"Projecto de Sucessão!"
«'Projecto de sucessão…'
Continuar de pé até que pombas dos meus olhos voem.
Continuar dormindo até se regelarem os dedos.
Continuar rezando até que o tempo finde.
Continuar esperando que o café feche.
Continuar despido até que o colchão navegue.
Continuar escrevendo até que o papel acabe.
Continuar apaixonado até que o mundo acorde.
Continuar sonhando até que morto durma.
Continuar delirando até se incendiarem órbitas.
Continuar ladainhas até que o cérebro estale.
Continuar a acompanhar o derrube dos tiranos.
Continuar iluminado até que a maluqueira pare.
Continuar chorando por um miosótis encarnado.
Continuar a ateimar no trevo das quatro folhas.
Continuar a seguir a rota da estrela cadente.
Continuar a guardar no coração cintilações natalícias.
Continuar a procurar um piolho estrelinha
na cabeça rachada do Menino Jesus.
Continuar a arriscar vermelho branco.
Continuar sangrando até se esgotar a água.
Continuar boiando até que o sangue estanque.
Continuar a coçar minha jubilosa ferida.
Continuar a prolongar o gélido chuveiro.
Continuar a adorar a mulher artimanha.
Continuar a andar sobre escombros lua.
Continuar sentado até os pés da cadeira enraizarem.
Continuar a dar corda a relógios que ninguém olha.
Continuar auscultando especial música.
Continuar a elucubrar invariáveis linguagens.
Continuar a cantarolar o milagre da vida.
Isto e muito mais até que o paizinho evapore.
Isto e muito mais até que a paz floresça.»
Ângelo Ôchoa, Poeta.
Ao Hélder Barros, no dia em que publicou, em seu blogue, este vide de poema meu, e tentando uma achega para fazer um poucochinho de uma ociosa história do surrealismo em Portugal:
ResponderEliminarAntónio Maria Lisboa
PROJECTO DE SUCESSÃO
Para o Mário Henrique
Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra
Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos
Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.
Ossóptico,
1952
(…Este o poema
‘projecto de sucessão’
escrito por António Maria Lisboa
e publicado em 1952
quando eu ainda tinha linda idade de 8 aninhos
e que pretextou o meu ‘projecto de sucessão’
agora aqui neste espaço cibernético do Helder Barros…)
…Aqui fica a que
os frequentadores e
as frequentadoras do
informaticahbblogue
leiam
ou
releiam
e
de si e
por si
concluam…
Com o abraço de sempre do Ochoa
-- para o Helder um verdadeiro amigo meu e amigo do belo do mundo criado.
Obrigado Amigo Poeta Ângelo Ôchoa por nos dar Cultura, Poesia, em tempos de grande imoralidade e Medíocridade, reinantes neste nosso Mundo!
ResponderEliminarAo Menos os Poetas falam à Alma, dão mais vida ao nosso ser; não vendem ilusões em forma de realidade negra!
Bem haja Poeta!