«A violência nas escolas, o bullying, o sistema de avaliações, os encarregados de educação insatisfeitos, a pressão do Ministério da Educação, os contratos permanentes e a pressão do país são factores que gravitam à volta da actividade de professor.
Até que ponto, todos estes factores dificultam o trabalho de quem precisa de leccionar?
Partilho convosco esta carta de uma professora, com 38 anos, que lecciona no 2º ciclo de uma escola pública no Alentejo e que apenas me pediu para não colocar o seu nome.
"Hoje foi mais um dia de trabalho. Trabalho que vejo cada vez menos reconhecido, sem grandes aspirações de futuro e um monte de papelada para preencher.
Ser professora foi uma escolha que abracei há 14 anos, pois sempre gostei de ensinar, coisa que hoje cada vez menos consigo fazer.
Os alunos, por seu lado, cada vez mais tendem a considerar as aulas uma mera ocupação, talvez devido ao próprio facilitismo que o sistema permite. Nos tempos que correm, o aluno não tem de saber, tem é que transitar de ano. Mesmo que nem saiba distinguir uma linha curva de uma recta. Enfim, o que interessa são as estatísticas na promoção do sucesso educativo.
Depois ainda há os encarregados de educação a apontar muitas vezes o dedo aos professores. Não falo dos que verdadeiramente se interessam e se envolvem na educação dos filhos. Refiro-me aos que, na maioria das vezes, não colocam os pés na escola, nem ao menos se interessam por ir buscar as notas dos seus educandos.
Mas é claro que tudo o que acontece de errado com os alunos (até mesmo a falta de educação e a falta de respeito) é culpa do professor. Assim como a agressão verbal e física que quem ensina tantas vezes sofre na pele é também culpa do docente.
Veja-se o caso dos alunos agressivos: Não se importam minimamente com o que quer que seja. Estão na escola somente para desestabilizar, sobretudo dentro das salas de aula. Apesar de sancionados com dias de suspensão (que consideram mini-férias), podem sempre regressar ao estabelecimento de ensino. Independentemente do que fez à professora (são sobretudo mulheres as vítimas dos alunos altamente indisciplinados) a docente agredida terá sempre que voltar a cruzar-se no corredor ou na sala de aula com o aluno agressor.
Infelizmente o "saber" parece já não interessar nada, os alunos tem que estar é ocupados, ponto final. Mesmo quando um professor não pode dar a aula, é claro que estará sempre lá outro docente (de substituição), com a particularidade de nem sequer ser do mesmo ciclo, nem da mesma área disciplinar, logo, sem um plano de aula com que se possa guiar.
No entanto, a filosofia de base desta espécie de "ocupação de tempos livres" é simples: Professores e alunos têm é de estar realmente a fazer qualquer coisa para que todos se sintam bem. Ou melhor, alegadamente bem. Ou melhor ainda, teoricamente bem. Logo, os docentes de hoje têm de ser multifacetados, animadores sócio-culturais, artistas de circo, aliás, foi exactamente para isso que se formaram... Para dar aulas de substituição que nem pagas são, com a agravante de, quando se falta, ver o tempo ser descontado no período de férias.
Muito honestamente, estou cansada e desmotivada com este sistema, que nos exige um sem número de obrigações, mas que não se importa se o docente já vai no seu 11º contrato ou se nem ainda sequer ingressou na carreira. Mais, para poder ter supostamente uma avaliação excelente ou muito boa, o professor tem de seguir um modelo de avaliação sem pés nem cabeça, inspirado, é claro, numa realidade que nada tem a ver com... a realidade.
Há quem duvide? Uma semana numa escola a (tentar) trabalhar deitaria por terra as dúvidas até dos mais cépticos.»
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