O início deste episódio da
história militar portuguesa ocorreu em
Angola, a
4 de Fevereiro de
1961, na zona que viria a designar-se por
Zona Sublevada do Norte (ZSN), que corresponde aos
distritos do
Zaire,
Uíje e
Quanza-Norte. A
Revolução dos Cravos em Portugal, a
25 de Abril de
1974, determinou o seu fim. Com a mudança do rumo político do país, o empenhamento militar das forças armadas portuguesas deixou de fazer sentido. Os novos dirigentes anunciavam a
democratização do país e predispunham-se a aceitar as reivindicações de independência das colónias — pelo que se passaram a negociar as fases de transição com os movimentos de libertação empenhados na luta armada.
Ao longo do seu desenvolvimento foi necessário aumentar progressivamente a mobilização das forças portuguesas, nos três teatros de operações, de forma proporcional ao alargamento das frentes de combate que, no início da
década de 1970, atingiria o seu limite crítico. Pela parte portuguesa, a guerra sustentava-se pelo princípio político da defesa daquilo que considerava território nacional, baseando-se ideologicamente num conceito de nação pluricontinental e multiracial. Pelo outro lado, os movimentos de libertação justificavam-se com base no princípio inalienável de auto-determinação e
independência, num quadro internacional de apoio e incentivo à luta.
Por outro lado, também as grandes potências emergentes da II Guerra Mundial, os
Estados Unidos da América e a
União Soviética, alimentavam — quer ideologicamente, quer materialmente — a formação de grupos de resistência nacionalistas, durante a sua disputa por zonas de influência. É neste contexto que a
Conferência de Bandung, em
1955, irá conceder voz própria às colónias, que enfrentavam os mesmos problemas e procuravam uma alternativa ao simples alinhamento no conflito bipolar que confrontava as duas grandes potências. Estas, eram, assim, chamadas a considerar com outra legitimidade as reivindicações do chamado
Terceiro Mundo, quer para manter o equilíbrio nas relações internacionais da
Guerra Fria, quer para canalizar os sentimentos autonomistas para seu benefício, como zona de influência. A influência externa nas colónias perdia a orientação meramente separatista e desestabilizadora, e caminhava para um efectivo apoio - ou entrave - nas relações com os países colonizadores.
No final da
década de 1950, as
Forças Armadas Portuguesas viam-se confrontadas com o paradoxo da situação política gerada pelo
Estado Novo, que haviam implantado e sustentado desde
1926: por um lado, a política de neutralidade portuguesa na II Guerra Mundial colocava as Forças Armadas Portuguesas afastadas de um eventual
confronto Leste-Oeste, por outro, aumentava, na perspectiva do regime, a responsabilidade na manutenção da soberania sobre os vastos territórios ultramarinos, onde a tensão do pós-guerra avizinhava lutas independentistas nas colónias da
Europa Imperial. Contudo, os mesmos dirigentes que afastaram Portugal da luta pela
libertação europeia, optaram por integrar o país na estrutura militar da
NATO, num subtil desejo de se aliar aos vencedores, em detrimento da preparação para as ameaças nos espaços coloniais, que o próprio regime considerava imprescindíveis para a sobrevivência nacional.
Esta integração de Portugal na Aliança Atlântica iria formar uma elite de militares que se tornaria indispensável para o planeamento e condução das
operações durante a Guerra do Ultramar. Esta "
geração NATO" ascenderia rapidamente aos mais altos cargos políticos e de comando, sem necessidade de dar provas de fidelidade para com o regime. A Guerra Colonial estabelecia, assim, incompatibilidades entre a estrutura militar — fortemente influenciada pelas potências ocidentais, de regime democrático — e o poder político. Alguns analistas consideram que o chamado «
golpe Botelho Moniz» marcou o início desta ruptura, bem como a origem de uma certa desconfiança do regime em relação à manutenção de um único centro de comando, perante a ameaça do confronto com a força armada. Esta situação provocaria, como se verificaria mais tarde, a descoordenação entre os três estados-maiores (
Exército,
Força Aérea e
Marinha).
O regime do
Estado Novo nunca reconheceu a existência de uma guerra, considerando que os movimentos independentistas eram apenas terroristas e que os territórios não eram colónias, mas províncias e parte integrante de Portugal. Durante muito tempo, grande parte da população portuguesa, iludida pela censura à imprensa, viveu sob a ilusão de que, em África, não havia uma guerra, mas apenas alguns ataques de terroristas e de potências estrangeiras.
Contrariando o que o estado pretendia transmitir como sendo de consenso geral, isto é, que as colónias faziam parte da unidade nacional, os
comunistas foram os primeiros a opor-se aos confrontos. Na verdade, a primeira organização a manifestar-se publicamente foi o
PCP, em
1957, durante o seu
V Congresso, pedindo a independência imediata, completa e indolor. Porém, a censura do regime obrigava o partido a representar dois papéis: o de partido político e o de força de coesão entre os sectores oposicionistas, com os quais acordava programas que não reflectiam as suas posições anticoloniais; seguindo a mesma linha de orientação, já assim se tinham manifestado, durante as
eleições presidenciais celebradas durante o
Estado Novo, onde era defendida essa unidade:
Norton de Matos (1949),
Quintão Meireles (1951),
Humberto Delgado (1958), e mesmo os candidatos apoiados pelo PCP:
Rui Luís Gomes e
Arlindo Vicente.
Depois da fraude eleitoral de
1958, Humberto Delgado formou o
Movimento Nacional Independente (MNI) que, em Outubro de
1960, defendia a necessidade de preparar o povo das colónias, antes de lhe ser concededido o direito à autodeterminação. No entanto, nenhuma data ou metodologia foi sugerida.
Assim, a oposição ia-se assumindo lentamente, começando pelo estalar da luta armada, até se aperceber que o conflito estava a durar tempo demais. Em
1961, o nº 8 da
Tribuna Militar tinha como título, "
Ponhamos fim à guerra de Angola". Os seus autores estavam ligados às
Juntas de Acção Patriótica (JAP), apoiantes de Humberto Delgado, responsáveis pelo ataque ao
quartel de Beja. A
Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), criada em Dezembro de
1962, contrapunha as posições conciliadoras. O sentimento oficial do estado português, contudo, mantinha-se: Portugal possuía direitos inalienáveis e legítimos sobre as colónias e era isso que era transmitido pelos meios de comunição e pela propaganda estatal.
Em Abril de
1964, o Directório de Acção Democrata-Social reivindicava uma resolução política e não militar. Em sintonia com esta iniciativa, em
1966,
Mário Soares sugeria a preparação de um referendo sobre a política ultramarina a seguir por Portugal, e que deveria ser precedido por um debate nacional a realizar durante seis meses.
Nem a morte de
Salazar fez com que o panorama político se alterasse. Só com as
eleições legislativas de 1969 se viria a verificar uma radicalização da atitude política, nomeadamente entre as camadas mais jovens, que mais se sentiam vitimizadas pela continuação da guerra. As
universidades desempenharam um papel fundamental na difusão deste posicionamento. Surgem, assim, as publicações
Cadernos Circunstância,
Cadernos Necessários,
Tempo e Modo, e
Polémica. É neste ambiente que a
Acção Revolucionária Armada (ARA) e as
Brigadas Revolucionárias (BR) se revelam como uma importante forma de resistência contra o sistema colonial português, dirigindo os seus ataques, principalmente, contra o Exército.
A ARA, vinculada ao PCP, iniciou as suas acções militares em Outubro de
1970, mantendo-as até Agosto de
1972. Destacam-se o ataque à
Base Aérea de Tancos contra equipamento da Força Aérea, a
8 de Março de
1971, e o atentado contra as instalações do quartel-general do Comiberlant, em
Oeiras, em Outubro do mesmo ano. As BR, por sua vez, iniciaram as acções armadas a
7 de Novembro de
1971, com a sabotagem da base da
NATO de
Pinhal de Ameiro, verificando-se a última a
9 de Abril de
1974, contra o navio
Niassa que se preparava para zarpar de Lisboa transportando tropas para a Guiné. As BR chegaram, inclusive, a agir nas colónias, colocando uma bomba no Comando Militar de Bissau, a
22 de Fevereiro de
1974.
Também o alinhamento dos sectores da finança e negócios, classes médias e movimentos operários constituiu um importante ponto de inflexão na contestação à política do regime, em
1973. Apresentavam-se, agora, concordantes quanto à independência das colónias, poucos meses antes do
25 de Abril.
A instrução dos quadros e tropas das forças portuguesas, por normalização da estrutura da
NATO, concebeu a publicação de um conjunto de manuais intitulados "
O Exército na Guerra Subversiva" que serviriam de suporte para a organização das tropas durante a Guerra. Introduziam também a necessidade da
guerra psicológica que se revelaria como uma frente de combate sólida para Portugal. Com efeito, a "conquista das populações" foi aplicada a níveis tácticos e estratégicos com sucesso, exceptuando as dificuldades no início e fim da guerra.
Também se revelou fundamental a especialização de grupos armados, como os
Comandos, único corpo organizado especificamente para esta guerra — desmantelado pouco tempo depois de esta terminar — e adaptação dos
Fuzileiros e
pára-quedistas. Quanto às unidades recrutadas no próprio teatro de operações, as tropas especiais africanas, os TE,
GE e GEP,
Flechas e fuzileiros foram adaptadas às técnicas de combate específicas deste tipo de cenário (
guerrilha) e terreno. Porém, a quase sempre deficiente instrução dos efectivos implicaria uma crescente degradação da sua eficácia, a par com o cansaço e esvaziamento dos quadros permanentes.
Com o
embargo internacional à venda de armas a Portugal, as forças armadas viram-se, a partir dos
anos 70, ultrapassadas tecnologicamente pelos movimentos de libertação, o que foi especialmente notório na
Guiné-Bissau. O déficit seria provisoriamente suportado pela supremacia aérea, até à introdução dos
mísseis anti-aéreos por parte dos guerrilheiros.
Em
Angola, a sublevação da ZSN foi efectuada pela
União das Populações de Angola (UPA) — que passou a designar-se como
Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) em 1962. A
4 de Fevereiro de
1961, o
Movimento Popular de Libertação de Angola reivindicou o ataque à cadeia de Luanda, onde foram mortos sete polícias. A
15 de Março de
1961, a UPA, num ataque tribal, deu origem a um massacre de populações brancas e trabalhadores negros naturais de outras regiões de Angola. Esta região seria reocupada mediante operações militares de grande envergadura que, porém, não conseguiram conter o alastramento das acções de
guerrilha a outras regiões de Angola, como
Cabinda, o Leste, o Sudeste e planalto central. Ao MPLA, que desempenhou um papel fundamental, há a acrescentar, a partir de 1966, a acção da
União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA).
Com motivações essencialmente tribais, e dirigidos de forma autocrática por
Holden Roberto, a actividade da UPA caracterizou-se pela guerrilha rural, realizada por pequenos grupos armados, e pelo massacre de populações, como já se previa na sua primeira acção. Com
catanas e algumas
espingardas, os
canhangulos, procuravam apoderar-se das armas das fazendas e postos administrativos atacados. Não manifestaram interesse em consolidar o domínio territorial, conseguido nos primeiros dias, nem foi apresentado qualquer programa político.
Em Angola, os efectivos militares contavam, no início de 1961, com 5000 mililitares africanos e 1500 metropolitanos, organizados em dois regimentos de
infantaria — um em
Luanda e outro em
Nova Lisboa — cada um com dois batalhões de instrução e outro de atiradores) e um grupo de
cavalaria, sediado em
Silva Porto. A densidade média era, portanto, de um soldado para cada 30
km2. Imediatamente disponíveis para acorrer à zona afectada estavam apenas mil soldados europeus e 1200 africanos.
Na
Guiné, os confrontos foram iniciados, em Janeiro de
1963, pelo
Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), sob a forma de
guerrilha, com um ataque ao quartel de
Tite, a Sul de
Bissau, junto ao
rio Corubal, embora haja registo de acções anteriores. Este movimento rapidamente se estendeu a quase todo o território, crescendo continuamente de intensidade, e exigindo um empenhamento proporcional por parte dos portugueses.
A
guerra na Guiné colocou frente a frente dois homens de forte personalidade:
Amílcar Cabral e
António de Spínola, responsáveis pela modelação do teatro de operações na Guiné. Em
1965 dá-se o alastramento da guerra ao Leste (
Pirada,
Canquelifá,
Beli). Nesse mesmo ano, o PAIGC realizou missões no Norte, na região de
São Domingos, onde, até ao momento, apenas actuava a
FLING, que se via a braços na luta, depois da
OUA ter canalizado o seu apoio para o
PAIGC. Este, em sequência da sua crescente afirmação internacional, viria a receber apoio militar
cubano, que duraria até ao final da guerra.
Pode-se dizer que as forças portuguesas desempenharam, na Guiné, uma força defensiva, mais de manutenção das posições que propriamente de conquista das populações, limitando-se, de uma forma geral, a conter as acções do PAIGC. Por isso, esta época inflingiu um grande desgaste para os portugueses, constantemente surpreendidos pelos guerrilheiros e pela influência destes junto da população que, entretanto, era recrutada para o movimento.
Com as decisões de
António de Spínola, as forças portuguesas ganhavam um carácter mais ofensivo. Entre
1968 e
1972, sob o comando deste general, conseguiriam manter a situação sob controlo e, por vezes, levar a cabo acções de confirmação das posições estratégicas. Mais: agora lutava-se
subversivamente, utilizando a
manipulação propagandística que iria afectar os níveis mais altos da hierarquia do PAIGC. Porém, a situação pendeu rapidamente para o lado do PAIGC que, não obstante o assassínio de Amílcar Cabral, não diminuiu a actividade operacional.
Em Março, o aparecimento dos
mísseis anti-aéreos obrigaria as tropas portuguesas a reavaliarem o esforço de guerra. Durante algum tempo, o suporte aéreo ficou, assim, indisponível, o que teve graves repercussões nas tropas, mesmo a nível psicológico.
Em
Moçambique, o movimento de libertação, denominado
Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), efectuou a sua primeira acção nos dias
24 e
25 de Setembro de
1964, num ataque a
Chai, na
província de
Cabo Delgado, estendendo-se posteriormente ao
Niassa,
Tete e para o centro do território. Porém, um relatório do Batalhão de Caçadores 558 refere acções violentas a
21 de Agosto de
1964, na região de
Cabo Delgado, como indica o relatório do Batalhão de Caçadores 558. O mesmo relatório refere que, três dias depois, um padre da Missão de
Nangololo tinha sido ferido mortalmente. Estas acções foram atribuídas a grupos de guerrilheiros
MANU e da
UDENAMO.
A
16 de Novembro do mesmo ano, as tropas portuguesas sofriam as primeiras baixas no Norte de Moçambique, região de
Xilama. A organização e armamento dos guerrilheiros evoluía rapidamente. Também o acidentado terreno, a baixa densidade das forças portuguesas e a fraca presença de colonos facilitaram a acção da Frelimo, que alargava a sua acção para Sul, na direcção de
Meponda e
Mandimba, mostrando intenção de ligar-se a
Tete, atravessando o
Malawi, que apoiou, nos primeiros anos, o trânsito e refúgio de guerrilheiros.
Até
1967, a FRELIMO mostrou-se menos interessada pela região de Tete, exercendo o seu esforço nos dois distritos do Norte, onde a utilização de
minas terrestres se destacou de forma particular. No
Niassa, a intenção da FRELIMO era simultaneamente criar uma
zona livre, e uma zona de passagem para Sul, em direcção à
ZambéziaJá em Abril de
1970, a actividade militar da Frelimo aumentou de forma significativa, devido à presença de
Samora Machel em Cabo Delgado, onde apresentaria os planos de ofensivas a executar em Junho e Julho.
Até
1973/
74, as atenções viravam-se para
Cabora Bassa. Os últimos tempos de guerra caracterizaram-se pelo avanço da FRELIMO para Sul, registando acções na zona de
Chimoio e agitação das populações de origem europeia. O general
Kaúlza de Arriaga disponibilizava-se para continuar o comando, mas impunha condições que o Governo de Lisboa não aceitou. Terminada a sua comissão em Agosto de 1973, foi substituído pelo general
Basto Machado. A situação continuaria a deteriorar-se até aos designados "
acontecimentos da Beira", em Janeiro de
1974, quando as populações brancas de
Vila Pery e da
Beira se manifestaram contra a incapacidade das forças portuguesas de suster a situação, já esgotada de efectivos e sem possibilidade do reforço dos meios de combate.
Formalmente constituída em
Adis Abeba em Maio de
1963, a
Organização de Unidade Africana (OUA) assentava sobre algumas das bases de cooperação africana estabelecidas pela
Conferência de Lagos tanto a nível geral como regional, com a missão de reforçar a unidade e solidariedade dos estados africanos, defender a sua integridade territorial e autonomia, e eliminar, sob todas as formas, o
colonialismo em África. Este último tornar-se-ia o principal objectivo da organização, mediante intervenções perante o
Conselho de Segurança da
ONU, como no caso da reunião urgente deste Conselho para a avaliação da conduta portuguesa para com as colónias africanas.
A OUA estabeleceu um Comité de Ajuda aos Movimentos de Libertação, com sede em
Dar-es-Salam, onde integrava representantes da
Etiópia,
Argélia,
Uganda,
Egipto,
Tanzânia,
Zaire,
Guiné-Conacri,
Senegal e
Nigéria. Esta ajuda distribuía-se pela criação de infrastruturas, treino militar e na compra de
armamento.
Relativamente à questão colonial portuguesa, a OUA desencadeou acções no sentido do reconhecimento do
Governo Revolucionário de Angola no Exílio (GRAE), formado pela
FNLA e
Holden Roberto, em
1964. Este apoio foi, contudo, transferido para o movimento
MPLA de
Agostinho Neto, a partir de
1967, em detrimento do primeiro, para, em Novembro de
1972, novamente serem reconhecidos ambos os movimentos, tendo em vista a sua união. A legitimação da
UNITA como organização anticolonialista pela OUA só se viria a verificar nas vésperas do
Acordo de Alvor (1974). Em
1964, a OUA reconheceu o
PAIGC como o legítimo representante da
Guiné-Bissau e
Cabo Verde, bem como a
Frelimo para
Moçambique, em
1965.
O
25 de Abril de 1974, planeado e executado por militares dos três ramos das
Forças Armadas Portuguesas, uma nova geração de oficiais de baixa e média patente, formada e criada na guerra, que aprendera a agir com autonomia, levantaria, sob a direcção do
MFA, um período revolucionário que transformaria radicalmente o Estado e a sociedade. Embora inúmeros factores tenham contribuído para a revolução, a Guerra Colonial foi, desde sempre, apontada como a principal justificação para a queda irrevogável do Estado Novo em Portugal.
O Programa do MFA, da responsabilidade da sua Comissão Coordenadora apresentava, de forma inequívoca, a vontade de possibilitar a independência das colónias. Porém, a remoção desta alínea, negociada durante a noite de 25 para 26 de Abril, levantaria ainda alguns equívocos a respeito, que só seriam esclarecidos pela Lei 7/74 de
27 de Julho. Esta medida levantaria grande parte da cortina que separava o Estado Português de conseguir negociações com os movimentos de libertação. Dava-se assim início ao processo de
descolonização.
Porém, a ambiguidade das primeiras posições relativas à nova política colonial gerou situações duvidosas que não puderam ser ultrapassadas sem graves desentendimentos. Cada redefinição do processo representava uma dura luta entre
António de Spínola e a Comissão Coordenadora do Programa do MFA. Os dois projectos apresentados para essa nova política diferiam, sobretudo, nas questões ligadas com as futuras relações de Portugal com as colónias; mesmo os pontos concordantes seriam rapidamente submetidos perante a prova prática da realidade, o que exigiu, na maioria das vezes, a sua revisão. Assim, com o esclarecimento pela Lei 7/74, e posterior comunicado conjunto
Portugal-
ONU, publicado a
4 de Agosto, eram levantadas as últimas dúvidas, dando início à fase definitiva da descolonização.
Iniciaram-se as negociações com o
PAIGC e com a
Frelimo, que levaram à assinatura de protocolos de acordo. Em
Argel, a
26 de Agosto ficava concluído o processo entre Portugal e o PAIGC, em que a ex-colónia era reconhecida como estado soberano, sob o nome de «
República da Guiné-Bissau». O último contingente militar regressou da Guiné em
15 de Outubro.
Relativamente a
Moçambique, seria assinado a
7 de Setembro, em
Lusaka,
um acordo conducente à
independência moçambicana. Contudo, grupos organizados, num movimento contrário ao acordo, assaltaram as instalações da
Rádio Clube de Moçambique, em
Lourenço Marques e outras cidades, e seus emissores regionais, sugerindo a intervenção da
África do Sul. Esta tentativa destabilizadora do processo de paz viria a fracassar, sob a acção das Forças Armadas Portuguesas.
Quanto a
Cabo Verde, o acordo entre Portugal e o PAIGC já estabelecia o princípio do acesso deste arquipélago à autodeterminação e independência. Em
17 de Dezembro seria publicado o
Estatuto Constitucional de Cabo Verde, prevendo eleições por
sufrágio directo e universal, a
30 de Junho de
1975. A assembleia instituída a partir daí proclamou a independência do território a
5 de Julho de
1975.
Quanto a Angola, a aproximação dos três movimentos de libertação constituía uma dificuldade para o governo português. Com efeito, pairava a possibilidade do alargamento de um confronto entre os países ocidentais, a África do Sul e a
União Soviética. Spínola reunir-se-ia ainda com
Mobutu, com alguma continuidade, mas viria a demitir-se do cargo a
30 de Setembro. Com
Costa Gomes na
Presidência da República Portuguesa, desenvolveram-se conversações dirigidas especificamente a cada um dos movimentos. Inicialmente, com a
FNLA, posteriormente com o
MPLA. Porém, as várias tentativas de restabelecer a paz em Angola e minimizar o impacto da descolonização seriam deitadas por terra rapidamente. A
guerra civil arruinou a serenidade deste processo, agravando a situação interna, com milhares de vítimas e a fuga dos portugueses.
Também em
Timor-Leste se verificou um período dramático, já que as autoridades portuguesas não tinham como dispor de capacidade para normalizar os conflitos, acabando a
Indonésia por invadir a ilha.
Em suma, as condições oferecidas pelo novo regime para a descolonização, reconfigurou a situação no continente africano, com a criação de novos países independentes em busca dos seus próprios rumos e afirmação nacional, o que iria contribuir para o desmantelamento do
Apartheid na
África do Sul.
O
Orçamento e as contas do Estado Português, ao longo das décadas de
1960 e
seguinte reflectiram claramente o esforço financeiro exigido ao país durante a guerra. Obviamente, as despesas com a Defesa Nacional sofreram crescentes aumentos a partir de
1961, com o despoletar dos sucessivos conflitos em
África. Estas despesas com as Forças Armadas classificavam-se, para efeito orçamental, como
ordinárias (DO), de carácter normal e permanente, e
extraordinárias (DE), respeitantes à defesa da ordem pública em circunstâncias excepcionais. A parcela mais importante das DE, os gastos com as províncias ultramarinas, inscrevia-se no Orçamento, na rubrica
Forças Militares Extraordinárias no Ultramar (OFMEU). É interessante verificar que as despesas totais do Estado sofrem incremento acentuado a partir de
1967/
68, coincidindo com a subida ao poder de
Marcelo Caetano.
As dificuldades orçamentais encontradas pelas Forças Armadas Portuguesas levaram o Exército a estudar o custo mínimo para as forças em campanha (OFMEU), concluindo que o custo diário médio de um combatente era, em
1965, de 165
ESC para a Guiné, 115 ESC para Angola e 125 ESC para Moçambique. Por ano, equivalia, portanto, a cerca de 42000 ESC, de onde se derivou a fórmula V = 42n (sendo
n o número de homens).
O regime aproveitou a data quase esquecida do
10 de Junho, que detinha uma conotação como o
Dia da Raça, entretanto desactualizada, para transformá-la num grande evento de apoio à política colonial, sob pretexto de homenagear os heróis que a suportavam na frente de combate. O dia 10 de Junho passaria, assim, a carregar consigo uma identificação próxima com a defesa do regime e das colónias, enquanto as Forças Armadas eram chamadas para a demonstração do poderio militar português.
A primeira das celebrações realizou-se em
1963, no
Terreiro do Paço, em
Lisboa, para condecorar combatentes. Este modelo seguir-se-ia, com ligeiras alterações, até
1973: formatura geral dos três ramos das Forças Armadas, dispondo os alunos do
Colégio Militar e do
Instituto Militar dos Pupilos do Exército, seguidos dos cadetes da
Escola Naval e da
Academia Militar. Segundo o
Diário de Notícias, edição de
12 de Junho desse primeiro ano, «
quatro mil homens descansavam as mãos nas armas de guerra. Em volta, uma multidão silenciosa. A memória dos combatentes do Ultramar impunha respeito».
As cerimónias de condecoração de militares no 10 de Junho celebravam-se também nas regiões militares metropolitanas, no
Porto,
Tomar,
Évora,
Funchal e
Ponta Delgada, presididas pelos respectivos comandantes, bem como nas capitais dos teatros de operações,
Bissau,
Luanda e
Lourenço Marques, presididas pelos respectivos governadores.
No
cinema português, a Guerra do Ultramar, ao contrário do verificado em outros períodos marcados pelas circunstâncias político-militares, não teve uma incidência directa, quer em actualidades, quer em reportagens, por dois motivos principais: a influência da
censura e a posterior importância da
televisão. Em contrapartida, o documentarismo mereceu um expressivo incremento nos países africanos envolvidos, especialmente
Angola e
Moçambique. Por outro lado, a Guerra Colonial reflectiu-se, desde meados da
década de 1960, na área ficcional da cinematografia lusitana, explorando sobretudo os conflitos individuais. Destacam-se, a título de exemplo, um documentário longo, em 70 mm, produzido pelo Serviço de Informação Pública das
Forças Armadas,
Angola na Guerra e no Progresso (1971,
Quirino Simões), baseado em
Aquelas Longas Horas, de
Manuel Barão da Cunha, com uma síntese dos acontecimentos de
1961 e a subversão do Leste a partir de
1967.
Após o
25 de Abril de 1974 e o levantamento da censura política, a produção cinematográfica alterava substancialmente o teor das produções, agora mais voltado para a exposição do pós-guerra. Produzido para a
RTP,
Adeus, até ao Meu Regresso (1974,
António-Pedro Vasconcelos) narrava alguns casos significativos entre os milhares de soldados que combatiam na Guiné, a propósito das mensagens de
Natal para as famílias; Incompleto ficou
O Último Soldado (1979, Jorge Alves da Silva), sobre as dificuldades de readaptação
conjugal e social de um oficial
pára-quedista (João Perry) de regresso a Portugal;
La Vitta e Bella (1979,
Grigori Tchoukrai), uma co-produção
luso-
ítalo-
soviética, filmada em
Lisboa, sobre um
taxista, ex-aviador militar que, durante a guerra de Angola, recusara abrir fogo e afundar um barco com mulheres e crianças; em
Actos dos Feitos da Guiné (1980),
Fernando Matos Silva, argumento com
Margarida Gouveia Fernandes, encena, em forma de
teatro de crítica, a relação histórica do
colonialismo português e seus heróis, com excertos filmados na Guiné, em
1969-
70;
A Culpa (1980,
António Vitorino d'Almeida), narra a obsessão de um ex-combatente da guerra da Guiné (Sinde Filipe); Em
Gestos & Fragmentos - Ensaios sobre os Militares e o Poder (1982,
Alberto Seixas Santos),
Otelo Saraiva de Carvalho descreve o percurso, seu e dos seus camaradas do
Movimento dos Capitães, que levou o país da Guerra Colonial ao
golpe de estado do 25 de Abril;
Um Adeus Português (1985),
João Botelho e
Leonor Pinhão evocam um incidente com uma patrulha que se perde no mato, com a morte de um furriel;
Era Uma Vez um Alferes (1987,
Luís Filipe Rocha), sobre a obra de
Mário de Carvalho, produzido para a
RTP, reconstitui um episódio em África, em que um alferes português pisa uma
mina, que rebentará quando ele levantar o pé;
Non ou a Vã Glória de Mandar (1990,
Manoel de Oliveira), uma reflexão sobre a identidade da pátria por parte de alguns soldados, no final da Guerra, pouco antes do 25 de Abril, ilustrada desde o início de Portugal como nação independente.
Ao contrário da repercussão literária portuguesa em outras ocasiões belicistas, a Guerra Colonial contribuiu significativamente para a produção portuguesa. Com cerca de 60 romances em que é tema, e outros 200 em que é subtema, a literatura sobre os acontecimentos formam a única corrente de fundo centrada sobre a guerra. Também aqui, a dualidade do suporte
versus oposição ao
império só seria manifestada abertamente após a
Revolução dos Cravos. Com efeito, as produções tenderam a dramatizar
a culpa e assumiram um carácter anti-heróico, anti-militarista e auto-punitivo, como é o caso de
Jornada de África de
Manuel Alegre, em oposição à produção literária dos africanos lusófonos relativa à sua guerra de libertação. Entre as excepções a estas obras contam-se:
A Vida Verdadeira de Domingos Xavier ou
Nós, os do Maculusu, de
José Luandino Vieira,
As Lágrimas e o Vento, de
Manuel dos Santos Lima,
Mayombe, de Pepetela (todos romances angolanos),
Angola, Angolé, Angolema, de Arlindo Barbeitos, os sete contos compilados em
Nós Matámos o Cão Tinhoso, do moçambicano
Luís Bernardo Honwana. Um exemplo marcante da literatura imparcial portuguesa foi a obra de
António Lobo Antunes, em
Os Cus de Judas ou em
Fado Alexandrino.
Noutro contexto, a literatura técnica sobre a arte militar conheceu também importantes publicações sobre a experiência de combate por parte de
fuzileiros,
comandos, desertores e elementos dos corpos auxiliares.