«DA DERROTA ANUNCIADA AO MAIOR TROFÉU DO MUSEU
Há 70 anos, o FC Porto bateu o Arsenal (3-2) no Estádio do Lima. O jogo era particular, mas valeu uma taça com 250 quilos de materiais preciosos.
Num tempo em que ainda não havia competições europeias de futebol, os adeptos do desporto em Portugal tinham poucas oportunidades para verem jogar os craques das grandes equipas internacionais, que alguns imaginavam conhecer graças a publicações como a revista Stadium. As partidas da seleção nacional e os encontros amigáveis com equipas estrangeiras eram os momentos de exceção que permitiam aos aficionados tomarem contacto direto com a realidade do que se passava noutros países. Estes desafios particulares assumiam, por isso, uma importância quase transcendente para os clubes, atletas e adeptos, pelo que não é de estranhar a expectativa com que foi encarado o FC Porto-Arsenal que se disputou no Estádio do Lima há precisamente 70 anos.
O entusiasmo que envolveu esta partida era plenamente justificado. Menos de uma semana antes da sua realização, a 1 de maio de 1948, o Arsenal tinha recebido o Grimsby Town no mítico Highbury Park. A vitória dos londrinos por 8-0 colocou um ponto final num trajeto notável no campeonato inglês, que culminou com o sexto título nacional dos Gunners, todos conquistados nas 12 temporadas anteriores. A equipa do Norte de Londres, de resto, tinha sido protagonista de uma revolução tática, sob a liderança do treinador Herbert Chapman, que desenvolveu o sistema que ficou conhecido como WM e influenciou decisivamente o curso do futebol europeu nas décadas seguintes.
Foi, portanto, com o estatuto de campeão da que já era a mais importante liga de futebol do mundo que o Arsenal aterrou em Lisboa nos primeiros dias de maio de 1948. Na agenda estavam dois jogos: um com o Benfica, no Estádio Nacional, onde menos de um ano antes a seleção inglesa tinha batido a portuguesa por 10-0; e outro com o FC Porto, no Estádio do Lima, casa emprestada aos azuis e brancos pelo Académico FC.
O primeiro impacto dos britânicos em solo português foi brutal. O Benfica foi batido sem apelo nem agravo por 4-0 e a superioridade dos londrinos foi bem vincada pela imprensa da época: “Os mestres numa lição magistral”, titulou a Stadium. A crónica dada à estampa nesta publicação não deixa margem para dúvidas: “É difícil para quem está habituado a ver futebol só em Portugal dar uma ideia do jogo do Arsenal. […] O que interessa é frisar a distância a que ficou o futebol português do Benfica… Os ingleses foram mestres; nós, os discípulos”. A projeção da partida com o FC Porto, a realizar três dias depois, era tudo menos otimista: “Embora se conte de antemão com uma derrota, há a certeza de que os campeões nortenhos não deixarão de se mostrar bons adversários”. Na realidade, os portistas eram encarados como uns privilegiados, não porque iam jogar com o Arsenal, mas porque iam ver o Arsenal jogar: “Aos portuenses será facultada uma ocasião de ver uma grande equipa”.
O que se passou num cheiíssimo Estádio do Lima a partir das 18h15 de 6 de maio de 1948 superou todas as expectativas. Aos 9 minutos, Araújo desferiu um remate potente que entrou junto ao ângulo superior esquerdo da baliza dos ingleses. Aos 18, Correia Dias dobrou o resultado com um remate a meia altura. Dois minutos depois, o mesmo Correia Dias assinou o terceiro golo. A assistência, de que fazia parte uma criança de dez anos chamada Jorge Nuno Pinto da Costa, estava atónita. Ainda a primeira parte não ia a meio e já o FC Porto batia por 3-0 a melhor equipa inglesa, provavelmente a mais forte do mundo. Na segunda parte, na sequência de duas faltas que o cronista da Stadium considerou discutíveis (“dois castigos duvidosos”), os Gunners reduziram para 3-2, mas os portistas, ainda que esgotados pelo esforço despendido num jogo muito exigente, conseguiram assegurar um triunfo memorável.
As palavras publicadas na Stadium a 12 de maio parecem, à luz do que se passou nos meses seguintes, de certa forma premonitórias: “Há resultados que valem um título”. Aquele, no próprio dia, não valeu. Um grupo de sócios, contudo, considerou que uma vitória tão brilhante não poderia deixar de ser perpetuada com toda a dignidade. Foi constituída uma comissão que durante meses reuniu os fundos que financiaram a encomenda de uma verdadeira jóia à histórica ourivesaria Aliança, na Rua das Flores: um troféu com 90 centímetros, depositado no interior de um escrínio com dois metros e 80 centímetros de altura; no conjunto, 250 quilos de madeiras finas, ouro, prata (130 quilos, que à cotação atual valem 56.870 euros), esmalte, cristal e veludo. A Taça Arsenal foi entregue à direção do clube a 21 de outubro de 1949. Sete décadas depois daquele triunfo, continua a poder ser apreciada no Museu FC Porto.» in http://www.fcporto.pt/pt/noticias/Pages/70-anos-sobre-o-FC-Porto-Arsenal-de-1948.aspx
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