Mais de três décadas após a queda do muro, Berlim redescobre a marca da cultura homossexual na antiga Alemanha Oriental e o envolvimento da comunidade gay na dissidência em relação ao regime comunista.
Mais de três décadas após a queda do muro, Berlim redescobre a marca da cultura homossexual na antiga Alemanha Oriental e o envolvimento da comunidade gay na dissidência em relação ao regime comunista.
Desde setembro, a capital alemã recebe uma retrospetiva dedicada ao pintor Jürgen Wittdorf (1932-2018). A mostra destaca o surpreendente percurso deste artista, cujas obras homoeróticas eram compradas pelo regime e chegaram a decorar edifícios oficiais.
A exposição recebeu cerca de 20.000 visitantes, um sucesso inesperado para um artista que morreu há quatro anos e foi esquecido após a reunificação.
O público toma consciência da "coragem" que as pessoas LGTBQIA+ tiveram para passar despercebidas na ex-RDA comunista, explica Stephan Koal, um dos curadores da retrospetiva.
A arte de Wittdorf envolvia "acrobacias": mascaradas como imagens do realismo socialista, representações altamente sensuais do corpo masculino, como um retrato de jovens atletas a esfregarem-se no chuveiro, eram trazidas ao espaço público.
Definir-se como homossexual na RDA era tão tabu como noutras sociedades da época, especialmente quando "o regime via a cena gay como uma ameaça", diz Koal.
No entanto, o regime comunista descriminalizou a homossexualidade em 1968, um ano antes da Alemanha Ocidental.
"Os homossexuais eram uma componente importante da contracultura incrivelmente transbordante" na Berlim Oriental, composta por intelectuais, ativistas ambientais, frequentadores de igrejas protestantes, artistas e marginalizados.
Todos eles foram a ponta de lança do protesto contra o poder comunista até a Queda do Muro, a 9 de novembro de 1989.
Para Karin Scheel, diretora artística do Palácio Biesdorf, que acolhe a exposição de Wittdorf, as 250 obras apresentadas são como "um tesouro quase enterrado" que brinca com os limites da censura num Estado autoritário.
O caráter ousado de algumas obras não foi percebido por muitos. Mas, "para quem percebeu, foi sensacional", lembra Wolfgang Winkler, um ex-livreiro de 86 anos que conheceu o artista.
Associado do Departamento de Cultura da cidade de Berlim, homossexual e da Alemanha Oriental, Klaus Lederer elogia os esforços para solucionar o "apagamento" que esta cena vibrante sofreu.
Desde 2021, o Orgulho de Berlim Oriental homenageia os pioneiros LGBTQIA+ que resistiram atrás da Cortina de Ferro. Essa marcha também defende os direitos homossexuais agora questionados em alguns países da Europa Central, como Hungria e Polónia.
A redescoberta da cena gay na antiga Alemanha Oriental também decorre nos ecrãs de cinema, com o recente filme de sucesso "In einem Land, das es nicht mehr gibt" ("Num país que já não existe", em tradução livre).» in https://mag.sapo.pt/showbiz/artigos/um-tesouro-quase-enterrado-berlim-redescobre-contracultura-gay-da-alemanha-oriental
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