«O Vitorino Pancas, ou o Pancadão...
O Vitorino, mais conhecido na freguesia por Pancas, ou também
Pancadão, viveu em Fregim, no lugar do Calvário, assim chamado por se situar próximo
da igreja local, quase no cimo de um pequeno planalto, no topo de uma rampa
curta, mas íngreme, e, foi o coveiro das paróquias de Fregim e de Louredo
durante alguns anos, nas décadas de setenta a oitenta do século XX.
O coveiro rural foi desde sempre uma personagem muito útil para qualquer
freguesia, pois prestava um serviço que muito poucos desejavam realizar, devido
a uma carga excessivamente negativa associada à sua função, pois lidar com a
morte e com os mortos de uma forma tão direta, como abrindo covas, enterrando
mortos e fazer a manutenção de um espaço tão sinistro, como um cemitério, não era para qualquer
um. Ainda mais que, muito dos cemitérios das aldeias do nosso Portugal, estavam
situados em locais ermos, o que contribuía para adensar a aura de terror,
bruxaria e de medo, a que este mister era então associado.
Desta forma, era natural que os coveiros das freguesias
fossem homens com idiossincrasias muito próprias, geralmente alguém que ficou
aleijado ou estropiado e que não pudesse ter outra ocupação, e, normalmente, eram
pessoas que bebiam muito. A partir de uma certa idade, este foi então o destino
de Pancadão, pelos dois motivos acima assinalados e demais circunstâncias da
vida, que não cabe aqui referir.
Como sabemos, o álcool foi durante muitos anos a “droga” do
povo em Portugal que, vivendo em condições muito difíceis, encontrava na bebida
uma forma de alienação, de fuga momentânea da realidade dura e cruel que
assistiu a muitas almas, nas suas vivências inexoravelmente duras. Vitorino
sempre acompanhado da sua motorizada bastante velha e amassada devido a tombos
constantes e funcionamento intermitente resultante de um uso inapropriado,
apanhava bebedeiras apelidadas, de, desculpem a redundância tratando-se de um
coveiro, de caixão à cova. A sua mota era já indissociável dele, pois, mesmo bêbado como um "cacho", sempre em primeira com a motorizada a fumegar, esta lá o levava sempre ao cimo do calvário.
Quando já estava bastante ébrio, costumava repetir à exaustão
uma expressão que ouviu, segundo ele, num debate televisivo entre Mário Soares
e Álvaro Cunhal – “isso são dois casos”. Portanto quando ele bebia nas tascas
locais, era relativamente frequente existir um grupo de homens a puxar conversa
com ele, só para testemunhar a forma como ele repetia e adaptava às diferentes
situações, a referida expressão. Muitos, quando o avistavam, metiam-se com ele
dizendo frases do género: “Hoje já vou ter azar, já vi o coveiro…”. Este, muito
calmamente e impondo um tom mais solene, mas simultaneamente coloquial, na atitude e na frase, lá
lhe respondia: “Isso já são dois casos: primeiro porque me viste, sinal de
sorte porque eu estou ainda vivo e a beber uma boa pinga e segundo, porque
ainda sou capaz de te enterrar hoje, pois para morreres basta estares vivo
também, ainda mais com sede, porque não bebes como eu… cuida-te, vai-me dar
prazer mandar-te terra para cima, vais secar rápido!”.
Um belo dia, num final da tarde, estavam todos na tasca a
assistir a um jogo de futebol na televisão, jogava então Portugal e todos
berraram de forma uníssona: “Penalti!”. Todos menos o Pancadão que, depois se
todos se calarem e acalmarem, lá proferiu a sua sentença: “isso já são dois casos, primeiro
é preciso ver se o jogador caiu devido ao empurrão do outro; segundo é preciso
ver se não caiu de fraqueza…”. Era a risota geral, pancadão tinha sempre duas
formas de analisar as coisas, duas visões dos factos, muitas vezes contraditórias, outras,
complementares.
Noutra situação, no decurso de um funeral, deu-se o caso da urna não estar a entrar no jazigo, por ser grande e então, os homens que estavam a auxiliar o coveiro, com uma machada, cortaram os pés da urna para ser possível que a mesma descesse. Vitorino, algo contrariado lá aventou: isto são dois casos, por um lado a urna entrará, mas por outro lado, acordaram o morto e ele vai atormentar os vivos que não o deixaram descansar...
Noutra situação, no decurso de um funeral, deu-se o caso da urna não estar a entrar no jazigo, por ser grande e então, os homens que estavam a auxiliar o coveiro, com uma machada, cortaram os pés da urna para ser possível que a mesma descesse. Vitorino, algo contrariado lá aventou: isto são dois casos, por um lado a urna entrará, mas por outro lado, acordaram o morto e ele vai atormentar os vivos que não o deixaram descansar...
Se o queriam ver mais zangado era dizer-lhe que, quando ele
morresse, ninguém quereria enterra-lo no cemitério, pois ele tinha um pacto com
a morte e ninguém estaria para amaldiçoar o cemitério. Ele logo mais irritado
dizia: “isso são dois casos: primeiro porque eu falo todos os dias com os
mortos e eles querem-me lá, já estão habituados a mim; segundo porque mesmo
depois de morto vou andar de noite, quando vocês todos estiverem a dormir, a atormentar os
vossos sonhos, enquanto trato do cemitério; até festas lá irei organizar, só
podem ir os mortos, pois os vivos que aparecerem, morrerão de susto, imediatamente, tal a algazarra que vamos lá fazer, nos dias de festa e não só…
tenham cuidado, ao passarem no cemitério de noite, quando eu lá estiver, dizia
o Pancadão".
Havia na freguesia um grupo de rapazes que um dia quis pregar
um susto ao Pancadão, no cemitério, num fim de tarde de Inverno, quando já era
escuro como breu. Sabiam que ele andaria por lá, pois a velha motorizada,
estava encostada ao muro do local, e, então, colocaram lençóis brancos e velhos
que trouxeram de casa, como combinaram previamente e puseram-se a correr e a uivar. O
pancadão que de parvo, não tinha nada, riu-se e decidiu meter-se na cova que
tinha acabado de abrir e deitou-se, com um candeeiro a petróleo de uma campa e
um cartão de tapar a motorizada. Estava deitado e quieto fingindo-se de morto. A
rapaziada quando se cansou, foi tentar ver o que se passava com o Pancadão,
pois este, aparentemente, não reagia. Quando o encontraram na campa deitado,
ficaram assustados, pensando que o tinham morto de susto. Espreitaram de fora
da campa térrea e viram o pancadão deitado e imóvel. De repente,
inopinadamente, este com o isqueiro incendeia o cartão regado de petróleo que tinha por cima do
seu corpo e levanta-se a correr e a gritar muito: "Morte, Morte, Morte!". Um
dos rapazes esteve dois dias de cama, quase em coma, devido ao susto que apanhou, não conseguia comer, nem ver
ninguém, quase morrendo de pânico…
Este e muitas outras figuras populares, como ele, com o seu mister, deram um toque distinto a este personagem tão peculiar nas nossas aldeias: o coveiro rural.
Missionários do Dízimo - "Raimundo o Coveiro"
«Coveiro Raimundo
Este e muitas outras figuras populares, como ele, com o seu mister, deram um toque distinto a este personagem tão peculiar nas nossas aldeias: o coveiro rural.
“O homem, carnívoro, também é coveiro. A nossa
existência é feita de morte. Tal é a lei terrífica. Somos sepulcro.” - Victor Hugo.» in http://birdmagazine.blogspot.pt/2016/10/o-vitorino-pancas-ou-o-pancadao.html
Missionários do Dízimo - "Raimundo o Coveiro"
«Coveiro Raimundo
Era um coveiro que se chamava Raimundo
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto
Era um coveiro com cara de difunto
Era um coveiro que se chamava Raimundo
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto
Até as caveiras ja o conheciam
Até as caveiras ja diziam todo dia
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto
Até as caveiras ja o conheciam
Até as caveiras ja diziam todo dia
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto
Mais um belo dia Raimundo adoeceu
E de Repente Raimundo morreu
Raimundo, Raimundo bem vindo ao nosso mundo
Raimundo, Raimundo vem pra esse buraco fundo
Mais um belo dia Raimundo adoeceu
E de Repente Raimundo morreu
Raimundo, Raimundo bem vindo ao nosso mundo
Raimundo, Raimundo vem pra esse buraco fundo
E no cemitério Raimundo se enturmou
Pela sua vizinha Raimundo se Apaixonou
Era uma Caveira Alta e desdentada
Pelo tal Raimundo ficou louca apaixonada
Raimundo, Raimundo teu olhar é tão profundo
Raimundo, Raimundo vem fundo vagabundo
E no cemitério Raimundo se enturmou
Pela sua vizinha Raimundo se Apaixonou
Era uma Caveira Alta e desdentada
Pelo tal Raimundo ficou louca apaixonada
Raimundo, Raimundo teu olhar é tão profundo
Raimundo, Raimundo vem fundo vagabundo
E dona caveira que era uma gracinha
Com o tal Raimundo teve várias caveirinhas
Mamãe, Mamãe eu quero mamadeira
Mamãe, Mamãe eu quero mamadeira
Cala a Boca não chateia, não tenho peito sou Caveira
Cala a boca nãp chateia, não tenho peito dou caveira
Era um coveiro com cara de difunto
Era um coveiro que se chamava Raimundo
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto
Era um coveiro com cara de difunto
Era um coveiro que se chamava Raimundo
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto"
Sem comentários:
Enviar um comentário