«30 anos da morte de António Variações: A sua maior obra foi ele mesmo
Rui Miguel Abreu escreve sobre António Variações, um homem cuja obra e figura agitaram o Portugal dos anos 80. Morreu a 13 de junho de 1984.
Já se disse de Andy Warhol que a sua maior obra era ele próprio, a sua pessoa, a sua atitude e visão de vida, mais do que as peças que criou. Idêntica ideia pode ser aplicada a António Variações, que na curta vida e ainda mais curta carreira discográfica não se esgotou até porque não podia nas canções que gravou e nas aparições públicas que protagonizou, suficientes, no entanto, para sacudir, no início dos anos 80, um país ainda pouco habituado à liberdade e incapaz de compreender o verdadeiro significado da palavra "diferença".
António Joaquim Rodrigues Ribeiro nome tão português que até parece inventado nasceu a 3 de Dezembro de 1944 em Braga, mas viveu os primeiros anos da sua vida no Lugar de Pilar, uma pequena aldeia do município de Amares, com os seus pais, Deolinda de Jesus e Jaime Ribeiro. O facto de ter nascido no interior no período da história do século XX em que Portugal mais se fechou ao exterior não impediu o jovem António de sonhar e com apenas doze anos pôsse a caminho de Lisboa. Para trabalhar, mas também porque queria chegar mais além. Em Lisboa teve várias profissões, mas não encontrou o que procurava.
O serviço militar obrigatório levou-o até Angola e aquele barco deve ter-lhe dado vontade de viajar: em 1975 foi até Londres onde visitou "desde o museu à discoteca", como aparece citado na sua biografia, assinada por Manuela Gonzaga e editada em 2006 e no ano seguinte foi até Amesterdão, cidade onde descobriu o seu futuro", não apenas por ter aprendido o ofício de barbeiro/cabeleireiro, mas também por ter sintonizado uma vibração mais cosmopolita que quis ajudar depois a construir em Lisboa.
Já em Portugal, Variações percebeu que queria fazer qualquer com a música e começou a gravar maquetas muito básicas, só com voz e com caixa de ritmos, que ainda assim deixavam as suas ideias bem claras. Assinou contrato com a Valentim de Carvalho em 1978, mas demorou a encontrar quem fosse capaz de entender as suas ideias, aquilo a que se referia quando explicava que procurava um som "entre Nova Iorque e a Sé de Braga", "que fizesse o chão tremer", capaz de deixar "toda a gente a cantar".
Na verdade, António teve que esperar que o tempo o alcançasse: a 13 de Janeiro de 1979 era uma das faces visíveis da contra-cultura lisboeta e por isso mesmo marcou presença na festa em que se assinalava um quarto de século de rock and roll, nos Alunos de Apolo de Campo de Ourique, onde os Xutos & Pontapés assinariam a sua primeira actuação de sempre. Nessa noite de exuberância rock and roll, António só cortou cabelo, mas cruzou-se com os músicos dos Faíscas, de Pedro Ayres Magalhães, com quem haveria de trabalhar uns anos depois, no seu segundo álbum.
Antes de editar o que quer que fosse em disco, António impressionou meio mundo com a sua primeira aparição televisiva, no programa Passeio dos Alegres, de Júlio Isidro, onde interpretou os temas "Toma o Comprimido" e "Não Me Consumas" que nunca chegaram a fazer parte do alinhamento de nenhum dos seus discos. Vestido de aspirina gigante, António atirou smarties coloridos à assistência as emissões a cores tinham começado mesmo a tempo de lhe fazerem justiça.
A estreia em disco de Variações não podia ter maior carga simbólica "Povo que Lavas no Rio" em maxi-single, um formato que tinha nascido alguns anos antes na Nova Iorque que tanto inspirava este cantor. Fado e futuro. Reverência e invenção. Segue-se o primeiro álbum, com produção do núcleo de uma das formações mais avançadas da música portuguesa Toli César Machado e Vítor Rua, dos GNR.
O primeiro álbum de António Variações foi editado em 1983 e recebeu o título de Anjo da Guarda. Incluía canções como "É P'ra Amanhã" e "O Corpo é que Paga" e era dedicado a Amália Rodrigues, a sua maior musa. No ano seguinte, com músicos de outra unidade criativa avançada, os Heróis do Mar, António Variações regista o seu último álbum, Dar e Receber, que incluía a enorme "Canção de Engate" e temas num tom mais negro, próprios de quem se imaginava a morrer.
Variações deixa-nos no dia de Santo António, em 1984, e nunca chega a perceber o alcance da sua obra, que tem atravessado gerações com a mesma força perene que a viu nascer. "Nunca me preocupei com a moda. Preocupo-me, isso sim, com a estética". Essa preocupação permitiu que as suas canções tivessem uma qualidade intemporal, que permitiu aos Humanos atingir um estrondoso sucesso e também que se pensasse em levá-lo até aos grandes ecrãs de cinema, o que deverá acontecer em breve. Depois de Amália, António outra pessoa do povo.
"Variações é uma palavra extremamente elástica, portuguesa, e que não me deixa limitado a uma área musical. É o nome adequado para fugir à rotina, é um nome que não me escraviza e não me deixa comprometido com rótulos, o que para mim é excelente"
«30 anos da morte de Variações: Por que razão António Variações é uma história mal contada
O músico português faleceu há 30 anos, a 13 de junho de 1984. "Ainda hoje não sabemos que cometa era aquele", escreve Miguel Cadete.
Morreu, faz hoje, 13 de junho, 30 anos. E chegaria a septuagenário em dezembro. Datas redondas que nos ajudam, certamente, a recordá-lo. Mas a verdade é que ainda hoje não sabemos que cometa era aquele.
Para perceber António Variações, talvez valha a pena, antes do mais, começar por desmontar o mito e ficarmos pelas evidências e por aquilo que é factual. E o primeiro erro que todos cometemos ao tentar escrever-lhe a biografia é inscrevê-lo na vaga de rock português que surgiu a partir do momento que Rui Veloso publicou Chico Fininho e o álbum Ar de Rock em junho de 1980.
Posso não saber quem ele é - não o conheci pessoalmente e nunca o entrevistei - mas sei que António Joaquim Rodrigues Ribeiro pouco tinha em comum com a geração de Rui Veloso, Pedro Ayres Magalhães, Rui Reininho, António Manuel Ribeiro ou Zé Pedro. Sei também que a sua obra, quero dizer a música produziu e, sobretudo, as letras que escreveu, em pouco ou nada se relacionavam com a ideia de contestação da sociedade de consumo que invariavelmente todo o rock português prometia ("Chiclete", "Propaganda", "Cavalos de Corrida", "Rapariguinha do Shopping",...) nem com a firme intenção de emular os estilhaços de new wave que então eram disparados a partir do Reno Unido ou, em dose menor, dos Estados Unidos da América. Que ele, ao contrário dos outros, não era oriundo da classe média alta. Sei também que era viajado e isso não é certo na geração que em 1980 tinha 24 anos. Quando o "Robot" começou a tocar incessantemente na rádio portuguesa, António Variações já contava 37 primaveras.
É, por isso, irrelevante constatar que o primeiro álbum foi gravado com a ajuda de alguns dos músicos que então constituíam os GNR e que, no segundo, ele teve a ajuda daqueles que faziam parte dos Heróis do Mar. Se a música de António Variações estava entre "Braga e Nova Iorque" como, invariavelmente, todos os textos sobre ele repetem, isso não é detetável nos GNR ou nos Heróis do Mar. Nem sequer o uso promíscuo que fazia de aforismos populares nas suas letras ("O corpo é que paga", "quando fala um português", "é pr'a amanhã") se encontra no cosmopolitismo de uns ou no nacionalismo dos outros.
Posso não saber donde veio António Variações, além da menção, também ela omnipresente da freguesia de Fiscal, no concelho de Amares onde nasceu. Mas sei que em 1978, três anos antes da mãe de Rui Veloso chegar a Lisboa com uma cassetes gravadas do seu filho, já tinha um contrato discográfico assinado com a Valentim de Carvalho, a mesma editora dos autores de "Chico Fininho", de "Portugal na CEE" ou de "Rua do Carmo". Sei também que ele não vinha de um subúrbio da capital ou de uma zona mais chique de Lisboa; mas que tinha fama na discoteca Trumps onde se reunia a comunidade homossexual; e que era cabeleireiro de personalidades que à época apareciam na televisão, como a jornalista Maria Elisa ou o apresentador Júlio Isidro, que lhe abriram portas na TV, na rádio ou nas editoras discográficas.
Também sei que não foi aceite numa audição para vocalista dos Corpo Diplomático - o grupo de onde nasceriam os Heróis do Mar -, e que a editora com que tinha contrato assinado não sabia o que com ele fazer. A esse respeito, é de assinalar que as suas primeiras gravações, ainda hoje inéditas, são produzidas por Mário Martins, que havia trabalhado com Marco Paulo, José Cid, Paco Bandeira ou Alexandra, com orquestração de Jorge Machado (António Calvário, Simone de Oliveira, Madalena Iglésias), nomes ligados ao que então se intitulava "música ligeira" ou "nacional cançonetismo", senão mesmo folclore.
Não sei, não tenho a certeza, por que António Variações foi maltratado num dos seus primeiros espectáculos, já depois de editado o máxi-single "Estou Além" / "Povo que Lavas no Rio", na Feira Popular, enquanto fazia a primeira parte dos UHF. Mas sei que depois de os seus telediscos passarem na televisão foi adorado por um público que não se restringia ao do rock português e que, muito provavelmente, incluía todas as donas de casa do país.
Não sei porque a geração a que alegadamente se destinava - o target, como se diz agora - continuou na sua maioria, a desconfiar dele. Mas sei que nas editoras, nas rádios, na televisão e nos jornais despontava um número de profissionais que mudaram as regras da indústria da música em Portugal e fizeram com que nada fosse como dantes, tornando-a comparável com o que se fazia "lá fora". Alguns desses ainda estavam por trás da melhor homenagem que um dia fizeram a António Variações, os Humanos, e voltaram nessa ocasião a escrever a história da música em Portugal. Esses, e outros que então apareceram, têm a obrigação de, hoje, quando passam trinta anos desde o dia que morreu não deixar esquecido o génio sem mestre e, acima de tudo, começar a deixar claro quem era António Joaquim Rodrigues Ribeiro.
António Variações - "Canção do Engate"
António Variações - "Estou além"
Antonio Variacoes - "É P'Ra Amanha"
Antonio variações - "O corpo é que paga"
António Variações - "Povo que lavas no rio"
HUMANOS - "QUERO É VIVER" - (videoclip)
"Estou além
Sempre Ausente
António Variações
Diz-me que solidão é essa
Que te põe a falar sozinho
Diz-me que conversa
Estás a ter contigo
Diz-me que desprezo é esse
Que não olhas para quem quer que seja
Ou pensas que não existes
Ninguém que te veja
Que viagem é essa
Que te diriges em todos os sentidos
Andas em busca dos sonhos perdidos
Uhhhhh...
Uhhhhh...
Lá vai o maluco
Lá vai o demente
Lá vai ele a passar
Assim te chama toda essa gente
Mas tu estás sempre ausente e não te conseguem alcançar (x3)
Diz-me que loucura é essa
Que te veste de fantasia
Diz-me que te liberta
Que vida fazias
Diz-me que distância é essa
Que levas no teu olhar
Que ânsia e que pressa
Tu queres alcançar
Que viagem é essa
Que te diriges em todos os sentidos
Andas em busca dos sonhos perdidos
Uhhhhh...
Uhhhhh...
Lá vai o maluco
Lá vai o demente
Lá vai ele a passar
Assim te chama toda essa gente
Mas tu estás sempre ausente e não te conseguem alcançar (x2)
Mas eu estou sempre ausente e não conseguem alcançar
Não conseguem alcançar (x3)"
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