«Eusébio: 'Vivia nos limites'
“O Eusébio era o verdadeiro ‘homem-bomba’. Vivia nos limites. Tinha um relógio biológico diferente. Almoçava quase sempre às 15h, jantava às 23h e quase nunca se deitava antes das 4 ou das 5 da manhã. Eu sabia que se quisesse falar com o Eusébio às 2 da manhã, podia ligar porque ele atendia sem problemas. Era um homem com um ritmo de vida impressionante, mesmo já na casa dos 70. Só o ‘homem-bomba’ suportava viver como ele vivia. Tentou tirar partido da vida até ao limite”. A descrição é feita ao SOL pelo amigo João Malheiro que, como todos os mais próximos do ex-jogador, sabiam que “Eusébio estava muito mal” de saúde e “percebiam que estava nos últimos tempos de vida”. Tinha “dores terríveis”, acrescenta o amigo, que tentava disfarçar como “fazem os grandes campeões”. Quando os amigos se preocupavam, ele garantia que não havia razão para isso.
Marina Cruz, comadre de Eusébio, recorda que, apesar do estado de saúde debilitado, sempre que lhe perguntava como estava, respondia: “Óptimo”. Foi com ela, entre outros, que o ex-jogador celebrou a passagem do ano, num hotel, tendo-se mostrado “sempre muito bem disposto”. “Estava impecável”, diz a cabeleireira, explicando que, por isso, ficou surpreendida quando o amigo morreu passado cinco dias, apesar de saber que os médicos já tinham alertado para a gravidade da situação.
Segundo vários amigos, a equipa médica do Hospital da Luz tinha avisado a família de que o pior podia acontecer a qualquer momento. Nos últimos tempos, Eusébio da Silva Ferreira ia regularmente àquele hospital privado para ser vigiado pelo médico assistente, pois o seu estado de saúde estava cada vez mais debilitado. Aos problemas cardíacos somaram-se, entretanto, outras complicações clínicas que levaram os médicos a ter pouca esperança na recuperação do Pantera Negra. A degradação era cada vez mais evidente e, na sua última aparição pública – na apresentação do livro de António Simões, a 18 de Dezembro, no museu Cosme Damião, junto ao estádio da Luz –, Eusébio surgiu numa cadeira de rodas e de muletas, devido a problemas nas articulações.
Muitos dos amigos presentes ficaram preocupados com a sua aparência. “O Eusébio não conseguia estar mais do que 30 segundos de pé. Andava com uma canadiana e arrastava-se. Era um problema deslocar-se uns metros. Estava quase sempre sentado e as mãos tremiam-lhe muito”, descreve Malheiro. Todos conheciam não só os problemas de saúde – veias entupidas e elevados níveis de colesterol e hipertensão –, como também a sua dificuldade em seguir uma vida mais moderada, apesar dos alertas dos médicos.
Mudar de vida era uma promessa difícil de cumprir
O primeiro grande susto foi em Abril de 2007. Depois de um jantar com amigos, sentiu-se mal, com tonturas, e acabou por ir ao hospital. Na altura com 65 anos, Eusébio sofria de aterosclerose, e o médico que o observou, Germano do Carmo, anunciou que tinham sido detectadas “lesões significativas nas artérias carótidas internas”, ou seja, “lesões obstrutivas das artérias que irrigam o cérebro”. Acabou por ser submetido a uma cirurgia à artéria carótida esquerda, como forma de prevenir um eventual acidente vascular cerebral (AVC). Logo aí foi prevenido pelos médicos de que tinha de mudar de hábitos de vida. “Quem é que não gosta de viver?” – contrapôs o antigo jogador, prometendo que iria tentar seguir as novas regras: “Vou, com calma, ter de cumprir as recomendações dos médicos”.
Mas, segundo contam os mais próximos, essa era uma das missões que mais lhe custava cumprir, pois o melhor jogador português de todos os tempos gostava de comer e beber com os amigos. Passava muitas horas no Restaurante Tia Matilde, o seu preferido. Foi lá o seu último almoço, no dia em que morreu: pediu peixe, mas não deu mais do que duas garfadas. Estava cheio de dores e foi para casa. Por volta das 3h30 da manhã, sentiu-se mal e a família chamou o INEM, acabando por morrer às 4h30, com uma paragem cardio-respiratória. No dia anterior tinha estado cheio de tosse e, depois de ligar ao médico, a mulher, Flora, deu-lhe um Brufen.
O segundo alarme sério surgiu em Dezembro de 2011, quando deu entrada nos cuidados intensivos do Hospital da Luz com uma pneumonia bilateral. Ficou internado uma semana, passando ali o Natal: entrou dia 19 de Dezembro e saiu no último dia do ano.
Mas, quatro dias depois, chegou o terceiro aviso: sentiu-se indisposto e foi de novo hospitalizado com uma cervicalgia aguda, ou seja, uma lesão muscular no pescoço. Eusébio ficou preocupado mas segundo contou o próprio, na altura, o médico tranquilizou-o: “Perguntei se era grave e o médico disse-me que não, que tinha tratamento e que ia sair do hospital como novo”. Realizou análises e exames imagiológicos, mas só teve alta seis dias depois.
Passado cerca de duas semanas, quando festejou os 70 anos, o ex-jogador do Benfica confessou, em declarações reproduzidas pelo site oficial da UEFA, que sabia que vivia muitas vezes no limite: “Nunca pensei chegar aos 70 anos, mas agradeço a Deus tê-lo conseguido”, disse, desdramatizando mais uma vez a sua situação clínica. “Agora, a minha saúde está óptima. Estou feliz porque realizei alguns exames há duas semanas e o médico disse-me que já podia beber um copo de vinho de vez em quando, embora com moderação”.
‘Disfarçava, mas tinha noção’
Mas no final de Fevereiro seguinte e pela terceira vez em dois meses e meio, voltou à mesma unidade de saúde, agora por causa de uma crise hipertensiva (tensão arterial elevada). Quando ao fim de dois dias, teve alta, foi directo, segundo notícias dadas na imprensa, para o restaurante Tia Matilde.
“Assustou-se com o que os médicos lhe disseram nos últimos internamentos, mas tentava disfarçar. Tinha a noção de que a vida se lhe estava a escapar. Mas nem por isso quis viver de uma forma diferente. Continuou a fazer as mesmas coisas”, lembra João Malheiro.
Os problemas de saúde sucediam-se. Em pleno Euro-2012, Eusébio, embaixador da selecção nacional no Europeu de Futebol na Polónia e Ucrânia, estava em terras polacas quando sofreu um AVC, no dia 24 Junho. Teve uma indisposição quando se encontrava no hotel em Opalenica, onde a comitiva nacional estagiava. Foi levado de urgência para o Hospital Miajka, em Poznan, e depois de realizar alguns exames foi transportado de avião para Lisboa, ficando no Hospital da Luz. Passou aqui 14 dias, e depois de sair continuou a receber assistência médica em casa.
No último ano, o estado de saúde degradou-se e o acompanhamento médico foi reforçado. Os amigos esperavam que a qualquer momento fosse outra vez hospitalizado. “Mas as coisas acabaram por ser mais cruéis”, lamenta Malheiro.» in http://sol.sapo.pt/inicio/Desporto/Interior.aspx?content_id=96683
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