«Morreu António Ramos Rosa
Tinha 88 anos, e uma vasta obra na poesia, ensaio e tradução. Nos últimos anos desenhou rostos de mulheres. António Ramos Rosa, algarvio, morreu esta tarde em Lisboa.
O poeta e ensaísta António Ramos Rosa, de 88 anos, morreu cerca das 14h de hoje, no Hospital Egas Moniz, em Lisboa, onde estava internado desde quinta-feira com uma pneumonia, disse ao Expresso uma sobrinha do escritor.
Gisela Ramos Rosa disse ainda que o tio já tinha sido internado recentemente, mas recuperara, regressando à residência Faria Mantero, um lar para artistas onde residia há vários anos.
Ramos Rosa tem uma "obra multifacetada, embora predomine a poesia. Foi um exímio tradutor e ensaista", disse ao Expresso o poeta Victor Oliveira Mateus.
Do seu círculo de amigos mais próximo - e da geração mais próxima da dele - fizeram parte os escritores "Vergílio Ferreira, Casimiro de Brito, João Rui de Sousa e Maria Teresa Horta", acrescenta Victor Oliveira Mateus.
Ramos Rosa, também "apoiou alguns nomes das gerações seguintes com quem manteve relações de proximidade. Foi o caso de António Carlos Cortez, Maria Teresa Dias Furtado e eu próprio", acrescenta Victor Oliveira Mateus.
Contactado pelo Expresso, António Carlos Cortez, recorda que em 2003, teve "oportunidade de organizar e prefaciar o livro "Os animais do sol e da sombra. Quando terminei tive a percepção clara de que Ramos Rosa era um poeta da metalinguagem". "Mas isso não lhe retirou nenhuma leveza nem nenhuma naturalidade", acrescenta.
Na perspetiva de António Carlos Cortez "morreu, talvez, o último representante de uma geração de ouro da poesia portuguesa. Homens nascidos nos anos 10 e 20 do século XX, como é o caso de David Mourão-Ferreira, Carlos Oliveira e Mário Cesariny" [entre outros].
Poema do funcionário cansado
António Ramos Rosa nasceu em Faro em 17 de Outubro de 1924. Em 1945 participou na formação do MUD Juvenil. Ao longo do tempo manteve sempre a sua atitude crítica em relação ao Estado Novo e, em 1970, recusou-se a receber o Prémio Nacional de Poesia da Secretaria de Estado de Informação e Turismo atribuído a "Nos Seus Olhos o Silêncio".
Em o "Poema do Funcionário Cansado", escrito em pleno Estado Novo, lê-se: " Sou um funcionário apagado/ um funcionário triste/ a minha alma não acompanha a minha mão". É esta "capacidade imaginativa verbal raríssima, esta atenção real" que fazem com que Ramos Rosa tenha "uma obra ímpar", diz António Carlos Cortez.
Cortez destaca um outro e último aspeto no "caminho artístico de Ramos Rosa. Desenhou rostos com um traço leve e cósmico", que testemunham uma constante busca de "harmonia e conciliação dos elementos".
"Grito Claro", o seu primeiro livro, foi publicado em 1958. Foi Prémio Pessoa em 1988. Três anos depois, em 1991, foi nomeado Poeta Europeu da Década pelo Collége de L'Europe.
No dia em que comemorou 74 anos, em 2003, a Universidade da sua terra natal, atribuiu-lhe o grau de Doutor Honoris Causa.
O poeta era casado com Agripina Costa Marques, autora de vários de livros, e pai de Maria Filipe Ramos Rosa. Ramos Rosa convidou a escritora e grande amiga Maria Alberta Menéres para madrinha da sua única filha.» in http://expresso.sapo.pt/morreu-antonio-ramos-rosa=f831965#ixzz2fl0vGkqD
"Não posso adiar o amor" - António Ramos Rosa
"Não Posso Adiar o Amor
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
António Ramos Rosa, in "Viagem Através de uma Nebulosa"
Sem comentários:
Enviar um comentário