«Encantamento
Quantas vezes, ficava a olhar, a olhar
A tua doce e angélica Figura,
Esquecido, embebido num luar,
Num enlevo perfeito e graça pura!
E à força de sorrir, de me encantar,
Diante de ti, mimosa Criatura,
Suavemente sentia-me apagar…
E eu era sombra apenas e ternura.
Que inocência! que aurora! que alegria!
Tua figura de Anjo radiava!
Sob os teus pés a terra florescia,
E até meu próprio espirito cantava!
Nessas horas divinas, quem diria
A sorte que já Deus te destinava!»
Teixeira de Pascoaes in Elegias (1912)
“Sem Poesia não há Humanidade. É ela a mais profunda e a mais etérea manifestação da nossa alma. A intuição poética ou orfaica antecede, como fonte original, o conhecimento euclidiano ou científico. E nos dá o sentido mais perfeito e harmónico da vida. Aperfeiçoando o ser humano, afasta-o do antropóide e aproxima-o dos antropos. Que a mocidade actual, obcecada pela bola e pelo cinema, reduzida quase a uma fotografia peculiar e uma espécie de máquina de fazer pontapés, despreza o seu aperfeiçoamento moral; e, com o seu fato de macaco, prefere regressar à Selva a regressar ao Paraíso. E assim, igualando-se aos bichos, mente ao seu destino, que é ser o coração e a consciência do Universo: o sagrado coração e o santo espírito. Eis o destino do homem, desde que se tornou consciente. E tornou-se consciente, porque tal acontecimento estava contido nas possibilidades da Natureza. Sim, a nossa consciência é a própria Natureza numa autocontemplação maravilhosa. Ou é o próprio Criador numa visão da sua obra, através do homem. E, vendo-a, desejou corrigi-la, transfigurando-se em Redentor.”
Teixeira de Pascoaes, in “A Saudade e o Saudosismo – Dispersos e Opúsculos (1998)
https://comunidadeculturaearte.com/teixeira-de-pascoaes-sem-poesia-nao-ha-humanidade/
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