"A Andorinha das Unhas Vermelhas
Certo dia, enquanto arrumava o meu sótão, encontrei um objecto redondo e pequeno, que mais parecia um botão. Meti-o no bolso, pois poder-me-ia fazer jeito nalguma ocasião.
Continuei a minha tarefa sem pensar mais no assunto.
Decorrido algum tempo, e já um pouco cansada, sentei-me à janela olhando o horizonte e pensando: “Como é bonita a Natureza! Adoraria voar como um pássaro para me perder no céu!”
Dito isto, apoderou-se de mim uma sensação estranha, era como se estivesse a encolher, parecia que o meu corpo estava a ficar sem peso. Olhei para baixo e bati com a cara no parapeito de janela. Cara é modo de falar, bati foi com o bico. Eu tinha um bico no sítio da minha boca. Por mais incrível que me parecesse, estava transformada num pássaro, qual nem sabia, só via penas pretas e brancas. Bem, abanei-me a rir pois estava convencida que era mais um dos meus sonhos em que me apercebo que estou a sonhar. Estava nestes meus pensamentos quando ouço os meus filhos, que brincavam em frente a casa, dizerem:
- João olha! Está uma andorinha poisada no parapeito da janela do sótão! Parece que está com medo de voar. - disse a pequena Mónica ao irmão.
- Pois parece. Estará doente? – interrogou-se o João.
Doente não estava, mas muito baralhada, ai isso estava sim. Voar? Nem pensar! Eu estava apavorada, como seria possível atirar-me daquela altura?
Os meus filhos aperceberam-se que eu estava cheia de medo e acharam que subir ao sótão era uma boa ideia. Afinal, veriam a andorinha amedrontada mais de perto. Gostavam muito de animais e, se pudessem, iriam pegar em mim para verem se estaria ferida.
Tinha que tomar uma decisão depressa. Ou vencer o meu medo de voar ou deixar que subissem ao sótão e darem conta que a mãe deles tinha desaparecido de lá. Se estivesse a sonhar, não faria mal atirar-me da janela, afinal não era a primeira vez que sonhava que estava a voar. Depressa acordaria e ainda me iria rir a valer do meu sonho estapafúrdio.
Cheia de coragem, atirei-me da janela e, para meu espanto e dos meus filhos, estava a voar!
- Ena! Voei mesmo como uma andorinha! - pensava eu, enquanto mirava a altura, mas ainda a pensar que me ia estatelar no chão.
-Mónica repara na andorinha! Como voa bem! - dizia o João à irmã.
- É, está a voar, por isso não deve estar magoada. Quem me dera pegar nela – disse a menina, rindo.
Depois de me certificar que dominava o voo, desci até ao fio do estendal e deixei que o João, que era o mais velho e mais alto, me tocasse. Pegou em mim com todo o cuidado e colocou-me nas mãos da irmã que ficou radiante por ter uma andorinha na mão. A pequenita, de nove anos, não sabia mais que me fazer e eu, aflita, já estava cheia de cócegas. João, apesar dos seus dezasseis anos, parecia uma criança a contemplar aquela ave.
- Esta andorinha tem um olhar estranho e repara como tem as unhas, são vermelhas! – disse o João com ar admirado.
- Parecem as unhas da mamã – disse a Mónica, rindo e de olhar brilhante de excitação.
- Se parecem! - pensei eu.
Que feliz me sentia! Tinha dado uma alegria aos meus filhos deixando-me tocar, sabendo, como sei, o quanto eles gostam de animais.
Voei de novo e ouvi a Mónica dizer ao irmão que ia a correr dizer à mãe.
E agora quando ela chegar ao sótão e não me vir? Que vai ser de mim? Irei ficar sempre assim? Quem me dera voltar a ser eu, pensava, enquanto poisava de novo na janela. Nisto a porta do sótão abre e, como que por magia, estava no meu corpo novamente. A menina, toda esbaforida de subir as escadas a correr, contou-me a aventura com a andorinha, ao que eu respondi:
- Que pena eu não ter visto mas estava tão cansada que adormeci aqui sentada à janela.
Como estava alegre a minha pequena enquanto me contava os pormenores.
- Sabes, mãe, a andorinha tinha as unhas vermelhas como tu, parecia que tinham verniz.
Ela contente e eu ainda mal refeita de tudo o que se passara.
Afinal o que tinha acontecido comigo era real ou estivera mesmo a dormir e sonhara? Quem me dera ter a certeza. De repente, senti algo a mexer no meu bolso. Meti a mão e o pequeno objecto que eu tinha encontrado estava ligeiramente quente. Quando o tirei, brilhava tanto que foi difícil esconde-lo da pequena, que descia as escadas ao encontro do irmão. Observei muito bem aquele objecto e fiquei com a certeza que tudo o que acontecera estava relacionado com o objecto misterioso. Seria uma espécie de Lâmpada de Aladino?
Estava tentada a pedir um desejo mas teria que pensar muito bem em quê. Lembro-me de pensar que queria voar e o meu desejo realizou-se. Agora, e para experimentar, seria uma coisa simples. Desejei um rebuçado. De imediato, o rebuçado apareceu na minha mão.
Em vez de ficar contente, fiquei apavorada. Tinha em meu poder um objecto mágico e não estava preparada para ter tamanho poder nas minhas mãos.
Poderia realizar o meu sonho desde criança: falar com os animais. Mil coisas passaram pela minha cabeça, desde deitar fora o objecto a guardá-lo e usá-lo de vez em quando. A minha cabeça parecia um carrossel, de tanto pensar. Mas, se fui eu que o encontrei, sou eu que devo ficar com ele! Só não compreendia como teria ele vindo parar ao meu sótão e porque teria sido eu a escolhida para o encontrar. Muitas perguntas às quais ainda hoje não sei responder.
Mas…sabem uma coisa? É muito engraçado falar com os meus gatos…"
Maria José Barros