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Ambiente e Ecologia - O golfo de Cádis é uma zona de fronteira de placas tectónicas, neste caso, as placas africana e eurasiática estão em colisão!



«Os vulcões de lama do golfo de Cádis e as amêijoas gigantes que lá vivem
Por Teresa Firmino 
07/02/2013 - 00:00

Zonas de emissão de gases no fundo do mar sustentam ecossistemas biológicos que obtêm nutrientes através da síntese de elementos químicos, em vez da luz solar. É o caso de certas amêijoas.

Frente a Portugal e Espanha, a alguns milhares de metros de profundidade, o chão do golfo de Cádis está pejado de vulcões de lama. A esses vulcões juntam-se agora outros três, um deles coberto por amêijoas gigantes. Mas, teremos ouvido bem? Vulcões de lama e amêijoas gigantes?

É isso mesmo: estes vulcões expelem materiais argilosos, muitas vezes carregados de gases vindos do interior da Terra, essencialmente metano, que depois fica aprisionado nas moléculas de água congelada nos sedimentos. Os hidratos de gás, uma combinação de metano e outros gases presos nos cristais de gelo, são conhecidos no mar desde os anos de 1970. No golfo de Cádis, a sua detecção, e logo com hidratos de gás, deu-se em 1999, na área marroquina.

Nessa expedição, de cientistas norte-americanos, encontravam-se portugueses, daí que um dos vulcões se chame Adamastor. No ano seguinte, localizou-se o primeiro em águas portuguesas, o Bonjardim.

O golfo de Cádis é uma zona de fronteira de placas tectónicas, neste caso, as placas africana e eurasiática estão em colisão. Devido a essa compressão, ascendem até ao fundo do mar sedimentos argilosos existentes em profundidade, trazendo gases, e eis que surgem estes vulcões. Há 50 confirmados, mas agora uma equipa portuguesa revela que a área de vulcões de lama se prolonga mais para oeste do que apontavam os estudos, na direcção das águas portuguesas.

Os três novos vulcões de lama, a 4400 metros de profundidade, situam-se a 180 quilómetros a sudoeste do cabo de São Vicente. A sua descoberta resultou de uma campanha, no navio alemão Meteor, em Fevereiro e Março de 2012, para o projecto SWIMglo, coordenado pelo geólogo Pedro Terrinha, do Instituto Português do Mar e da Atmosfera.

Foram investigar as falhas geológicas que ligam a zona do golfo de Cádis aos Açores e a ocorrência de comunidades biológicas típicas de zonas de emissão de gás no fundo do mar. Os hidratos de gás não ficaram de fora: "São um potencial recurso energético futuro, porque um centímetro cúbico de hidratos de gás corresponde a 160 centímetros cúbicos de gás natural. São uma forma altamente concentrada de gás", explica um dos elementos da equipa, o geofísico Luís Pinheiro, da Universidade de Aveiro. "Para já, estamos a identificar as zonas onde existem os depósitos. O passo seguinte é fazer trabalhos detalhados, para ver se são exploráveis."

Em 2004, ao mapear-se o fundo do mar, com o navio D. Carlos I, da Marinha Portuguesa, descobriram-se duas falhas alinhadas - as SWIM, da sigla inglesa de margem sudoeste ibérica. A mais longa tem 600 quilómetros de comprimento e está no limite de outra falha importante: a Glória, que depois continua até aos Açores. Ao longo das falhas SWIM têm-se encontrado vulcões de lama, mas esse facto não é estranho porque elas atravessam uma zona de acumulação profunda de sedimentos - o prisma acrecionário do golfo de Cádis.

Qual é a ligação geológica entre as falhas SWIM e a da Glória? Como é a canalização de fluidos hidrotermais ao longo destas falhas? Perguntas para as quais Pedro Terrinha e colegas procuram respostas.

Mas aqui a geologia anda de mãos dadas com a biologia: os elementos químicos nos fluidos no fundo do mar são usados por microrganismos para extrair os nutrientes necessários. Em vez da fotossíntese, em que a luz solar é usada para se obter energia, há a síntese de elementos químicos. Que comunidades de organismos quimiossintéticos existem ao longo daquelas falhas tectónicas é outra das perguntas do projecto.

Mas se as comunidades quimiossintéticas do golfo de Cádis vivem em ambientes frios, nos Açores encontram-se outras em fontes hidrotermais, com água quente carregada de gases e até metais e à sua volta há oásis de vida, como mexilhões e camarões. "Fomos ver se havia uma certa continuidade entre os vulcões de lama, fontes de emissão de fluidos frios, e as fontes hidrotermais dos Açores", explica a bióloga Marina Cunha, da Universidade de Aveiro, que participou na campanha. "Como todos esses ecossistemas estão baseados na produção quimiossintética, tentamos encontrar um fio condutor que permita saber como estão relacionados. Estas falhas ligam uma zona de vulcanismo de lama a uma zona de hidrotermalismo."

Auto-estradas biológicas

Ora os três vulcões de lama estão ao longo das falhas SWIM, só que já longe do prisma acrecionário. "Vulcões de lama em prismas acrecionários há muitos. Os vulcões que descobrimos já estão num ambiente tectónico diferente e isso é surpreendente", frisa Pedro Terrinha.

"Per si, estas falhas podem ter vulcões de lama e fluidos carregados de metano. Isso não se sabia. Podem servir como uma auto-estrada para as comunidades [biológicas] atravessarem o oceano através do fundo do mar", diz o geólogo, referindo que já ficou demonstrado que um troço dessa via está fora do prisma acrecionário.

"Até agora não encontrámos muitas espécies em comum, mas ao nível dos géneros já há mais similaridades, o que é interessante em termos evolutivos. Parece ter havido alguma coisa em comum entre os dois tipos de comunidades, que evoluíram para o aparecimento de espécies diferentes num sítio e noutro", acrescenta Marina Cunha. "A maneira como os organismos se adaptam a determinadas condições ambientais é interessante para descobrir novos processos biológicos, em que actuam enzimas e outros compostos bioactivos que podem ter aplicações mais tarde."

Foi na cratera de um dos vulcões descobertos na expedição que se viram amêijoas gigantes, com seis centímetros de comprimento. Marina Cunha pensa que são de uma espécie que existe ao largo de Angola, em zonas quimiossintéticas próximas de reservas de petróleo e gás, e aí têm até 15 centímetros. "Têm bactérias simbiontes nas brânquias, que utilizam a energia química destes fluidos para produzir alimento para estes organismos"

Nas amostras recolhidas, veio outra espécie de amêijoa, a "Acharax gadirae", que se enterra nos sedimentos. Apanhada já noutros vulcões, Marina Cunha e colegas tinham-na descrito como nova para a ciência em 2011. Também os vermes marcam presença nos novos vulcões de lama, com a recolha das espécies "Spirobrachia tripeira" e "Bobmarleya gadensis", que são igualmente descritas pela equipa de Marina Cunha como novas, em 2008. Têm também bactérias simbiontes, só que no tubo digestivo, e vivem dentro de tubos que constroem.

Se está a pensar que as amêijoas dariam uma boa refeição, esqueça. Num ambiente desses, só podem ser tóxicas.» in http://www.ipma.pt/pt/media/noticias/newsdetail.html?f=/pt/media/noticias/textos/vulcoeslama120213.html

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