solar do século XVII, pertencente ao avô paterno, para procurar uma vida solitária, em sintonia com a Natureza. Esta mudança decorreu num período de grandes alterações políticas em Portugal, com o fim da monarquia e a revolução de 1910, data em que o poeta e pensador, admirador confesso de Guerra Junqueiro (próximo homenageado de “Palavras na Nossa Terra”, no dia 27 de outubro) viria a lançar a revista Águia, publicação que suportava os ideais do movimento cultural “Renascença Portuguesa”. Com a poesia sempre presente, dedicou a última fase de produção literária a construir uma série de biografias romanceadas de personalidades históricas, como Camilo Castelo Branco, Napoleão Bonaparte, Santo Agostinho, São Jerónimo e São Paulo. Pascoaes morreu aos 75 anos, vítima de tuberculose, na extinta freguesia de Gatão, no concelho de Amarante, meses depois da morte da mãe, em 1952. 

Esta sessão do projeto “Palavras na Nossa Terra” dá continuidade ao projeto de promoção da poesia e da leitura, iniciado em 2015 pela Câmara Municipal de Palmela. Sophia de Mello Breyner, Florbela Espanca e Pedro Tamen são alguns dos nomes a quem já foram dedicados encontros, este ano.» in https://www.rostos.pt/inicio2.asp?cronica=13000845&mostra=2

12/08/17

Arte Literatura - Oriunda de uma família de judeus sefarditas que deixaram Portugal para escapar às perseguições, Blanche Blackwell fazia parte da alta sociedade jamaicana e viria a ser mulher de Ian Fleming.



«Blanche Blackwell ‘. A mulher jamaicana’ de Fleming

O primeiro encontro entre Blanche e Ian Fleming não foi auspicioso. Ele perguntou-lhe: «Meu Deus, não é lésbica, pois não?»

Oriunda de uma família de judeus sefarditas que deixaram Portugal para escapar às perseguições, Blanche Blackwell fazia parte da alta sociedade jamaicana. Foi ali, na idílica Port Maria, onde muitos americanos e ingleses ricos tinham as suas casas de férias, que conheceu figuras tão célebres como Ian Fleming – o antigo espião que criou James Bond –, o dramaturgo britânico Noël Coward e o ator Errol Flynn, porventura o mais convincente Robin Wood da história do cinema. Coward adorava dar-lhe abraços, Flynn apaixonou-se por ela, mas foi com Ian Fleming que manteve um caso amoroso. Blanche Blackwell faleceu dia 8 de agosto. Tinha 104 anos.

A família Lindo (nome de solteira de Blanche) estabeleceu-se na Jamaica no século XVIII e alcançou a prosperidade graças às atividades mercantil e agrícola. Mais tarde, o pai de Blanche trocaria a exploração agrícola pela maior empresa de produção de rum jamaicana, que se manteve nas mãos da família até 1957. Donos de grandes propriedades, os Lindo também fizeram fortuna com a venda de terras a estrangeiros, para ali erguerem os seus refúgios tropicais.

Como as meninas de boas famílias da época, Blanche foi educada em casa por um precetor, terminando os seus estudos em Inglaterra. Pequena e alegre, tinha um riso cristalino que despertava paixões. Um dos seus primeiros admiradores foi o ator Errol Flynn. Embora casado, Flynn revelou nas suas memórias que chegou a equacionar declarar-se-lhe, e só não o fez porque temia não ser correspondido. De resto, Blanche reconheceu que o ator era «o homem mais bonito» que alguma vez conheceu. «Tinha um físico maravilhoso».

Acabaria no entanto por casar, quando estava na casa dos vinte, com um major britânico destacado no Regimento da Jamaica, Joseph Blackwell, que entretanto o pai dela contratara para ajudar nos negócios. Como presente de casamento, o jovem casal recebeu uma casa em Kingston (a capital da Jamaica) e uma plantação de cocos e bananas com qualquer coisas como 800 hectares.

O filho do casal, Christopher, nasceu em 1937 – hoje é o milionário fundador da Island Records, que editou discos de nomes como Bob Marley, Cat Stevens ou os Rolling Stones.

Doze anos depois, em 1949, uma denúncia de Errol Flynn de que ‘Joe’ era infiel punha fim ao casamento. Blanche foi para Inglaterra, para ficar perto do filho, que estudava em Harrow. Mas acabaria por regressar à Jamaica, levando a intenção reconstruir uma pequena casa com uma vista sumptuosa sobre o mar.

Foi assim que conheceu o dramaturgo Noël Coward, seu vizinho. Coward apaixonara-se por aquela ilha do Mar das Caraíbas quando estivera a passar férias na casa do seu amigo Ian Fleming – uma propriedade que, não por acaso, se chamava Goldeneye.

Blanche e Coward entenderam-se às mil maravilhas. O mesmo não aconteceria com o amigo do dramaturgo, o escritor de policiais Ian Fleming, já então famoso criador da personagem James Bond.

O primeiro encontro entre Blanche e Fleming, num jantar em Kingston, não foi propriamente auspicioso. Ela tinha 44 anos e ele 48. Blanche contaria mais tarde: «Lembro-me de me ter sentado ao lado dele e ele ter perguntado: ‘Como é possível que não a tenha visto antes?’. Disse-lhe que tinha acabado de chegar de Inglaterra e ele respondeu: ‘Meu Deus, não é lésbica, pois não?’ E eu ri-me».

Apesar da má impressão inicial, acabariam por tornar-se bons amigos. Visitavam-se mutuamente (Blanche gostava de fazer mergulho nos recifes perto de casa de Fleming) e trocavam presentes. Mas ainda não eram amantes, como suspeitava Coward, com uma ponta de ciúme. Isso só aconteceria um ano depois, garantiu Blanche. Anne, a esposa de Flemming, chamava-lhe «a mulher jamaicana no Ian».

O criador de James Bond morreria de ataque cardíaco aos 56 anos. Blanche, pelo contrário, teve uma vida longa. Já na casa dos 90, regressou a Inglaterra, tendo vivido os últimos anos num apartamento no elegante bairro de Knightsbridge, acompanhada primeiro por três criadas jamaicanas e depois por um mordomo. Estava surda e quase cega.

Richard Branson, o milionário dono da Virgin, prometeu, que quando Blanche fizesse cem anos, lhe ofereceria uma viagem ao espaço. A aventura nunca se concretizou. Mas agora, aos 104 anos, Blanche viajou para ainda mais longe.

Blanche Blackwell» in https://ionline.sapo.pt/576038

07/08/17

Arte Literatura - A identidade do assassino mais conhecido de Londres, Jack o Estripador, é um dos maiores mistérios da história criminal do Reino Unido, mas há quem diga que lhe descobriu o diário, a casa e a identidade.



«Dois homens foram a um bar e descobriram quem é Jack, o Estripador

Teorias, teorias, teorias. De várias formas, com vários suspeitos. A identidade do assassino mais conhecido de Londres é um dos maiores mistérios da história criminal do Reino Unido, mas há quem diga que lhe descobriu o diário, a casa e a identidade.

Há 25 anos, a “Please Don’t Go” dos KWS liderava o topo das tabelas britânicas. Não se pode garantir que não tenha sido ao som dessa música que um conjunto de empreiteiros fazia uma série de renovações num palacete em Aigburth, perto de Liverpool, mas há plausibilidade na hipótese. A empresa era a Portus & Rhodes Ltd. e Arthur Rigby, James Coufopoulos e Eddie Lions eram três dos trabalhadores.

O telefone toca. Doreen Montgomery, agente literário, recebe uma chamada na manhã de 9 de maio de 1992.  Do outro lado, uma voz colorida dispara palavras imortais: “Tenho comigo do diário de Jack o Estripador. Está interessado em vê-lo?”.

Era Barrett, Mike Barrett, um sucateiro de Liverpool. Garantia ter recebido de um amigo de família, Tony Devereux, um diário com nove mil palavras onde o autor dos crimes de Londres se confessava. Teria sido, então, um comerciante de algodão, James Maybrick, a matar as cinco prostitutas londrinas.

O diário foi editado e publicado. A autenticidade do livro, porém, foi posta em causa. A morte de Devereux, pouco tempo depois, não ajudou a esclarecer os contornos em que a confissão foi achada.

Duas imperiais, um diário e “On a ragga tip” no rádio

Depois dos KWS, o top elege SL2. “On a Ragga Tip”, cuja letra não impressiona por quaisquer dotes estilísticos de literatura, podia estar a tocar no Saddle Inn, um pub em Anfield, Liverpool. Barret era uma personagem conhecida neste bar e estava sempre a dizer que era escritor. Todavia, a maior conquista literária que conseguiu foi escrever charadas para um semanário infantil.

Eddie Lions, um dos trabalhadores do palacete onde se presume que tenham estado a tocar todas estas músicas, era também cliente do Saddle Inn. Conversa puxa conversa, Barrett acaba ao telefone com um editor e um diário acaba a ser publicado.

A história só agora foi revelada, num novo livro, e vem dar força à teoria de que Jack é James Maybrick, o dono do palacete onde Lions trabalhava na manhã em que Barret telefonou a Montgomery, o agente. O diário foi publicado por Robert Smith, que explica agora como chegou à conclusão de que a proveniência do livro não é Tony Devereux, mas sim a casa de Maybrick.

“O Barrett tinha uma personalidade impetuosa. Bastava-lhe ver ou ouvir falar da assinatura no final do diário para pegar no telefone”, diz Smith ao Telegraph. “Não era muito letrado e a ideia que pudesse ter sido capaz de produzir uma falsificação tão sofisticada e credível não é remotamente plausível”.

Dúvidas

Quando o diário foi publicado, surgiu desconfiança. Alguns diziam que o documento continha pormenores que só o assassino podia saber, outros sugeriram que era simplesmente uma colagem intrincada que inteligentemente pegava nas notícias dos jornais da época.

Esta última teoria ganhou força quando, em 1995, assinou um documento a dizer que tinha forjado toda a história (mais tarde revogaria a decisão). E até os trabalhadores — Rigby, Coufopoulos e Lions — negaram o envolvimento na descoberta do diário.

Smith, porém, continua irredutível na sua crença. “Nunca tive quaisquer dúvidas de que o diário é um documento genuíno, escrito entre 1888 e 1889”, disse ao jornal britânico. “As novas e irrefutáveis provas - que no dia 9 de maio de 1992 o diário foi retirado de debaixo do soalho do quarto que fora de James Maybrick em 1889 e que foi posteriormente oferecido a um agente literário londrino, derruba quaisquer outras considerações acerca da sua autenticidade”, acredita Smith.

James Maybrick é Jack, o estripador? “É o autor mais provável”, diz Smith. “Agora é o principal suspeito, mas as disputas acerca da identidade de Jack, o Estripador, podem muito bem prolongar-se por mais um século”.

Alice no país dos suspeitos

Há dois anos, o jornal britânico Telegraph compilava uma lista com os principais suspeitos pela série de homicídios que aterrorizou a capital do Reino Unido no final dos anos 1880. Do pai de Winston Churchill, Lord Randolph Churchill, ao autor de Alice no País das Maravilhas, Lewis Carroll, a lista de 15 nomes adensa a confusão.

Jack, o Estripador, ou Jack the Ripper, como é conhecido em inglês, foi um assassino em série que matou brutalmente cinco mulheres na East End londrina, em 1888. Ao longo de 12 semanas, entre o final de agosto e a segunda semana de novembro, Jack terá morto pelo menos cinco prostitutas, cortando-lhes a garganta com uma faca, retirando-lhes, depois, os órgãos internos - estripando-as - e mutilando os corpos.

Do autor nada se sabe, à exceção de uns parcos relatos de alegadas testemunhas. Um homem “de aspeto estrangeiro”. Especula-se que tivesse formação médica ou como talhante para ter levado a cabo aqueles crimes.

Sabemos-lhe o nome, porém, porque ele mesmo, ao que parece, enviou uma carta para uma agência de notícias britânica, a 30 de setembro de 1888 - a chamada carta “Querido Chefe” (Dear Boss) -, que alguns peritos no assunto pensam ter sido escrita pelo próprio assassino.

Nesta carta, Jack apresenta-se com o nome por que todos o conhecem - Jack the Ripper - e descreve o gozo que tem no facto de o as autoridades não o conseguirem apanhar. E não conseguiram mesmo. Numa altura em que a ciência não podia sequer distinguir o sangue humano do sangue animal, as provas forenses não existem para indicar o caminho.» in http://24.sapo.pt/vida/artigos/dois-homens-foram-a-um-bar-e-descobriram-quem-e-jack-o-estripador


(Jack, o Estripador)


Documentário: Jack, o Estripador na América - [Dublado]


Quem foi Jack, o Estripador?

31/05/17

Arte Literatura - O livro de Pedro Prostes da Fonseca conta a história da “banqueira do povo” que oferecia juros de 10%, gostava de champanhe, tinha passe da Carris, foi condenada a 10 anos de prisão e morreu, sozinha, num lar.



«Dona Branca, a banqueira que era um 'doce' perto de alguns casos do século XXI

O livro de Pedro Prostes da Fonseca conta a história da “banqueira do povo” que oferecia juros de 10%, gostava de champanhe, tinha passe da Carris, foi condenada a 10 anos de prisão e morreu, sozinha, num lar.

“Ganhara certos hábitos de rica – não prescindia de champanhe francês, muitas vezes logo de manhã –, mas ao mesmo tempo continuava-lhe colada a origem social: tinha passe da Carris e mandava consertar o calçado ao sapateiro”, descreve o jornalista Pedro Prostes em “Dona Branca – A Verdadeira História da Banqueira do Povo” (Dream Editora), nas livrarias a partir de 01 de junho.

A mulher que deu milhares de escudos a ganhar a milhares de pessoas ao longo de anos, numa atividade que, na altura, levantava dúvidas de legalidade, com juros seis vezes mais altos do que os praticados pelos bancos, foi condenada aos 78 anos pelo crime de burla agravada e pela emissão de 31 cheques sem cobertura. Deixou centenas de lesados.

Além de revolver o processo legal do primeiro escândalo financeiro da democracia portuguesa, o jornalista (ex-Lusa, ex-24 Horas e ex-Sol) conta a vida de Branca dos Santos, nascida em 1911. Não sabia ler, apenas sabia assinar o nome, mas tinha muito jeito para os números.

Ao longo de 228 páginas, o jornalista, autor do livro “A Porta da Liberdade”, sobre a fuga de Álvaro Cunhal de Peniche, conta agora como começou, na década de 40 do século passado, o negócio de emprestar dinheiro, a começar pelas peixeiras.

O negócio de Dona Branca

O início do negócio está associado às varinas na zona do Intendente, em Lisboa, nesses anos da década de 40.

“Guardava o dinheiro da venda das varinas, recebendo no final dos dias uma pequena compensação. Com o tempo, acumulou o suficiente para emprestar, com juros, às varinas para irem à lota comprar peixe, copiando o negócio da Nazaré”, descreve o autor.

A vida corre-lhe bem e recebe uma herança, permitindo-lhe ter mais dinheiro, e o negócio de "banqueira" vai crescendo.

“Branca pagava juros a 8% ao mês (só subiria para os 10% muito mais tarde) a quem depositava e concedia empréstimos a 12% e 15%”, descreve o autor.

Cresceu tanto que nos anos 70 e 80, no meio de mais uma crise - quando os sindicalistas se manifestavam com bandeiras pretas da fome no distrito de Setúbal – os juros subiram aos 10% e o negócio floresceu.

O êxito foi tal que acabou por ditar o seu fim. Com muitos milhares “depositados”, uma atividade que levantava dúvidas ao fisco e ao Governo, e as notícias de primeira página nos jornais, a “banqueira” acabaria por ser detida, a 08 de outubro de 1984.

A descoberta dos crimes

A sentença, num processo atribulado, aconteceu em 1990 e D. Branca foi condenada a 10 anos. Já não voltou à prisão, dado que tinha sido libertada em agosto de 1988 e nessa altura estava internada numa clínica.

O processo, de Maria Branca dos Santos e mais 68 arguidos, começou a ser julgado em 1988, por crimes de associação criminosa, burla agravada e emissão de cheques sem cobertura.

O ex-ministro da Justiça Rui Machete revelou que a estratégia do Governo para acabar com o caso D. Branca, em 1984, foi pôr o ministro das Finanças Ernâni Lopes a lançar um “sentimento de incerteza” no negócio.

Ernâni Lopes, então ministro das Finanças no Governo PS-PSD liderado por Mário Soares, “no princípio estava mais inclinado para um caminho mais formal, através dos trâmites da Justiça”, mas “acabou por ceder” e “fez uma declaração pública, chamando a atenção que se tratava de uma atividade ilegal e sobretudo que tinha um risco”, contou Machete a Pedro Prostes, autor de outros livros como “O Assassino de Catarina Eufémia”.

Branca dos Santos tinha começado a trabalhar no negócio há muitos anos, ainda na década de 1940, e tinha já muitos clientes quando o semanário Tal&Qual noticiou, em 1983, que a D. Branca era “um autêntico banco” e que “o cacau” estava tão seguro “nas mãos desta mulher de cabelos brancos, como nos cofres da mais sólida instituição de crédito”.

Entre os amigos da “banqueira”, contavam-se “políticos, magistrados, artistas e figuras da televisão como Ribeirinho, Henrique Santana ou Camilo de Oliveira”.

Para escrever este livro, Pedro Prostes da Fonseca consultou o processo judicial que acabou com a condenação de D. Branca a 10 anos de prisão, dois anos antes de morrer, e falou com parte das pessoas que colaboraram com a “banqueira do povo”.

Na obra, faz-se a história das amizades, de familiares que estiveram ao lado de D. Branca, de como o negócio existia desde os anos de 1949, as tentativas de última hora, já após revelado o caso nos jornais, de vender apartamentos para pagar juros e devolver dinheiro “depositado” ou ainda a falsificação de recibos, uma das justificações dadas pela “banqueira” para a sua falência.

Conta-se no livro que meses depois de o negócio ter rebentado a Polícia Judiciária encontrou papéis a comprovar que, em apenas quatro dias, de 13 a 17 de junho de 1984, tinham sido passados recibos de depósitos no valor de 1,4 milhões de contos, cerca de 33 milhões de euros a valores de hoje.

E de como muitos dos lesados não apresentaram queixa e a própria “banqueira” se coibiu de dizer nomes de clientes do seu negócio.

Um paralelo com os casos bancários atuais

Nas notas finais, Pedro Prostes da Fonseca faz um paralelo, que “poderá, à primeira vista, parecer descabido”, com os casos que envolveram vários bancos nos últimos anos.

“Se [a comparação] for feita a partir dos danos causados ao Estado, a posição de D. Branca em relação a João Rendeiro (BPP), Oliveira e Costa (BPN) ou Ricardo Salgado (BES) é insignificante; se for pelos prejuízos causados aos depositantes, fica também muito aquém daqueles tubarões; se for pela rapidez da sua prisão, destaca-se no primeiro lugar”, afirma.

Além do mais, destes casos conclui-se que "D. Branca era um 'doce' – como foi batizada pelo Charlie Hebdo – perto dos banqueiros que destruíram uma boa parte do sistema financeiro no século XXI".

O fim 

Branca dos Santos morreu aos 80 anos, em 1992, dois anos depois de ter sido condenada, num lar, em Lisboa, onde eram poucos os que a visitavam. Como poucos foram os que assistiram ao seu funeral, cinco pessoas.

“Num chocante contraste com a multidão que a rodeou no tempo em que era uma ‘banqueira’ de sucesso”, descreve o autor.

Quase até ao fim da vida, esteve consciente, ao contrário do que invocou o seu advogado para justificar a sua ausência do julgamento.

Nos últimos meses de vida, nunca saiu à rua. Tinha poucas visitas. À porta da clínica chegaram a passar pessoas a gritar “Ladra! Ladra!”

Afinal, houve um grande número de lesados que não receberam juros e muito menos recuperaram o dinheiro “depositado”.» in http://24.sapo.pt/atualidade/artigos/dona-branca-a-banqueira-que-era-um-doce-perto-de-alguns-casos-do-seculo-xxi


Falar de Ivone Silva ("Dona Branca" e "Vestido preto")

17/11/16

Palavras - O Dicionário de Oxford escolheu o termo “pós-verdade” como palavra do ano 2016.




«Depois de “emoji” temos “pós-verdade” como palavra do ano

O Dicionário de Oxford escolheu o termo “pós-verdade” como palavra do ano 2016. A quem podemos agradecer? Ao Brexit e a uma polémica campanha eleitoral norte-americana.

De acordo com a Universidade de Oxford foram estes acontecimentos que fizeram aumentar exponencialmente o uso da palavra “pós-verdade” que, segundo o dicionário da prestigiada instituição, está relacionada com “circunstâncias em que os factos objetivos influenciam menos a opinião pública do que os apelos à emoção e às crenças pessoais”.

“O conceito de pós-verdade existe há uma década, mas o Dicionário de Oxford registou um aumento da frequência [da sua utilização] no contexto do referendo no Reino Unido e na eleição presidencial norte-americana”, explica a instituição, justificando assim a escolha do termo para palavra do ano.

Adianta ainda o Dicionário de Oxford que neste caso o prefixo “pós” não se refere a “depois”, mas antes a “um tempo em que o conceito específico se torna pouco importante ou irrelevante”. Ou seja, “pós-verdade” refere-se ao momento em que a verdade se torna irrelevante. Isto pode ser especialmente preocupante quando o termo está relacionado, sobretudo com política.

“Pós-verdade passou de um termo periférico a um que é usado genericamente no comentário político, sendo regularmente utilizado em grandes publicações sem necessidade de ser clarificado ou definido”, pode ler-se no comunicado do Dicionário de Oxford.

Entre as potenciais palavras do ano estavam também outros termos, nomeadamente:

Adulting - o ato de se comportar como um adulto responsável.

Alt-right - relacionado com pontos de vista extremamente conservadores ou reacionários, rejeição das políticas mainstream e uso das plataformas online para disseminar conteúdo controverso.

Brexiteer - Alguém que é favorável à saída do Reino Unido da União Europeia.

Chatbot - Programa de computador desenhado para simular uma conversação com utilizadores humanos na internet.

Coulrophobia - fobia de palhaços.

Glass Cliff - relacionado com a ascensão de uma mulher pertencente a um grupo minoritário a uma posição de liderança, desafiando as circunstâncias.

Hygge - Convivência confortável que origina um sentimento positivo e de bem-estar.

Latinx - Pessoa latino-americana.

Woke - Alerta para injustiças na sociedade, especialmente rois-de-emoji-temos-pos-verdade-como-palavra-do-anoelacionado com racismo.» in http://24.sapo.pt/vida/artigos/dep