Maria Roseta Ferreira viveu 12 anos com Paco Bandeira, até 2009, quando apresentou queixa por violência doméstica. Numa entrevista exclusiva ao SOL, conta como foi viver com medo e ter uma arma apontada à cabeça. E explica por que demorou tanto a sair de casa.
Não esconde a emoção quando recorda as cenas mais dramáticas da relação com o cantor Paco Bandeira. Na casa para onde se mudou e refez a vida, a assistente social dos serviços prisionais tenta esquecer o passado. Revela que continua a olhar para trás e a «tomar precauções especiais», com medo de sofrer represálias por ter tornado público o caso de violência doméstica. É um testemunho pouco habitual, que quebra o tabu sobre este crime no universo dos famosos.
Como conheceu Paco Bandeira?
Fui militante do PS desde os 18 anos e era da Comissão Nacional da Juventude do distrito da Guarda. Conheci o Paco numa campanha quando ele foi tocar na Guarda. Foi um conhecer muito superficial. Eu tinha uns 18 anos.
Quando é que se reencontraram?
Em 1996. Estava a trabalhar no Estabelecimento Prisional de Coimbra e a organizar uma festa de Natal. Coincidiu estar ao telefone com a minha irmã e ela dizer-me: ‘Sabes quem é que tenho aqui? É o Paco’. Ela trabalhava no gabinete do Dr. Almeida Santos. Perguntei-lhe se ele queria vir a Coimbra tocar. E ele disse logo que sim.
E como foi a aproximação?
O meu director convidou-o a ele e a nós, aos técnicos, para jantar na Mealhada. Ele foi. E, durante o jantar, o director perguntou se ele não queria vir no dia seguinte actuar noutra festa, da cadeia regional. Ele disse que sim e foi. Eu nesse fim-de-semana vinha a Lisboa porque tinha uma reunião da Juventude Socialista e ele deu-me boleia.
E começaram a aproximar-se…
Começámos a conversar. Ele nessa altura estava muito deprimido porque tinha falecido a esposa há pouco tempo.
Houve logo algum indício de comportamentos violentos ou ciúmes?
Há uma fase de enamoramento em que não se repara nessas coisas. Conheci o Paco numa fase muito complicada e não se distinguia bem o que era o comportamento dele e o que era o sofrimento. Fui quase terapeuta dele.
Por que diz isso?
Porque ele tinha uma relação um bocado ambivalente em relação ao drama.
Porquê?
Aquilo era uma coisa muito complicada, com as filhas à mistura, a venderem informações à mãe [sobre relações extraconjugais do pai]. Tudo muito perverso.
Quando Paco Bandeira falava sobre a morte da mulher, o que contava?
Ele nunca me contou pormenores. Ele vivia num drama. O mais concreto que há é uma grande cumplicidade entre ele e as filhas. Eles vão viver unidos e morrer unidos. E ali vale tudo. Aquilo era tão estranho… parecia que me tinham posto num filme trágico e eu nada tinha que ver com a tragédia. Mas era comigo que faziam a catarse toda. Todos os ódios, os desesperos, os sentimentos de culpa que sentem uns pelos outros projetavam-nos sobre mim, culpavam-me. Quando comecei a namorar com o Paco, a Conceição, filha dele, deu uma conferência de imprensa a culpar o pai pela morte da mãe. Mas eu não liguei nada na altura.
Como era a sua relação com a família?
Ia sempre ao monte [no Alentejo] ter com o Paco, porque ele gostava muito de lá estar. E não houve nenhum fim-de-semana em que não estivéssemos juntos, nos dois primeiros anos do namoro. As duas filhas, nessa altura, nem sequer autorizavam os netos a estar com o avô. Mas quando começaram a ver que a nossa relação era uma coisa séria e assumida e que o Paco quis à força que saíssemos na imprensa, porque era bom para ele depois de tudo o que se tinha passado… Elas começaram a pôr lá o neto a dormir para ver o que é que se passava. Porque elas não faziam nada na vida. Quem as sustentava era o pai.
Temiam que se aproveitasse do pai?
Tinham medo que eu viesse roubar algum quinhão. E eu que fui sempre economicamente independente e nunca vivi à custa de nenhum homem. Tanto que vendi o meu apartamento em Coimbra e decidi comprar em Oeiras com ele. Eu vivia em Sintra com ele, mas quando nasceu a minha filha, a Constança, decidi que não podia ficar naquela casa, que tinha tantas marcas. O quarto onde dormia era onde tinha acontecido a morte da primeira mulher. Ainda por cima, o cemitério era quase em frente. E aquilo era um bocado tétrico. Era perturbador.
Então, apercebeu-se desses problemas todos logo no início da relação?
Sim. De tudo.
Ele batia nas filhas mais velhas?
Sim. E antigamente parece que batia muito. E as próprias filhas dizem que ele chegava a dar tiros para o teto dentro de casa.
Desvalorizava essas coisas que ouvia?
Pensei que fosse trauma dele, porque o suicídio ou o homicídio nunca foi uma palavra aplicada por ninguém. Nem uma coisa nem outra. Falava-se na morte. Embora a filha Conceição sempre me tenha dito que tem em casa dela provas de como o pai matou a mãe. Mas isso também eu disse em tribunal e ela continua a negar tudo. Ela em nome do pai e do dinheiro, nega tudo. É vergonhoso. Também mentiu ao dizer em tribunal que o pai chegava tarde a casa e que eu lhe ligava às tantas da manhã a queixar-me de que ele não queria nada comigo na cama. Como se isso fosse possível!
O Paco era-lhe infiel?
Quando a minha filha nasceu, ele tinha um restaurante em Entrecampos, chamado Entre Cantos, com a Margarida Bessa. Sei que ele desfez a sociedade e pôs lá uma rapariga, que era com quem ele andava. A minha filha estava a nascer, na semana de Carnaval, e ele estava com ela no Luxemburgo.
Ele não assistiu ao parto da sua filha?
Ela nasceu no dia 14, dia de São Valentim. Eu tinha a epidural marcada, mas foi preciso fazer o parto antes. O Paco veio para Coimbra com a minha irmã, que estava em Lisboa. Tive a Constança à meia-noite menos um quarto e lá estavam todos. Ao outro dia foi lá ao quarto. E depois foi embora passar a semana toda ao Luxemburgo com a namorada. Ele apresentava-a como namorada. Aliás, a ex-mulher do Armando Vara contava-me isso. Claro que só soube passado uns meses.
Então, não demorou assim tanto tempo a haver problemas. Foi desvalorizando?
As mulheres não são parvas. Tanto que eu exigi, quando cheguei a Lisboa, comprar a minha casa. A minha filosofia na vida é a de que ninguém é obrigado a viver com ninguém. E, contrariamente ao que ele diz, nunca ele me pediu para a Constança não nascer. Nunca.
Mas o Paco conta isso no processo…
Isso nunca aconteceu. Comuniquei-lhe de Coimbra para Lisboa que estava grávida e ele ficou em silêncio. Nós tínhamos dois anos e tal de namoro e eu tinha tido um aborto no início do nosso relacionamento…
Porque ele quis que abortasse?
Não. Porque eu achava que o conhecia há pouco tempo e não era digno. Ele nunca me pressionou. Nunca. Aliás, o Paco não desejava ter filhos. Ele tem problemas e um passado tão terrível com as duas filhas, a vários níveis, que compreendo perfeitamente que ele não quisesse mais filhos.
Porque é que o Paco diz que a pressionou para abortar?
Ele vende essa história para se fazer de vítima. Ele sempre disse que não queria mais filhos. Mas nunca me disse para abortar. Aliás, ele também sabia que não o faria. Ele é mentiroso compulsivo. Já não sabe distinguir o que é mentira do que é verdade. Na filosofia de vida dele é tudo muito diluído. Os marginais são polícias, os ladrões podem não ser marginais.
Começou, a dada altura, a convencer-se de que ele tinha problemas psiquiátricos?
Ele dava sinais que eu nos primeiros dois anos associava a um trauma pela morte da mulher.
Que sinais eram esses?
Ele é muito imprevisível. É um sedutor nato e um conversador fabuloso, as pessoas adoram estar com ele porque ele cria uma boa disposição a toda a gente. Mas, por exemplo, estamos aqui muito bem, as pessoas saem e de repente dá-se um volte-face. Enquanto ele convive com as pessoas o cérebro dele começa a magicar, com delírios.
A cena depois do batizado da sua filha, quando ele a acusou de flirtar com o padre, foi um desses momentos?
Foi marcante por ser um padre. É a mesma coisa que me dizerem que eu estava a olhar para o meu pai. Agora, quantos almoços houve em que isso se passou… porque nós tínhamos sempre no monte pessoas amigas dele e tudo corria maravilhosamente. Depois de as pessoas se irem embora, ele chegava ao pé de mim e chamava-me tudo e acusava-me dizendo o nome do homem para quem ele achava que eu tinha estado a olhar. Quando eu às vezes nem sabia o nome da pessoa, porque eram amigos dele. Eram guerras incríveis. E claro que quem se ia embora nunca sonhou o que se passava. Só os caseiros é que se apercebiam. Porque o desespero era tão grande que ele pegava nos caseiros e vinha para Lisboa, chegava a casa, e levava a cama para a quinta de Sintra ou levava quadros…
Mas levava porquê?
Levava com os delírios de ciúmes. Há ali um distúrbio de personalidade. Ele mesmo diz que mais ou menos uma vez por mês começa a sentir picadas no cérebro, porque sempre sofreu de epilepsia.
E depois dessas cenas de ciúmes, como é que voltava para casa?
Ele ia para Sintra, levava para lá a cama e ficava quase acampado, porque a casa estava praticamente abandonada. Passado uns dias, aparecia como um adolescente, como se nada tivesse sido, a pedir desculpa. Começava por ir para o sofá e, aos poucos e poucos, ia-se aproximando.
A atitude que ele tinha mais era afastar-se?
Acho que o que o continha mais era a minha profissão. Ele vivia ali numa dualidade por eu trabalhar nos serviços prisionais e estar cercada de gente que, se sabia que ele me fazia alguma, não o deixava ficar impune. E não ficava de certeza. Ele tinha algum respeito por mim a esse nível.
Mas chegou a apontar-lhe uma arma por causa de uma peça de carne que desapareceu?
Sim. A carne não desapareceu: a carne foi roubada. As filhas conhecem bem o pai e começaram a cercar-nos. Eu, a Constança, a empregada e ele íamos passar fins-de-semana ao Monte e elas apareciam, para marcar terreno. E, quando apareciam, criavam um ambiente para me pôr em causa.
E foi isso que aconteceu nesse dia?
Sim. A Paula [filha] foi lá almoçar com as filhas nesse dia. E eu peguei numa peça de picanha inteira e pus numa travessa, a descongelar, na parte de trás da casa, que era campo. Não havia cão nenhum no Monte, que nós na altura não tínhamos cães. Elas chegaram e eu entrei em casa. Passado um bocado, saí e olhei para o chão e lá estava a travessa cheia de sangue mas sem carne. Perguntei pela carne à Paula e ela disse-me que algum cão a tinha levado. Mas eu já estava tão treinada de me fazerem a vida negra quando vinham que disse logo que era impossível, porque não havia uma gota de sangue no chão, apesar de a travessa estar cheia. Ela meteu a empregada e as filhas no carro e foram para Montemor. Eu entrei em casa e fui dizer ao Paco que a carne tinha desaparecido. Fui para a cozinha fazer um arroz de frango à pressa e pus tudo na mesa. Quando acabei, disse ao Paco para ligar à filha a dizer-lhe que viesse almoçar. Ele liga e ela diz-lhe que estava num restaurante. A única coisa que disse foi: ’Isto é um inferno’. E venho sentar-me no chão, com a minha filha. Passado segundos, vem ele de revólver na mão, com a arma apontada. Levanto-me a tentar digerir o que era aquilo. Ele só me disse: ‘É hoje que te mato’.
Como reagiu?
Fiquei sem forças. Nem sei como é que não deixei cair a minha filha, porque estava sem forças.
Mas não tinham discutido antes?
Não. Eu só me levantei e disse ‘Eu não acredito nisto. Leva a empregada, leva a carne, desaparece e põe-se a gozar com isto tudo’. E vim-me embora.
E ele não respondeu nada a esse desabafo?
Não. Não respondeu nada. Para ele, as filhas eram as vítimas. Se calhar pensou que eu fiz desaparecer a carne.
Mas não a acusou diretamente?
Não. Só disse: ‘É hoje que te mato’. E a única coisa de que me lembrei foi de usar uma técnica que é a de não olhar nos olhos de uma pessoa destas. Pus os olhos no chão e só dizia: ‘Paco, não me mates’. Em desespero, só repetia isto. E a Constança, agarrada ao meu pescoço, a dizer ‘Pai, não mata a mãe’. Aliás, esta frase foi repetida durante vários dias em pesadelos que a minha filha tinha.
Como acabou essa cena?
Ele veio a caminhar com o revólver apontado a mim e sempre a dizer que me ia matar. Eu estava com a minha filha do lado direito e ele vem por trás, cola-me o revólver na cabeça pela esquerda e tira-me a minha filha do colo à força. Fiquei ali petrificada. E ele foi a andar pelo Monte, sempre a recuar, com a arma apontada a mim e com a filha ao colo. Quando chegou a uma esquina e deixei de o ver, corri para dentro de casa. Entrei no escritório e liguei para o telemóvel da empregada e disse-lhe: ‘Graça, venha depressa, que ele vai matar-me’. Elas vieram e chegam ao Monte. A Paula pára o carro e senta-se no chão, com as mãos na cabeça.
Mas pediu ajuda a mais gente?
Entretanto, faço um telefonema para o Armando Vara e a mulher, que estavam a vir de Bragança. Sabia que o Armando tinha um grande ascendente sobre o Paco, porque éramos vizinhos no Monte e passávamos quase todos os fins-de-semana juntos. Pedi-lhe para ligar para o Paco. E ele disse: ‘Está descansada’. Entretanto, o Paco ligou para a minha irmã, para me tirar do Monte, a dizer que me matava, mas que a Constança não saía de lá. Mas a minha irmã disse-lhe: ‘Você toca na minha irmã e é um homem morto. Já teve sorte uma vez, mas desta vez não vai ter. Eu chamo já a Polícia e vai GNR vai tudo’. Entretanto, eu também liguei para a minha irmã e disse-lhe para não vir porque o Armando ia falar com ele e acalmá-lo. E eu não saía de casa sem a minha filha.
A sua irmã chegou a chamar a Polícia nesse dia?
Não sei. Mas avisou pessoas em Lisboa do que se estava a passar.
E o que fez?
No dia seguinte, meti-me num táxi com a minha filha e vim para Lisboa. Estivemos uns dias sem nos ver.
E não apresentou queixa?
O Armando Vara e a mulher falaram comigo e disseram-me para ter pena dele, que ele desequilibra-se e tem estas crises e que o problema são as filhas…
Convenceram-na a não apresentar queixa?
Claro. Pedi muitas vezes também apoio ao Almeida Santos.
E o que ele lhe dizia?
Nada. Nunca fazia nada. Só dizia: ‘Oh, filha tens de ter calma, tens de ter calma, tu és mais jovem, porque são as filhas que criam estes ambientes infernais, evita que elas apareçam’.
E começou a convencer-se de que tinha de ter calma?
As pessoas diziam sempre que ele tinha um trauma com o suicídio da mulher, falavam-me no sofrimento, no desespero dele… era sempre isto. E eu ia gerindo isto, por deformação profissional [por ser técnica dos serviços sociais das prisões], acreditando sempre que o ser humano é bom. Depois consegui levá-lo à Neurologia e começou a tomar medicamentos.
E melhorou?
Estabilizou. Houve uma altura em que começou a adotar estratégias quando tinha delírios. Por exemplo, houve um casamento onde fomos com o Armando Vara e a ex-mulher, a Helena, onde entrámos, estivemos à espera dos noivos e fomos embora. Pegou-me no braço e fomos embora. Nem sequer ficámos para a cerimónia. Era tudo assim, imprevisível.
Porque imaginou que estava a olhar para alguém?
Sim, sim. Eu de manhã nunca sabia como é que ia acabar a noite. Por exemplo, quando saía de manhã tinha de pôr perfume na garagem. Tinha o perfume na garagem para pôr.
E foi-se habituando a viver assim?
A partir de uma certa altura, comecei a pensar: ‘Há guerras que não compro’. E comecei a ser pragmática ao máximo. Comecei a pensar que queria era que a Constança atingisse uma certa idade, porque não a queria partilhar com aquela loucura toda.
E viveu 12 anos assim?
Sim. Vivia para a minha filha. Saía das prisões, a correr para o colégio para ir buscar a minha filha, chegava a casa, dava-lhe banho, fazia com ela os trabalhos.
Tentando ignorar o resto…
Sim. Abstraía-me. Escondia tudo isso de toda a gente.
E como era ele com a sua filha?
A minha filha não tinha o direito de fazer barulho em casa. Ela às vezes sentava-se a ler uma história baixinho, porque o Paco passava horas e horas deitado no sofá a ver televisão e não admitia um barulho que a minha filha fizesse.
Foi numa dessas alturas que houve outra cena de grande violência.
Sim, no ano de 2008. Nunca acusei o pai da minha filha de a agredir fisicamente nem a mim. Mas houve uma cena, quando estávamos a _ler um livro da Sophia de Mello Breyner. E ele diz: ‘Desapareçam daqui, vão para a garagem’. Isto era o dia-a-dia dele para connosco. Mas nesse dia dei um murro na mesa e disse-lhe: ‘Quem é que tu pensas que és para te dares ao atrevimento de mandares a tua família para a garagem?’. Pego na minha filha e vou para o quarto, meto-me na cama e pomo-nos a ver televisão. Ele chega ao quarto e pega num solitário de vidro, que tinha na cómoda, para nos agredir. A Constança ficou completamente bloqueada e só disse: ‘Pai, não mates a mãe’. Ele pousa o solitário e começa a destruir uma cadeira de tampo de palhinha, que eu tinha ao fundo da cama. A Constança estava agarrada a mim, petrificada. Ela ficou hirta.
Ela tinha medo do pai?
Ela própria disse à psicóloga que quando o pai entrava em casa ela metia-se no roupeiro.
Tinham sempre de lhe obedecer?
Sim. Quando mudámos para a moradia de Oeiras, ele obrigou-nos a mudar na tarde de Consoada. A casa nem tinha fogão. Só tínhamos os caixotes. Tínhamos duas camas montadas e dois sofás. A maldade dele traduz-se nessas coisas, obrigar-nos a mudar na tarde de Consoada. A mudança para aquela casa foi-se transformando sucessivamente num inferno. Naquele Natal, tive de levar uma panela com um polvo cozido, uma couve e batatas para consoar. A minha vida era isto.
Os seus pais sabiam o que se passava?
Ninguém imaginava. O meu pai morreu sem saber de nada. A minha mãe sabia que havia crises, mas não lhe contava pormenores.
E os seus amigos?
Havia alguns amigos com quem ia desabafando. Todas as testemunhas que levei a tribunal eram amigas com quem desabafava.
Essas pessoas diziam-lhe para sair de casa?
Diziam. E várias vezes tentei. Quando foi a cena da arma, uma das minhas testemunhas foi a Dra. Ana Cotrim, advogada, que ainda foi à PSP fazer queixa, mas depois o Armando Vara e a esposa deram-me a volta e não avancei.
Mas nunca chegou a sair de casa?
Em 2007, tivemos oito meses separados.
E nesses oito meses não se sentia melhor?
Sentia. Só que ele vinha sempre atrás de mim. Desde que saí de casa há três anos, que o Paco está sempre a mandar sobremesas e coisas para mim através da Constança. Ele não interioriza a gravidade disto. Quando ele diz à imprensa que isto é lixo ou que é uma palhaçada é porque usar uma arma ou fazer estas coisas é normal para ele.
Ele acusa-a de o querer roubar…
Roubá-lo de quê? Ele não tem nada. A única coisa que ele tem é um monte, que está hipotecado. Ele é que me roubou, porque vendi a minha casa de Coimbra e todo o dinheiro que tinha meti-o em Oeiras.
Acha que ele não se apercebe da gravidade da situação?
Não. Nunca na vida ele teve quem lhe fizesse frente. Ele sempre processou quem quis e como quis. Nunca lhe passou pela cabeça que alguém o enfrentasse.
Mas ele nunca a ameaçou desde que se separaram?
Não, porque ele sabe que não o podia fazer. Tomei as minhas precauções e ele certamente sabe que as tomei.
Quais são essas precauções?
Comigo, com o carro, com os meus movimentos. Tenho cuidados. O carro fica sempre dentro da prisão durante todo o dia, à noite fica na garagem. Tento ver onde é que estaciono.
Anda sempre a olhar para trás?
Isso é o mínimo. No primeiro ano, ele não sabia onde eu morava.
Tem medo dele?
Não, mas sei do que ele é capaz.
Como tem sido esta luta?
Tem sido muito dolorosa. Nos últimos meses em que vivemos juntos, a situação agravou-se muito. Nem eu imaginava que ia pedir apoio à APAV.