«Pascoaes regressara a Amarante. Continuava ainda a advogar.
Nesse ano de 1906, Unamuno veio passar uns dias com o Poeta, na Casa de Pascoaes. Este leu-lhe o manuscrito da «As Sombras». Miguel Unamuno ficou deslumbrado. Dedicou-lhe um capítulo do seu livro «Por Tierras de Portugal y España». E dizia: «As Sombras» foram feitas com palavras cujas letras andavam há muito no ar à procura de se casarem.»
Unamuno era um grande conversador e, enquanto falava, ia recortando, com uma tesoura, várias figuras de papel representando animais, sobretudo pombas, que oferecia a minha Tia Maria da Glória e a meu irmão João.
«As Sombras» saíram nesse mesmo ano. É desse volume este poema:
"Meu coração é tudo
Em certas horas, desejo
estar contigo, falar-te,
Mas não sei onde é que vives,
Coração!
Não fazes caso de mim.
Eu, para ti, não sou nada.
E amas tudo quanto existe
E não existe.
Sou caverna onde te metes,
Durante a noite somente.
Mal vem o dia, lá partes,
Coração!
Por isso, se quero ver-te,
Olhos as aves, os penedos,
As florestas, as montanhas
E o sol-pôr...
Quantas vezes, nos meus olhos,
És lágrima, a tremular;
E sorriso nos meus lábios,
Coração!
E as estrelas que arrefecem
Vão banhar-se em tuas chamas;
E cintilam como em novas,
As estrelas...
Apenas eu não consigo
Acompanhar-te, um momento,
Branca rosa, lírio roxo
Coração!
Sou a pegada que deixas
Neste lodo, quando passas,
A caminho do Infinito,
neste lodo...
Eu, para ti, não sou mais
Que um antro negro e profundo,
Onde só vens quando é noite,
Coração!"
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