"Existir (O Homem e o Universo)
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar.
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê,
Nem ver quando se pensa.
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
Assim é e assim seja.
Basta existir para ser completo.
Basta existir para ser completo.
Quero as coisas que existem,
Não o tempo que as mede.
A nossa alma, o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser infeliz.
Bendito seja o mesmo Sol de outras terras,
Que faz meus irmãos todos os homens.
Porque todos os homens, um momento no dia,
O olham como eu.
Basta existir para ser completo.
Basta existir para ser completo.
Procuro dizer o que sinto,
Sem pensar em que o sinto.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar,
que me ensinaram
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu.
E assim escrevo, querendo sentir a Natureza,
Nem sequer como um homem,
Mas como quem sente a Natureza e mais nada.
E assim escrevo, ora bem, ora mal,
Caindo aqui, levantando-me acolá,
Mas indo sempre no meu caminho.
Ainda assim sou alguém
Sou o Descobridor da Natureza.
Sou o Argonauta das sensações verdadeiras
Trago ao Universo um novo Universo
Porque trago ao Universo ele próprio."
«in "O Guardador de Rebanhos"» (Alberto Caeiro/Fernando Pessoa - 1911-1912) [Adaptação: Samuel Lopes]
Citânia - "Existir (O Homem e o universo)"
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