30/07/18

Amarante Museu - A ideia de uma exposição, inédita no contexto das múltiplas vertentes do próprio festival, terá sido vista por milhares de pessoas ao longo do último fim-de-semana, e esse não terá sido um dos menores contributos do MIMO para o que se percebe começa a ser uma nova afirmação de Amarante como polo de atração cultural.



«O segundo fôlego de Amadeo 

E, de repente, da noite se fez dia. Das sombras espraiadas por um tempo perdido no seu próprio labirinto, jorrou alguma luz. Um olhar novo e diferente desabrocha na contemplação do que parecia envelhecido e tolhido pela sua própria inércia. Era sexta-feira ao fim da tarde e soavam os primeiros acordes dos primeiros concertos do festival MIMO no claustro do Museu Amadeo Souza-Cardoso, em Amarante. Enquanto Marta Pereira da Costa seduzia pela sua forma única de dedilhar a guitarra, ou o jovem norte-americano Mattew Whitaker mostrava o porquê de tantos o considerarem um prodígio ao piano, houve quem, com os ouvidos ainda no exterior, optasse por deitar um olhar atento à fantástica proposta espalhada por algumas salas do interior do Museu, dedicada ao Modernismo na pintura portuguesa a partir da coleção do banco A ideia de uma exposição, inédita no contexto das múltiplas vertentes do próprio festival, terá sido vista por milhares de pessoas ao longo do último fim-de-semana, e esse não terá sido um dos menores contributos do MIMO para o que se percebe começa a ser uma nova afirmação de Amarante como polo de atração cultural. .

Materializava-se aí a ideia da noite que se faz dia e do jorrar de luz onde antes havia uma espécie de escuridão. A ideia de uma exposição, inédita no contexto das múltiplas vertentes do próprio festival, terá sido vista por milhares de pessoas ao longo do último fim-de-semana, e esse não terá sido um dos menores contributos do MIMO para o que se percebe começa a ser uma nova afirmação de Amarante como polo de atração cultural. 


“Paisagem” (c.1912),óleo s/ tela, de Amadeo Souza-Cardoso 
d.r.

O decisivo empurrão está dado, através de uma iniciativa que, nem se esgota nas múltiplas propostas musicais, nem define limites para o que pode ser o seu envolvimento com as distintas formas de expressão artística.

O problema está em perceber se a dinâmica política e cultural da cidade está disponível ou tem condições para acompanhar um ritmo e um desafio cujos horizontes não se compadecem com o envelhecimento de conceitos, tantas vezes enredados em inércias fatais.

Daí a importância desta exposição. Desde logo pelo conteúdo. Comissariada pela historiadora de arte Raquel Henriques da Silva, inclui mais de meia centena de obras de 15 artistas portugueses nascidos a partir dos anos de 80 do século XIX. Estão, entre eles, António Carneiro, Amadeo de Souza-Cardoso, Eduardo Viana, Almada Negreiros, Mário Eloy, Júlio, Dominguez Alvarez ou Dordio Gomes.

No texto do catálogo, de leitura indispensável para contextualizar, não apenas um acervo construído a partir das ligações, fusões e movimentações entre diferentes instituições bancárias, como para perceber “os valores plásticos que definem” o modernismo português, Raquel Henriques da Silva procede a uma leitura da qual resulta uma perspetiva geral sobre os diferentes modernismos contidos na coleção.

Na sua glória, no rigor com que está montada, na qualidade estética de toda a sua conceção e percurso, a exposição acaba por, ainda que involuntariamente, desnudar as óbvias insuficiências de um museu que, se teve em tempos grande protagonismo, e não apenas numa dimensão regional, terá perdido fulgor e capacidade de manter Amarante no mapa de um roteiro cultural rico de figuras ímpares da cultura portuguesa, como António Carneiro e Amadeo, mas também Teixeira de Pascoaes, Agustina Bessa Luís, ou ainda Alexandre Pinheiro Torres.


“Rio de Janeiro, Brasil, 1914”, aguarela s/ papel, de António Carneiro
d.r.

Se outros pretextos não existissem, o MIMO, caso haja vontade e capacidade de replicar o modelo expositivo este ano ensaiado, pode ser a decisiva plataforma de relançamento de uma estrutura museológica que não pode viver apenas do seu passado e ancorada no nome do seu patrono.

Para isso precisa de espaço. O museu tem de crescer em dimensão física e definir critérios rigorosos para um programa cultural e de exposições. Tem de rejeitar modelos expositivos como os ainda visíveis para quem termina a visita dos Modernistas e logo depara com um salão transformado num amontoado de obras que se anulam umas às outras.

Torna-se evidente a necessidade de criação de novas áreas, como meio para a projeção de uma outra visibilidade, por exemplo a partir do Prémio Amadeo Souza-Cardoso. 

Um museu que tem no seu acervo a obra de um dos maiores pintores portugueses do século XX, tem de ousar ir mais longe. Tem de conseguir acordos de cooperação com colecionadores privados ou até com a Fundação Calouste Gulbenkian para, ao colocar em Amarante obras de Amadeo em depósito, contribuir assim para uma efetiva descentralização e para um acesso de novos públicos a momentos marcantes da pintura portuguesa do século XX.


O museu precisa de crescer e reconquistar protagonismo
d.r.

Amarante está a trilhar um caminho novo, não isento de riscos. O desafio maior, agora, está em saber arquitetar uma espécie de segundo fôlego para o Museu Amadeo Souza-Cardoso, de forma a construir uma centralidade da qual a cidade muito poderá beneficiar, ao tirar partido da circunstância de serem escassos, em Portugal, os espaços dedicados à arte moderna e contemporânea.» in http://expresso.sapo.pt/cultura/2018-07-29-O-segundo-folego-de-Amadeo#gs.dFE18Rs


(Amadeo de Souza Cardoso "regressa" a Paris e reescreve a história da arte)

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