DEIXEI de ser aquele que esperava...
Isto é, deixei de ser quem nunca fui.
Entre onda e onda a onda não se cava,
E tudo, em seu conjunto, dura e flui.
A seta dorme, inerme, na ampa aljava.
O presente ao futuro cria e imbui.
Se os mares erguem sua fúria brava
É que a futura paz seu ritmo obstrui.
Tudo depende do que não existe.
Por isso meu ser mudo se converte
Na própria semelhança austera e triste.
Nada me explica. Nada me pertence.
E sobre tudo a lua alheia verte
A luz que tudo usurpa e nada vence.
Fernando Pessoa in Poesia (1931-1935)
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