(Amarante e o romper da aurora, por entre as Serras do Marão e da Aboboreira...)
"CANÇÃO SAUDOSA
A Saudade vem bater,
Vem bater à minha porta,
Quando o luar é de lágrimas
E a terra parece morta.
E a saudade bate, bate,
Com tal carinho e brandura,
Que nem a aurora batendo
À porta da noite escura!
Mas eu ouço-te, Saudade...
E o silêncio é tão profundo!
Ouço vozes, choros de alma,
Que ninguém ouve, no mundo!
Misteriosas imagens
Passam, por mim, a falar...
Bem entendo o que elas dizem,
Bem o quisera contar!
Mas -- que tragédia! -- emudeço.
Caio, de mim, sobre o nada!
Sou a minha própria sombra
Não sei onde projectada!
E entra a Saudade... Fiquei
Como assombrado e sem voz!
Sinto-a melhor, que senti-la
É vê-la, dentro de nós.
Vinha com ela a tristeza
Que a tarde espalha no ar...
Vinha cercada das sombras
Que andam, na terra, ao luar.
E vinha a sombra dos Ermos,
Com os olhos rasos de água...
E os segredos que a noitinha
Vem dizer à nossa mágoa.
Vinha a sombra do Marão
Sob a lua em várias fases;
E, no seu rosto de bronze,
Trazia um véu de lilases.
Vinha a alma do Desejo,
Toda a arder... Em volta dela,
Giram mundos e fantasmas,
Como em volta duma estrela.
Tudo o que é sonho em vigília
No sono da Criação;
E, entre falsas aparências,
É divina Aparição;
Tudo vem com a Saudade,
De noite, bater-me à porta,
Quando o luar é de lágrimas
E a terra parece morta..."
Teixeira de Pascoais,
Terra Proibida / Antologia Poética
(edição de Ilídio Sardoeira)
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