Que pitoresca era a jornada!
Logo, ao subir da madrugada,
Prontos os dois para partir:
-Adeus! adeus! é curta a ausência,
Adeus! — rodava a diligência
Com campainhas a tinir!
(…)
E, na subida de Novelas,
O rubro e gordo Cabanelas
Dava-me as guias para a mão:
Isso … queriam os cavalos!
Que eu não podia chicoteá-los…
Era uma dor de coração.
Depois, cansados da viagem,
Repoisávamos na estalagem
(Que era em Casais, mesmo ao dobrar…)
Vinha a Sr. a Ana das Dores
«Que hão-de querer os meus Senhores?
Há pão e carne para assar…»
Oh! ingénuas mesas, honradas!
Toalhas brancas, marmeladas,
Vinho virgem no copo a rir…
O cuco da sala, cantando…
(Mas o Cabanelas, entrando,
Vendo a hora: «É preciso partir».)
(António Nobre, Viagens na minha terra In Só, 1966, p.73-76)
«Ao contemplarmos o rosto de António Nobre em fotografias avistamos um personagem com uma postura romântica, elegante, mas ao mesmo tempo misteriosa, com uma tez luminosa e uns olhos arredondados que transparecem alguma divagação e tristeza.
Parte da sua personalidade terá sido moldada pelos ambientes rurais de Borba de Godim e Recesinhos, terras Natal do seu pai e da sua mãe respetivamente.
Fonte: Espólio António Nobre.
Biblioteca Pública Municipal do Porto.
A Recesinhos retomava com alguma frequência para visitar a sua avó materna e para buscar inspiração para a sua escrita. A viagem até esta região implicava maioritariamente a passagem por Penafiel, onde por diversas ocasiões apeou na estação de comboio de Novelas e seguiu caminho a cavalo até às terras da sua infância. Este percurso é relatado no poema de introdução do presente artigo, um diário de bordo poético que descreve paisagens, estados de espírito, personagens locais, aromas, sabores e sentimentos vividos por Nobre aquando destas visitas.
Penafiel terá sido uma cidade de passagem, mas ao mesmo tempo de alguma permanência. Por esta terra instalou-se por diversas temporadas na Estalagem das Irmãs Andrade (atual casa Bolinhos de Amor), em Casais Novos[1].
Um espaço que frequentou com mais assiduidade depois dos primeiros sintomas de tuberculose (1892)[2] e que o recebeu nos últimos dias de vida.
A 18 de março de 1941, a cidade de Penafiel prestou-lhe homenagem, através da inauguração de um busto localizado no Jardim do Calvário. Um acontecimento que contou com a presença de alguns familiares do poeta, com a declamação de poemas e com figuras solenes como o poeta amarantino Teixeira de Pascoaes.
Pascoaes descreveu, em tempos, António Nobre como “um dos maiores poetas que a mulher e a terra portuguesa têm dado à luz do dia. (…) Ele não alcançou o pleno Espírito e desprezou sempre a Matéria.
Daí o seu campo de ação emotiva limitado ao sítio em que os corpos principiam a descondensar-se em almas. Ele não viu a Nuvem nem a Onda, mas a passagem desta para aquela.
A sua obra poética marca realmente um período de transição.”» (Teixeira de Pascoaes, 1988, p. 29) in https://www.staytotalk.pt/2023/01/30/antonio-nobre-penafiel-cidade-de-repouso-de-anto/
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