Pela primeira vez na história, Portugal ganha um ouro fora do atletismo. A glória é de Iúri Leitão e Rui Oliveira, capazes de realizar uma prova épica, no limite, obtendo um título olímpico que perdurará na eternidade do desporto nacional.
Vão fazer-se documentários sobre esta tarde. Estes rapazes vão-se tornar heróis. Iúri Leitão, em 48 horas, tornou-se um ídolo do olimpismo português.
De Los Angeles a Saint-Quentin-en-Yvelines. De Carlos Lopes a Iúri Leitão e Rui Oliveira. O roteiro dourado de Portugal será qualquer coisa assim.
Tinha de ser assim. No país da falta de apoio, do improviso no desporto, tinha de ser o ciclismo de pista a mandar esta mensagem. Em 2009 havia nada. Criou-se Sangalhos, apostou-se numa geração de corredores. Os resultados, mesmo com menos meios que os outros, estão à vista.
Gabriel Mendes, o selecionador nacional, o ideólogo de tudo isto, passou a prova na lateral da pista, parecendo calma e sereno. Eles tinham um plano. Um plano dourado.
A celebração foi eufórica, caótica, épica, a tradução daquelas últimas voltas. Madison, ciclismo de pista. O olimpismo nacional veio aqui buscar um ouro inédito fora do atletismo.
O Madison deve o seu nome ao famoso Madison Squadre Garden. No conhecido recinto nova-iorquino disputaram-se, entre 1899 e 1961, os seis dias de Nova Iorque, uma competição de ciclismo onde se correu, pela primeira vez, esta disciplina. Devido a esta origem, o Madison é conhecido como course à l’Américaine em França ou Americana em Espanha.
Esta é uma corrida de regras simples, mas de mecânica complexa. Há 15 equipas de dois corredores cada, só estando um deles a competir em cada momento. Os ciclistas vão-se revezando, dando as mãos e lançando o companheiro, numa espécie de estafeta em cima de bicicletas.
Durante 200 voltas (50 quilómetros), há 20 sprints pontuáveis, com o último deles a ter pontos a dobrar. Tal como no Omnium, dar uma volta de avanço vale 20 pontos, um ouro precioso nestas contas.
Ver estes voadores ciclistas em bicicletas sem travões a passarem estas estafetas é caótico, um jogo de perícia e destreza em cima de duas rodas, com pouca margem para erro entre a velocidade elevada, a impossibilidade de travar e a confusão entre o ciclista de cada equipa que está a competir e o que está a descansar. O descanso é, basicamente, deixar-se ir, porque, lá está, aqui não se trava.
O primeiro ataque de Portugal deu-se antes do quarto sprint. Iuri Leitão acelerou, Rui Oliveira confirmou as suas belas capacidades a rolar e impor ritmos altos e aumentou a margem. Chegou a parecer que os portugueses dariam uma volta de avanço, mas ficaram-se pelos 5 pontos da vitória no sprint. Na disputa por pontos seguintes, voltou a haver destaque nacional, com 3 pontos somados pela vice-liderança desse sprint.
Após a ofensiva, Portugal passou cerca de 100 voltas gerindo forças. Foi caindo posições, indo até ao 11.º lugar. Poderia haver motivos para pensar que, nas derradeiras voltas, o melhor a atingir seria um diploma. Mas não. Tinha de ser de outra forma.
Tinha de ser in extremis. Um ataque vigoroso. Vantagem ganha. Sprints vencidos
Eles foram subindo, mas não se contentaram com isso. Aceleraram e aceleraram, fazendo a sua estafeta, abrindo caminho um para o outro. Não era ciclismo, era dança, era baile, era uma fuga para a vitória.
A fuga deu uma volta de avanço ao grupo principal a 10 voltas do fim. Passaram para primeiro. Os portugueses no Velódromo aguentaram a respiração. Eles não pararam. Não iam parar, o último sprint valia a dobrar. O plano tático, genial e brilhante, foi concluído vencendo o derradeiro sprint, um glorioso atravessar da meta de Iúri Leitão.
Madison. Sabe o que é? Não importa. Rui Oliveira e Iúri Leitão explicam que há aqui força, inteligência, tática, talento. Planeamento.
As bicicletas podem mudar o mundo. Em 48 horas nos arredores de Paris, mudaram a história olímpica de Portugal. Tinha de ser assim, em dupla, em equipa, no caos, no brilhantismo. Em cima de duas rodas, no mais bonito, saudável e ecológico meio de transporte que existe.» in https://tribuna.expresso.pt/jogos-olimpicos-de-paris-2024/2024-08-10-a-estafeta-de-iuri-e-oliveira-catapulta-o-ciclismo-de-pista-portugal-ganha-medalha-de-ouro-no-madison-bb0b4f00
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