«A aldeia que espera para ver
A poucos metros da futura barragem de Foz Tua, há uma pequeníssima aldeia. No Fiolhal, poucos acreditam que a barragem possa mudar a vida da comunidade - a maioria espera para ver. As crianças já se contentavam com um clube de futebol no lugar da antiga escola.
"Então como é que descobriu esta terra?", pergunta-nos Luís Fernandes, metido numa camisola castanha do Homem-Aranha. Tem 12 anos e é um dos poucos habitantes do Fiolhal, pequeníssima aldeia no vasto vale do Rio Tua.
Olha-se das encostas do Fiolhal, no concelho de Carrazeda de Ansiães, para o Tua e vê-se o estaleiro. Lá em baixo, a escassa distância da zona classificada como património mundial, vai nascer a barragem da polémica. Uma obra importante para o país, dizem uns; um crime contra o património natural do Alto Douro, dizem outros.
É dia 17 de Março e, lá em baixo, um grupo de activistas protesta contra a barragem. Lá em cima, percorrida uma sucessão de curvas e contracurvas, o Fiolhal, a aldeia mais próxima do futuro gigante de betão, vive mais um dia normal. A polémica não entra aqui, neste sinuoso conjunto de 30 casas, ruas esguias empedradas, ruínas e uma escola desactivada.
Luís é o anfitrião da Renascença. "O Fiolhal vai ser famoso", exclama, de olhos arregalados. Mostra-nos tudo: a escola que funcionava num pré-fabricado, hoje fechada, onde gostava que funcionasse a sede de um "pequeno clube" de futebol de cinco ("para nos divertirmos ao domingo, para jogarmos com outras terras"); o "jardim mais bonito do Fiolhal", um colorido roseiral de poucos metros quadrados; o cemitério da terra, a Igreja de Santo António, datada de 1824. Não há um único café, nem tasca (as que havia fecharam).
E a barragem, Luís? "Se aquilo pára, pessoas do Fiolhal – o meu pai, o tio do Cristiano e do João – ficam desempregadas, não trabalham. E depois não há dinheiro."
Licínio Moreira, nascido no Fiolhal há 59 anos, tem menos certezas. "Não digo que a barragem nos vai trazer grandes benefícios, mas também não nos vai trazer grandes prejuízos. Mas, sem energia [eléctrica], hoje em dia não se sobrevive. A não ser como antigamente", diz.
No Fiolhal, há fantasmas desses tempos de pura sobrevivência. Como as ruínas esventradas de uma casa de 25 metros quadrados onde viviam sete pessoas. "Viviam aqui talvez cento e tal pessoas, agora vivem 40. Havia aqui 32 ou 35 fogos, hoje há 16 ou 17. Antigamente, havia casas com seis e nove, hoje há casas com duas crianças cada uma - são casais novos - e só uma pessoa. Hoje, as pessoas que estão aqui vivem melhor do que antigamente. Antigamente, viviam nuns buracos."
"Quem aqui nasceu não aprecia fragas"
Licínio Moreira, agricultor que trabalha em vinhas e olivais (como a maioria do resto da aldeia), conhece o passado e o presente do Fiolhal.
O futuro? É uma incógnita, diz, mas a barragem pode dar uma ajuda a uma "aldeia que não tem um café, nem um comércio". Quem sabe, especula, a subida das águas trará pessoas que queiram ter por "ali as suas casas, com um barquinho", como no Gerês.
O verde ancestral do Tua, registado e multiplicado vezes sem conta em postais e fotografias de turistas, não comove Graça Lopes, de 49 anos.
É pragmática: "Isto não me diz nada. Quem aqui nasceu não aprecia fragas [risos]". Sabe que o vale vai ficar "de outra" maneira. "Mas não vai fazer grandes estragos, não é este bocadinho que vai desfocar a paisagem."
Os "milhões"
Luís Fernandes, 55 anos, padrinho de Luís, diz que tudo é um canto das sereias. "Em termos de paisagem será irrecuperável, não vamos voltar a ter a paisagem natural. Em termos de poupança de energia, a barragem não se justifica. Acaba por ser um negócio", critica.
Luís Fernandes recebe a Renascença na pequena garagem onde mantém uma produção de vinho e azeite para consumo familiar. Está desempregado. "As pessoas dão sempre as razões dos postos de trabalho, mas há sempre alternativas. Os milhões investidos na barragem podiam ser investidos nos postos de trabalho e em criar mais-valias dos produtos que temos - criar azeite biológico e uma série de situações que podiam ser alternativas", afirma.
Num cenário alternativo à barragem, os "milhões" teriam também que ser investidos na segurança da linha ferroviária do Tua, parte da qual ficará submersa pela albufeira criada pela barragem. "O comboio era uma pandeireta que por aí andava. Se levasse mais meia dúzia de pessoas cambaleava", lembra Otília Fernandes.
A moradora, de 75 anos, não percebe o ruído anti-barragem: "Já lá gastaram rios de dinheiro. Se quisessem implicar, implicavam no princípio, não deixavam começar [a obra]. Para a frente é que é o caminho". E ri-se.» in http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=58289
(Foz-Tua)
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