24/08/23

Amarante Literatura - Em 1935, a pedido de Luís Reis Santos, Pascoaes publicou «Painel», um poema que descreve Portugal do Minho ao Algarve.



«Em 1935, a pedido de Luís Reis Santos, Pascoaes publicou «Painel», um poema que descreve  Portugal do Minho ao Algarve. O poeta tem uma imagem muito inspirada para se referir à Torre dos Clérigos. Chama-lhe «Alto cipreste empedernido.» in Fotobiografia na "Sombra de Pascoaes" de Maria José Teixeira de Vasconcelos.


«Painel

Num cerro do Marão

Estranha luz meus olhos deslumbrou;

E em corpo de lembrança divaguei

Além dos horizontes,

E toda a pátria terra percorri,

E o mar e o céu azul,

Onde os anjos da velha Lusitânia

Voam como através da nossa fantasia.


Vejo campos elíseos de verdura,

Serras azuis de infinda suavidade;

E a serra do Gerês,

Com os seus altos baluartes esculpidos

A pancadas de chuva e de granizo

E a golpes de relâmpagos.

Vejo rios dormentes,

Misteriosos vales, que se alargam

Em cultivadas várzeas;

Ovelhinhas pastando em místicos outeiros

E pastores tangendo a flauta do deus Pã;

Meda de palha nos eirados,

Velhas choupanas que fumegam;

Sobre o quinteiro, à porta, uma ramada verde,

E, mais em baixo, num recanto escuro,

Uma bica de pedra a deitar água fresca

Num cântaro de barro.


E em lugares sinistros,

Que o medo despovoa,

Arruinados solares, onde habitam

Fantasmas e corujas, quando a Lua

Derrama, na solidão extática das noites,

Não sei que frio alvor e que tristeza de alma.


Praias de espuma e névoa, incêndios de oiro, à tarde,

Entre pinhais, fugindo, desgrenhados,

Na direcção do vento...


E cidades, vivendo protegidas

Por santos tutelares:

Viana e Santa Luzia e Braga e o Bom Jesus,

E Guimarães aos pés dum Pio IX em pedra,

Católica e Romana.


E o Porto de Herculano,

Como Lisboa é de Garrett.

Lisboa em gesso branco, o Porto em pedra escura,

Sobre os abruptos alcantis do Douro;

Esse rio que vem de longe, solitário,

Cobrir-se de asas brancas de navios

E de negros canudos de vapores.

Encostados aos cais, depõem a férrea carga.

Outros, vão demandando a barra e o farolim,

Que dá uma luz - tão triste! - em noites invernosas.


Distante, no poente, esfuma-se uma nódoa

Em verdes tons fluídos que palpitam

Numa névoa indecisa, vaga imagem

Da tristeza do mar pintada em nossos olhos.


Teixeira de Pascoaes


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