«MULHER COM ALZHEIMER SOBREVIVE OITO DIAS NO MATO SEM COMIDA
Maria Adelaide Pinheiro, de 78 anos, foi encontrada com vida, na quarta-feira, num monte, em Brocas, Baião, a dez quilómetros de casa.
Maria Adelaide Pinheiro, ou D. Adelaide, como é conhecida em Carvalho de Rei, uma freguesia em Amarante, esteve desaparecida oito dias e foi encontrada na quarta-feira com sinais de desidratação e ferimentos ligeiros, segundo avança o Jornal de Notícias.
A mulher de 78 anos sofre de Alzheimer e vive acompanhada pelo filho que se ausentou há cerca de uma semana por alguns minutos, tempo suficiente para a mulher sair de casa e se perder na floresta contígua à sua habitação. Esteve oito dias desaparecida.
Maria Adelaide Pinheiro foi encontrada na quarta-feira com alguns arranhões e um hematoma.
Foi levada para o Hospital de Amarante e teve alta ontem, quinta-feira, ao final da manhã.
Durante uma semana, a Adelaide, terá caminhado por entre mato e floresta. Segundo o referido jornal, o filho, Nuno Pinheiro, admite que o instinto de sobrevivência terá levado a mãe a alimentar-se de folhas das silvas e água de pequenos ribeiros.
«Mulher com Alzheimer sobrevive oito dias no mato sem comida
Maria Adelaide Pinheiro, 78 anos, sofre de Alzheimer e esteve desaparecida oito dias. Foi encontrada com vida, na quarta-feira, num monte, em Brocas, Baião, a acerca de dez quilómetros de Carvalho de Rei, Amarante, onde vive com um filho.
Levada para o Hospital de Amarante com sinais de desidratação, a mulher teve alta esta quinta-feira, ao final da manhã. Ao início da tarde, o JN foi encontrá-la sentada à porta de casa, sorridente, na companhia de duas netas.
Durante uma semana, a D. Adelaide, como é tratada em Carvalho de Rei, terá caminhado por entre mato e floresta. Se comeu alguma coisa foi o que a natureza lhe deu, sendo certo que, nesta altura do ano, "não há fruta, nem castanhas", faz notar a neta, Carina Pinheiro. O filho, Nuno Pinheiro, admite que o instinto de sobrevivência tenha levado a mãe a alimentar-se de folhas das silvas e água dos regatos. "Na zona não há outra coisa comestível. Só há giestas, mato, pinheiro e silvas. Por exclusão de partes, não vejo outra possibilidade de alimento que não tenha sido as silvas", admitiu ao JN.
Segundo o percurso reconstituído pela família, Adelaide saiu de Carvalho de Rei em direção ao Marco de Canaveses pela Serra da Aboboreira, aproveitando uma curta ausência do filho. Chegada junto às eólicas de S. João da Folhada, terá convergido para Baião, onde foi encontrada no meio do mato, no lugar de Brocas, sentada no chão, descalça, sem o chapéu que usava à data do desaparecimento e sem a prótese dentária, que ainda não foi encontrada.
O filho explicou ao JN que, apesar da doença, a mãe tem momentos de lucidez. Porém, sobre o sucedido "não fala, nem é clinicamente recomendável". "Ainda assim, houve quem atrevidamente lhe tivesse feito perguntas, ela limitou-se a chorar", conta.
«Autoridades procuram mulher desaparecida em Amarante há vários dias As autoridades policiais e os bombeiros procuram desde sexta-feira uma mulher de 78 anos desaparecida na quarta-feira, na freguesia de Carvalho de Rei, Amarante. Na sexta-feira, foram acionados os Bombeiros de Amarante para as buscas, mas as operações não tiveram sucesso, disse à Lusa o comandante da corporação. No domingo, os Bombeiros de Baião, equipas cinotécnicas e guarda montada da GNR juntaram-se às operações e percorreram a Serra da Aboboreira, mas as buscas foram interrompidas pelas 12 horas, novamente sem sucesso. As buscas estão hoje a ser efetuadas pela GNR, tendo sido alargado o perímetro da operação. De acordo com fonte dos bombeiros, a mulher sofrerá de Alzheimer.» in https://www.jn.pt/local/noticias/porto/amarante/interior/autoridades-procuram-mulher-desaparecida-em-amarante-ha-varios-dias-9316781.html
«Capuchinhos: Faleceu frei Avelino de Amarante Lisboa, 22 mar 2018 (Ecclesia) – A Ordem dos Frades Menores Capuchinhos informa que faleceu frei Avelino de Amarante, esta quarta-feira, 21 de março, e a Missa Exequial é hoje, às 14h30, na igreja da Paróquia do Amial, na Diocese do Porto. Na nota enviada à Agência ECCLESIA, os Capuchinhos informam que a Eucaristia vai ser presidida por D. António Augusto Azevedo, bispo auxiliar do Porto. Após a celebração Exequial, frei Avelino de Amarante vai ser sepultado no jazigo da ordem religiosa no cemitério de São Cosme em Gondomar. O sacerdote entre 1993 e 2001 foi Capelão do Hospital de Oncologia do Porto e destaca-se também que foi escolhido como Ministro Provincial dos Capuchinhos em Portugal, eleito no capítulo a 27 de maio de 1987. No seu sítio online os Franciscanos Capuchinhos recordam que Carlos Fernandes Pereira de Carvalho nasceu na freguesia da Chapa, Concelho de Amarante, a 16 de maio de 1931, entrou no seminário a 3 de janeiro de 1944 e nos primeiros votos religiosos, a 15 de agosto de 1947, escolheu o nome de Avelino de Amarante. Foi ordenado sacerdote na igreja do Carvalhido, no Porto, a 2 de fevereiro de 1954 tendo presidido à celebração o então bispo da diocese, D. António Ferreira Gomes.» in http://www.agencia.ecclesia.pt/portal/capuchinhos-faleceu-frei-avelino-de-amarante/
«Joaquim Leite de Carvalho e Augusto Vicente da Cunha Brochado Não é fácil tarefa traçar os perfis d'estas duas individualidades amarantinas. Para isso, e para ser justo, seria precizo exceder a forma uzual, o que parceria proposito louvaminheiro; e porque muitos no louvor veriam cauza de mesquinho interesse, não o fazemos, e nem do nosso louvor precizam. Todos os amarantinos, ao falar do seu hospital e asylo apontam os nomes dos nossos retratados. A sua obra ahi está; obra que sintetiza em si abnegação, altruismo e inquebrantavel persistencia no campo da utilidade. São uteis, são filantosopos, são bons, e a bondade é e será sempre o mais nobre predicado da alma, a maxima virtude.» in Agenda - Almanach, de Amarante para 1917.
"Caminhante sobre o mar de névoa" - Caspar David Friedrich
«Manuel, o Viajante...
O
Manuel “Viajante” era um homem que, na sua profissão, corria grande parte do
norte e centro do país, a representar comercialmente produtos de uma grande
empresa de produtos alimentares, o que lhe deu, muito mundo. Conferiu-lhe uma
mundovisão que, para a aldeia em que vivia em meados dos anos oitenta, lhe
permitia ter uma visão das coisas muito mais alargada. Em suma, horizontes mais
abertos. Naquele tempo, ao que me recordo, só os «retornados» portugueses, recém-chegados
das ex-colónias portuguesas, tinham uma perspetiva das coisas mais avançada,
para um país que, mormente no seu interior, estava ainda muito fechado na
concha que o Estado Novo criou nas pessoas, nos lugares, nas mentalidades,
ainda muito herméticas, cinzentas e anquilosadas.
A
nossa nação tem bem vincada na sua história, uma tradição de explorar mares,
ilhas, continentes, de busca permanente de novos horizontes. Afinal, fomos
sempre um pequeno retângulo que funcionou como base de partida de marinheiros, que
sequiosos de infinito, se lançaram em pequenos e frágeis barcos, explorando
todo um Mundo, ainda desconhecido para todos, mas vasto de oportunidades de
expansão da sociedade que então representávamos, com os nossos ideais
sociopolíticos e valores fundamentais.
Igualmente,
no auge do apertilho de desesperança da ditadura que nos cerceou o
desenvolvimento, para que naturalmente a brava nação lusitana está destinada,
afinal, sempre demos novos mundos ao mundo; espalhamo-nos por essa Europa fora
e fomos, mais uma vez, decisivos na reconstrução de um velho continente esfrangalhado
por duas grandes guerras e refém do medo que se impôs no decorrer da denominada
«Guerra-fria». As vastas comunidades de portugueses espalhadas pelos
continentes europeu e americano, são reconhecidas de forma abrangente como
molas dinamizadoras da economia e socialização “positiva”, bem ao invés do que
se passa com imigração originária de outras latitudes, mais “explosivas”.
Neste
contexto, numa aldeia do interior de Portugal, poucas pessoas tinham essa
dimensão expansionista, ao nível das mentalidades, como o Manuel. Assim,
tratava-se de uma pessoa muito ouvida e respeitada pelos locais. Destacava-se
pela capacidade de comunicar, pela forma cuidada como se vestia, num meio eminentemente
rural, em que essa forma de ser e de estar, eram a exceção, muito longe de ser
a regra. Casado com Flora, uma moça oriunda de uma família humilde, mas uma
excelente rapariga em termos humanos, tiveram três filhos: João, Florbela e
Ana, por esta ordem cronológica. E viviam felizes, no seu pacato lar, mas
Manuel passava praticamente toda a semana fora de casa, devido à grande
extensão territorial que tinha que cobrir na sua atividade comercial, numa
época em que ainda não tínhamos autoestradas.
Claro
está que Flora desconfiava, afinal eram muitas as noites a cismar na sua vida.
Às vezes apetecia-lhe ligar para o Manuel, sentia falta de ouvir a sua voz, um
homem que falava de tudo com muita facilidade, com uma fluência de discurso
admirável. Ainda não havia telemóveis e o telefone era um luxo que, eles tinham
em casa, mas que só se usava em último caso; ouvia-se o seu toque quase sempre
quando havia uma fatalidade: uma tia que morreu, um acidente de um familiar e
por aí fora. Quando Manuel planeava as suas saídas, usava o aparelho para
contatar os seus clientes comerciais, por isso, para ele, o telefone
ultrapassasse em muito o uso doméstico, raro naquela altura, até porque era um
bem caro. No meio disto tudo, Flora começava a desconfiar do regresso cada vez
mais tardio de Manuel que, a partir de certa altura se começou a restringir aos
Domingos. Manuel justificava-se com o facto de estar a conquistar clientela
cada vez mais a sul e que tinha que aproveitar a maré de crescimento da sua
carteira de clientes. Certo é que nada faltava em casa, cada vez havia mais
dinheiro; mas, para Flora, faltava cada vez mais o Manuel…
Entretanto,
os piores receios de Flora confirmaram-se. No seu mister e de uma maneira geral,
Manuel era um sedutor, a sua profissão passava por essa capacidade de atrair
pessoas para os seus interesses, tratava-se de um daqueles comunicadores que
hipnotizavam os seus interlocutores, tal como uma serpente encanta a sua presa
de forma a que ela se renda aos seus encantos. Assim, lá para os lados de
Aveiro, Manuel tinha iniciado um relacionamento sério com Joana, vinte anos mais
nova do que ele, uma empregada de uma firma com quem mantinha negócios. Já
tinham inclusive um filho de cinco anos, o Miguel e, como é lógico, o seu foco
amoroso tinha mudado de latitude. Flora começou a ficar mais desconfiada com as
respostas de Manuel, cada vez mais evasivas e com as suas visitas, como as de um
médico, pois quase já só vinha a casa para trazer mudas de roupa e pagar
contas.
Manuel
alugou um apartamento onde vivia parte da semana com Joana e o pequeno Miguel, mantendo
assim duas casas sobre a sua custódia. Flora já muito intrigada, começou a
investigar nas papeladas que Manuel trazia na carrinha de trabalho e lá
encontrou uma fatura de luz, com uma morada em Estarreja em nome do seu marido.
Numa dada segunda-feira, partiu de comboio com destino à morada acima referida
e, quando lá chegou, bateu à porta, tendo sido atendido por uma jovem mulher
muito bonita. Era a Joana que, foi muito amável, convidando-a a entrar. Quando
Flora lhe explicou o motivo da sua visita, Joana começou a perceber quem era
realmente esta mulher simples, mas determinada que, inopinadamente, lhe bateu à
porta. Pouco tempo depois, as duas mulheres choravam agarradas uma à outra e
entenderam-se, perdoando-se mutuamente. Esperaram as duas que o Manuel entrasse
em casa, o que foi um autêntico balde de água fria para este; de repente, o seu
Mundo inteiro desabou…
Foi
confrontado de forma franca por Flora e Joana, para uma escolha decisiva que
teria que tomar. Havia que optar definitivamente por uma casa ou por outra, não
deixando de assumir todas as suas responsabilidades, em ambos os casos. Optou
pelo mais óbvio. Ficou com Joana, conferindo o divórcio a Flora que, exigiu
tudo a que tinha direito e a proteção dos direitos dos seus filhos, mas nunca
ignorando os direitos de Flora e do seu filho, que jamais ignorou.
Com
o decorrer do tempo, Manuel foi ficando mais velho, doente e sentiu que Joana
já tinha outros interesses divergentes, um amante, afinal a diferença de idades
tendia para isso, era inevitável. Tratava-se de um filme já muito rodado e com
final facilmente antecipado. Manuel ficou doente, foi posto de parte e sentindo
que a morte se aproximava foi visitar Flora e os seus filhos. Perante o drama
de um homem em desespero e desamparado, foi aceite de novo pela ex-mulher e
pelos filhos. Só perante a impotência da falta de saúde e às portas da morte,
Manuel recebeu, talvez, o maior ensinamento da sua vida… quem ele
perentoriamente abandonou, foi quem o acolheu no leito de morte, com o
aconchego que só uma verdadeira família sabe proporcionar. Manuel teve duas
famílias, mas só uma o foi na verdadeira aceção da palavra… há viagens na nossa
vida que não devemos fazer sob pena de nos perdermos… há mar e mar, há ir e
voltar.» in http://birdmagazine.blogspot.pt/2017/07/manuel-o-viajante.html
Na aldeia, nos finais do mês de abril,
pela década de setenta, começava um frenesim muito particular, nestas terras de
entre douro e minho. O povo que costumava fazer a peregrinação anual a Fátima
num ritual que, muita gente de então, iniciava fazendo preparação para a mesma.
Primeiro, tratava-se de arranjar alguém que desse apoio de carro, ou,
preferencialmente, de carrinha, aos diferentes grupos e/ou famílias. Uma ou
duas carrinhas, quase sempre as típicas Bedford de caixa fechada, muito difundidas
na época, eram uma preciosa ajuda para o transporte de carga e mantimentos
suficientes para a viajem e um conforto para o descanso dos peregrinos, embora
alguns ficassem ao relento, em locais cobertos, particulares ou públicos, tais
como aquedutos, estações de camionagem, estações de serviço e por baixo de
pontes, arrecadações e alpendres agrícolas com permissão dos respetivos donos,
entre outros.
Entre estes, havia o João da Nora que, foi
sempre um homem bastante preguiçoso, mas com proporcional quantidade de
curiosidade. O avô dele tinha sido um dos peregrinos que, em outubro de 1917 na
Cova da Iria, assistiu ao alegado milagre do sol. João passou a infância a
ouvir relatos do avô sobre essa epifania. Considerou sempre aquela história
pouco credível, mas viveu igualmente com aquele sentimento ambivalente de,
simplesmente não acreditar, mas ao mesmo tempo, com a esperança remota de que
qualquer coisa de sobrenatural pudesse acontecer. Andou de ano para ano, desde
adolescente, com esta preguiça enturpecedora que se misturava com uma
curiosidade quase doentia de saber se acontecia em Fátima algo de paranormal.
Ademais, como era muito avarento, andava sempre a tentar saber qual era o grupo
que levaria mais alimentos e que reuniria melhores condições para uma
peregrinação o mais confortável possível e que fosse para ele mais proveitosa,
monetariamente falando em termos de custos. Claro que, já todos na aldeia o
conheciam e como se tornava chato por alturas da peregrinação à Cova da Iria, pelo
que fugiam quanto podiam dele.
Por alturas dos quarenta anos, João andava
desanimado com a vida. Nunca tinha casado, nem sequer namorado, graças à sua
fama de avarento, de chato, de coscuvilheiro e de tudo o mais que corria na
aldeia acerca dele. Então, depois de muito cismar uma noite, decidiu que iria
empreender a grande aventura, nesse ano, em 1967. Sim, João Romeiro, ia acabar
de vez com a sua curiosidade, ainda mais que Paulo VI viria a Fátima nesse ano,
a sua curiosidade de experiências com o Sagrado estava ao rubro. Para João algo
ia acontecer em Fátima, uma epifania, um crime, qualquer coisa de especial.
Acreditava piamente no que lhe tinham contado numa feira de gado há uns anos:
um dos segredos de Fátima que a Irmã Lúcia guardava, passaria pela morte de um
Papa em Fátima e que Deus como castigo, iria despoletar o fim do mundo através
do fogo. Dizia João que quando foi com Noé, o Mundo acabou pela água, agora
Deus mudaria de sistema e queimaria tudo pelo fogo. Deus faria da terra um
autentico inferno, para redimir os pecados dos homens, que foram de tal forma
que, nem o seu representante na terra, o Papa, foi respeitado pela maldade dos
homens, que derivaram para comportamentos desviantes e costumes mais conformes
com as intenções do Demo que, com as Leis de Deus...
Chegou a data da partida, os peregrinos da
aldeia iam caminhar durante cerca de oito dias, por etapas de distância máxima
de 40 Km por dia. Ia ser uma semana dura, que apelava a todas as forças
humanas, fisicas e psicológicas, daquelas pessoas que iriam empreender tão
nobre jornada. O João, no primeiro dia até Paredes, lá para os lados de Baltar,
ainda se foi aguentando, mas na segunda etapa até Vila Nova de Gaia foi o bom e
o bonito. Ele, preguiçoso como era, não realizou a preparação prévia, umas
caminhadas que o grupo ia fazendo aos fins do dia e aos domingos, para preparar
o corpo para tão grande esforço. O homem só chorava de dores de pernas e dos
pés, com bolhas e a sangrar, de tal forma que, com pena dele a tia Arminda do
Olival Velho, se ofereceu para lhe aquecer água e tratar das feridas dos pés.
Como ele muito se lamentava, deu-lhe uma malga de caldo verde e fez-lhe um chã
para ele dormir melhor. Mas, os dias seguintes foram penosos, o João não
aguentava as dores e tinha que parar muitas vezes. O grupo foi sempre solidário
com ele, os homens mais fortes até o chegaram a levar às costas, em alguns
troços de estrada mais penosos, principalmente nas subidas. De resto, ia sempre
amparado por uns dos homens mais pujantes do grupo.
Dia 11 de maio de 1967, uma quinta feira
cinzenta e a ameaçar chuva que já os tinha encharcado várias vezes pelo
caminho, obrigando-os a embrulharem-se em plásticos, chega o grupo à Cova da
Iria, Santuário de Fátima, totalmente invadido por peregrinos que eram
originários de todos os lados do País e estrangeiro. João deitou-se no chão a
chorar, os colegas ajoelharam-se, todos sentiram a enorme emoção do dever
cumprido, choravam como crianças. Armando das Cortes, o mais experiente e líder
deste grupo, abraçou-se a João e disse-lhe, repetidamente: “Vês Homem de Deus o
que vale a Fé!!! Alguma vez te tinhas sentido assim, tão rico e tão pobre, tão
alegre e tão triste, tão grande e tão pequeno; é isto a Fé, eis o milagre que
já sentiste e que sentimos todos, uns de uma forma, outros de outra, mas jamais
esqueceremos esta experiência individual e coletiva…”
Claro está que, foram umas cerimónias espetaculares,
ainda para mais coincidindo com a visita a Portugal do Papa Paulo VI e nas
cerimónias dos cinquenta anos das aparições, tudo encantou João. Parecia-lhe
que, naqueles dias, tinha vivido pela vida toda. De certa forma, encontrou o
segredo da vida, pelo menos para si. O João mudou, a prova de solidariedade que
o grupo lhe prestou, em circunstâncias tão difíceis, foi decisiva para libertar
um homem que só vivia de intriga, de avareza, sem Fé em si próprio e em
qualquer religião. Tratava-se de um homem vazio, pior que isso, um homem que
não acrescentava nada a ninguém nas relações humanas, o seu verdadeiro desígnio
era a inveja, esse sentimento ignóbil que assola a humanidade em grande escala.
Entretanto, na peregrinação tornou-se próximo da Rita do Vale, uma solteirona
da aldeia, boa rapariga e plena de virtudes. Casaram e tiveram gémeos, dois
herdeiros cheios de saúde e de encanto, o verdadeiro orgulho daquele casal,
outro milagre que os abençoou.
Em suma, numa peregrinação, assim como na
vida em geral, não importa se somos católicos, budistas, islamitas, agnósticos,
ateus… o que conta é aquele momento da chegada a um qualquer destino traçado,
com uma intenção do Bem... uma descoberta interior, o Amor que sentimos e que
podemos partilhar. Só faz sentido acreditar em projetos de Amor, não
patrocinemos, crenças baseadas no ódio e da morte… isto tudo a propósito da recente vinda do Papa Francisco I a Fátima e do abominável ataque terrorista em Manchester...» in http://birdmagazine.blogspot.pt/2017/05/joao-o-romeiro-desconfiado.html
José Cid- "O Fado De Nossa Senhora" "O Fado de Nossa Senhora José Cid
Perguntei a uma velhinha Se já tinha amado alguém E a velhinha respondeu Amei, como uma rainha E sofri como ninguém Ninguém amou como eu Depois sentei-me com ela Nos degraus duma capela E ela prosseguiu então -Se amares alguém, tem cuidado Que amar pode ser pecado Ou talvez a redenção O amor é uma miragem Pode aparecer-te num pagem Ou transformar-se em algoz Pode aparecer-te em pastor Ou ser Deus nosso senhor Que morreu por todos nós. Depois de me aconselhar A velhinha, coitadinha, Despediu-se e foi-se embora E eu tenho estado a pensar Se aquela linda velhinha Seria nossa senhora!"
Bem sei que o termo feiticeira fica muito melhor, sendo até literáriamente mais sedutor, mas nas nossas aldeias de Entre Douro e Minho, pelos anos oitenta e noventa do século passado, o termo era mesmo: “bruxa”. Em quase todas as aldeias, havia uma mulher, predominantemente, estes seres estranhos, com poderes do Além, eram do sexo feminino e de meia idade, com um putativo dom: tinham a “morada aberta”, como se costumava dizer. Qualquer mal de amor, de dinheiro, invejas, doenças, era passível de ser resolvido por Lina, a bruxa local. Estes seres que vestiam o papel destas personagens, tinham características muito próprias, idiossincrasias singulares. Deveriam, preferencialmente, ser pessoas muito curiosas, conhecer muita gente, ter uma vasta rede de contatos, de relacionamento fácil e espontâneo. Existia algo de comercial naquele mister, como se costuma dizer, era preciso muita lábia, dotes quase que de encenação teatral, para compor tão complexa figura.
Certo dia, um lavrador da freguesia começou a ter problemas com o seu gado, que ele tão zelosamente cuidava e estimava. Começou por lhe morrer o porco de criação, um mês depois morreu uma vaca leiteira bastante produtiva, passado uma semana deu uma desinteria tal aos coelhos, que foram cerca de vinte à vida. A seguir foram os frangos, galos e galinhas que começaram a tombar como tordos. Tónio das Bouças, como era conhecido localmente, andava triste como a noite, muito abatido e calado. Começou a ver a sua vida a andar para trás, o gado era muito importante para a sua economia familiar, fundamental no sustento da sua família, que estranha maldição o teria atingido, dizia para os seus botões; a sua vida ia de mal a pior. Tónio, não tinha motivos para sorrir, nem para andar de cabeça levantada, a sua vida estava na lama, num estado de desesperança tal que, nada o conseguia animar.
Num dado domingo, foi à missa e todos os amigos lavradores o tentaram animar, pois já constava na freguesia o infortúnio que tinha assolado a vida de Tónio. Um primo que estava mais afastado do ajuntamento, o Zé do Alto Seco, chamou-o à parte onde se encontrava também a sua senhora: “Tónio tu estás com mal de inveja, alguém te deitou olho gordo, acredita no que te digo”. Então, num tom muito sério, a mulher, a Milinha do Alto Seco, acrescentou: “Oh primo você não devia estar a partilhar o seu azar com essa malta, sabe lá se não foi um deles que lhe rogou a praga”. O Tónio continuou a escutar, entre um sentimento de espanto, de mistério e de medo e, de repente, retorquiu: “Oh prima mas isso é possível, assim só com um olhar, dar cabo da vida de um homem…”. A Milinha riu-se e desafiou-o logo de seguida: “Nós vamos levá-lo a um sítio onde vai ficar a saber tudo e como vai poder resolver isso, são coisas do tinhoso”, finalizou ela, a inveja aqui é muita. Assim depois de combinarem tudo, foram, passados três dias a um local ermo na freguesia vizinha, a casa de Adelina a Bruxa, onde chegaram já de noite, era inverno e escuro, um local mesmo inóspito e assustador.
Não foram o primeiro casal a chegar, aguardaram numa sala escura, com pouca luz, tal como a casa toda, esperando com angustia a sua vez. À frente dele estava um casal com uma filha adolescente, com umas grandes olheiras na sua cara pálida, como as casas caiadas, que tinha supostamente, incorporado o demo, segundo os pais estavam a contar a outro casal. Tinha ataques brutais, convulsões, esperneava-se, urinava-se, vomitava, até a sua voz mudar e começar o tinhoso a falar por ela. Era verdadeiramente possuída por um espírito do mal, que incorporava naquele ser frágil, manifestando toda a sua fúria e maldade naquela rapariga escanzelada e enfraquecida. Os pais correram os médicos todos, foi-lhe diagnosticada uma epilepsia. Mas com os medicamentos foi sempre piorando, só a Adelina lhe conseguiu dar algum sossego, com as suas sessões de pseudo-espiritismo. No atendimento a Tónio, na parte da tal incorporação de espírito, a Adelina corada e a falar com uma voz estranha concluiu que um vizinho o invejava muito e que teria que realizar determinados procedimentos, para reverter a sua sorte. Em transe, Adelina repetiu muitas vezes a seguinte lenga lenga: “vai-te espírito da inveja, nas alminhas arderá o teu mal para que se veja”.
Assim, o Tónio teve que levar um coração de cada tipo de animal que morreu e colocá-los com velas a arder, nas alminhas da estrada nova. Segundo Arminda, tal iria livrar o Tónio da má sorte e passar a maldição para quem a lançou previamente. Era noite escura, o Tónio saiu com as amostras de carne e levou-as às alminhas, colocando as velas a arder. Um espetáculo tenebroso e diabólico que assustou os poucos vizinhos e as pessoas que por ali passaram altas horas da madrugada, que conseguiam assistir aquele fogo intrigante e sinistro, uma cena do Inferno, dantesca. O lume iluminava a cruz das alminhas, provocando um efeito bastante perturbador. Passaram uns meses e a vida de Tónio regressou, paulatinamente, à normalidade, os seus animais deixaram de morrer e a sua vida começou a prosperar como nunca… houve um lavrador vizinho que, ao que constou na aldeia, começou a ter problemas com o seu gado, assim de repente… do nada!
Foi conhecido também, o caso de uma jovem que, ao que parece, gostava muito de um rapaz e que estariam já até com planos de constituir família, de se casarem. Inopinadamente, o rapaz deixou a rapariga e fugiu com uma amiga da namorada, a Rita da Eira Velha. Os primeiros eram a Teresa do Alto e o Joaquim da Presa. A Teresa entrou num estado depressivo de tal forma que não falava com ninguém, não conseguia dormir, não tocava em comida e passava os dias prostrada numa tristeza que a invadiu, até às profundezas da sua alma. Os seus pais, o Manel e a Maria do Alto, não sabiam o que mais fazer para aliviar o sofrimento da sua filha, pois esta não respondia a qualquer estimulo exterior. Teresa passou a viver num estado de torpor e com uma astenia angustiante. Parecia que viver já não fazia sentido, morrer seria a única saída deste malogro em que a sua vida se tornou, desaparecer do mundo dos vivos era quase que uma libertação para aquela Alma sofredora.
Os seus pais, muito católicos, estavam relutantes em socorrerem-se dos serviços espirituais de Arminda, mas perante o crescente definhar da sua filha, foram à casa desta, numa tentativa desesperada de resolverem os seus problemas. Adelina, ouviu a história e rapidamente concluiu que fizeram um serviço ao Joaquim, de tal forma que este transferiu todo o interesse e amor que tinha por Teresa, para a Rita de Eira Velha. Entrou novamente em transe e mudando o seu registo de voz, para algo mais diabólico, repetiu várias vezes a seguinte cantilena: “Mau serviço embruxado carrega o coração do Quim para este lado!”. A tarefa a desenvolver a seguir seria arranjar um coração de um jovem recentemente morto, espetar-lhe vários alfinetes e colocá-lo em frente ao quarto da Rita de Eira Velha, durante uma noite, com velas a arder rodeando o sinistro objeto de uma espécie de ritual quase… satánico.
Decorreu um mês, morre na aldeia um rapaz de vinte e poucos anos que teve a infelicidade de cair numa obra onde trabalhava, e, passados poucos dias das suas cerimónias fúnebres, o Manuel e a Maria do Alto, pediram ajuda a alguns familiares para profanar e o túmulo e retirar o coração ao morto. Num espetáculo digno de um filme de terror, lá foram com candeias iluminadas, no escuro da noite, começaram a cavar e, finalmente, retiraram o coração ao rapaz. No entanto, na penumbra da noite, facilmente foram avistados pelos casais mais próximos, que vieram com enxadas e forquilhas e correram em direção aos profanadores e lhes atiraram pedras, agrediram à varada e sacholada. O coração foi recuperado e os primeiros, além de ficarem maltratados, foram censurados, enxovalhados e humilhados por toda a freguesia, durante muitos anos. A Teresa continuou doente até morrer precocemente, enforcou-se na adega dos pais, provavelmente com uma depressão que nunca foi diagnosticada, quanto mais tratada…
Esta realidade foi muito comum nos meios rurais, nas décadas de oitenta e noventa do século passado. Era normal assistir a grandes concentrações de automóveis em frente das casas destas curandeiras rurais, foi uma altura de grande atividade, não diria espiritual, porque isso é uma verdadeira ofensa ao verdadeiro Espiritismo, que respeito; mas antes de charlatanice espiritual… fizeram-se autenticas fortunas, à custa do infortúnio de muita gente humilde e de boa fé. E foi um fenómeno verdadeiramente transversal e interclassista, pois atravessava todas as classes sociais. Para cumulo, alguns padres da igreja católica entravam em encenações de cerimoniais de falsos exorcismos, quando as pessoas estavam era gravemente doentes e frágeis a nível mental. Afinal, era fácil ver um demónio num doente com convulsões e ataques de pânico. Perguntar a um esquizofrénico que, não se tratava, se falava com o diabo, ou com os demónios, era muito provável ter um feedback positivo. Achava piada, designadamente, quando ouvia dizer que uma verdadeira bruxa não levava dinheiro, dado que, no final, contas bem feitas, as pessoas deixavam muitas centenas de contos em oferendas e donativos monetários, ficando, muitas vezes, completamente arruinadas… no entanto, ainda bem que, por crença ou pelos mistérios insondáveis da nossa mente, muita gente se sentiu curada por estes processos, no mínimo, de dúbia intenção…» in http://birdmagazine.blogspot.pt/2017/04/adelina-bruxa.html
AUREA - "THE WITCH SONG" - (Live @ Lisbon Coliseum)
"The Witch Song Aurea I'm a witch of a quite refined taste It is hard to please my burning heart Plenty of men have attempted but not even one succeeded They keep trying night and day, what a waste ... Some bring flowers other smiles gifts of all the types And they say "I can´t resist your haunting charms" All them thinking all them dreaming All them wishing begging for a minute of my shining smile But sometimes I get fed up of this routine kind of life I´m surrounded by a million kind offers But I really want to say, that I don´t want it Leave me alone, just leave me alone ´cause I see a light bolt And there is nothing you can do to escape I´ll cut off your little legs And chop off your tiny hands While you beg for a second of rest ´cause I see a light bolt And there is not much you can do to run away ´cause I will turn your life into a hell! There are men thinking they are so romantic And they do their best trying to impress But not a single one would wait for me After I show my collection of hearts Sometimes I feel sad, and nothing cheers me up. I´m surrounded by a million kind offers But I really want to say, that I don´t want it Leave me alone, just leave me alone Cause I see a light bolt And there is nothing you can do to escape I´ll cut off your little legs And chop off your tiny hands While you beg for a second of rest Cause I see a light bolt And there is not much you can do to run away Cause I will turn your life into a hell! That day will come when I dance in the sky You hold my hand while all the birds fly. That day will come and I knew that you love You kiss my lips and do other things too. What is this music here? No! I see hahahah a light bolt And there is nothing you can do to escape I´ll cut off your little legs And chop off your tiny hands While you beg for a second of rest Cause I see a light bolt And there is not much you can do to run away Cause I will turn your life into a hell!"
(Nem só no Tâmega haviam as lavadeiras típicas de Amarante, também aqui, na Antiga Rua de Seixedo, na Ribeira de Real que passa por debaixo do Edifício Santa Luzia, que nasce em Telões, se lavou muita roupa suja... nesta fotografia, a saudosa Mãe do meu Amigo, Fernando Gil)
O Vitorino, mais conhecido na freguesia por Pancas, ou também
Pancadão, viveu em Fregim, no lugar do Calvário, assim chamado por se situar próximo
da igreja local, quase no cimo de um pequeno planalto, no topo de uma rampa
curta, mas íngreme, e, foi o coveiro das paróquias de Fregim e de Louredo
durante alguns anos, nas décadas de setenta a oitenta do século XX.
O coveiro rural foi desde sempre uma personagem muito útil para qualquer
freguesia, pois prestava um serviço que muito poucos desejavam realizar, devido
a uma carga excessivamente negativa associada à sua função, pois lidar com a
morte e com os mortos de uma forma tão direta, como abrindo covas, enterrando
mortos e fazer a manutenção de um espaço tão sinistro, como um cemitério, não era para qualquer
um. Ainda mais que, muito dos cemitérios das aldeias do nosso Portugal, estavam
situados em locais ermos, o que contribuía para adensar a aura de terror,
bruxaria e de medo, a que este mister era então associado.
Desta forma, era natural que os coveiros das freguesias
fossem homens com idiossincrasias muito próprias, geralmente alguém que ficou
aleijado ou estropiado e que não pudesse ter outra ocupação, e, normalmente, eram
pessoas que bebiam muito. A partir de uma certa idade, este foi então o destino
de Pancadão, pelos dois motivos acima assinalados e demais circunstâncias da
vida, que não cabe aqui referir.
Como sabemos, o álcool foi durante muitos anos a “droga” do
povo em Portugal que, vivendo em condições muito difíceis, encontrava na bebida
uma forma de alienação, de fuga momentânea da realidade dura e cruel que
assistiu a muitas almas, nas suas vivências inexoravelmente duras. Vitorino
sempre acompanhado da sua motorizada bastante velha e amassada devido a tombos
constantes e funcionamento intermitente resultante de um uso inapropriado,
apanhava bebedeiras apelidadas, de, desculpem a redundância tratando-se de um
coveiro, de caixão à cova. A sua mota era já indissociável dele, pois, mesmo bêbado como um "cacho", sempre em primeira com a motorizada a fumegar, esta lá o levava sempre ao cimo do calvário.
Quando já estava bastante ébrio, costumava repetir à exaustão
uma expressão que ouviu, segundo ele, num debate televisivo entre Mário Soares
e Álvaro Cunhal – “isso são dois casos”. Portanto quando ele bebia nas tascas
locais, era relativamente frequente existir um grupo de homens a puxar conversa
com ele, só para testemunhar a forma como ele repetia e adaptava às diferentes
situações, a referida expressão. Muitos, quando o avistavam, metiam-se com ele
dizendo frases do género: “Hoje já vou ter azar, já vi o coveiro…”. Este, muito
calmamente e impondo um tom mais solene, mas simultaneamente coloquial, na atitude e na frase, lá
lhe respondia: “Isso já são dois casos: primeiro porque me viste, sinal de
sorte porque eu estou ainda vivo e a beber uma boa pinga e segundo, porque
ainda sou capaz de te enterrar hoje, pois para morreres basta estares vivo
também, ainda mais com sede, porque não bebes como eu… cuida-te, vai-me dar
prazer mandar-te terra para cima, vais secar rápido!”.
Um belo dia, num final da tarde, estavam todos na tasca a
assistir a um jogo de futebol na televisão, jogava então Portugal e todos
berraram de forma uníssona: “Penalti!”. Todos menos o Pancadão que, depois se
todos se calarem e acalmarem, lá proferiu a sua sentença: “isso já são dois casos, primeiro
é preciso ver se o jogador caiu devido ao empurrão do outro; segundo é preciso
ver se não caiu de fraqueza…”. Era a risota geral, pancadão tinha sempre duas
formas de analisar as coisas, duas visões dos factos, muitas vezes contraditórias, outras,
complementares. Noutra situação, no decurso de um funeral, deu-se o caso da urna não estar a entrar no jazigo, por ser grande e então, os homens que estavam a auxiliar o coveiro, com uma machada, cortaram os pés da urna para ser possível que a mesma descesse. Vitorino, algo contrariado lá aventou: isto são dois casos, por um lado a urna entrará, mas por outro lado, acordaram o morto e ele vai atormentar os vivos que não o deixaram descansar...
Se o queriam ver mais zangado era dizer-lhe que, quando ele
morresse, ninguém quereria enterra-lo no cemitério, pois ele tinha um pacto com
a morte e ninguém estaria para amaldiçoar o cemitério. Ele logo mais irritado
dizia: “isso são dois casos: primeiro porque eu falo todos os dias com os
mortos e eles querem-me lá, já estão habituados a mim; segundo porque mesmo
depois de morto vou andar de noite, quando vocês todos estiverem a dormir, a atormentar os
vossos sonhos, enquanto trato do cemitério; até festas lá irei organizar, só
podem ir os mortos, pois os vivos que aparecerem, morrerão de susto, imediatamente, tal a algazarra que vamos lá fazer, nos dias de festa e não só…
tenham cuidado, ao passarem no cemitério de noite, quando eu lá estiver, dizia
o Pancadão".
Havia na freguesia um grupo de rapazes que um dia quis pregar
um susto ao Pancadão, no cemitério, num fim de tarde de Inverno, quando já era
escuro como breu. Sabiam que ele andaria por lá, pois a velha motorizada,
estava encostada ao muro do local, e, então, colocaram lençóis brancos e velhos
que trouxeram de casa, como combinaram previamente e puseram-se a correr e a uivar. O
pancadão que de parvo, não tinha nada, riu-se e decidiu meter-se na cova que
tinha acabado de abrir e deitou-se, com um candeeiro a petróleo de uma campa e
um cartão de tapar a motorizada. Estava deitado e quieto fingindo-se de morto. A
rapaziada quando se cansou, foi tentar ver o que se passava com o Pancadão,
pois este, aparentemente, não reagia. Quando o encontraram na campa deitado,
ficaram assustados, pensando que o tinham morto de susto. Espreitaram de fora
da campa térrea e viram o pancadão deitado e imóvel. De repente,
inopinadamente, este com o isqueiro incendeia o cartão regado de petróleo que tinha por cima do
seu corpo e levanta-se a correr e a gritar muito: "Morte, Morte, Morte!". Um
dos rapazes esteve dois dias de cama, quase em coma, devido ao susto que apanhou, não conseguia comer, nem ver
ninguém, quase morrendo de pânico… Este e muitas outras figuras populares, como ele, com o seu mister, deram um toque distinto a este personagem
tão peculiar nas nossas aldeias: o coveiro rural.
Era um coveiro com cara de difunto Era um coveiro que se chamava Raimundo Raimundo, Raimundo levanta vagabundo Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto
Era um coveiro com cara de difunto
Era um coveiro que se chamava Raimundo
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto
Até as caveiras ja o conheciam
Até as caveiras ja diziam todo dia
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto
Até as caveiras ja o conheciam
Até as caveiras ja diziam todo dia
Raimundo, Raimundo levanta vagabundo
Raimundo, Raimundo chegou mais um difunto
Mais um belo dia Raimundo adoeceu
E de Repente Raimundo morreu
Raimundo, Raimundo bem vindo ao nosso mundo
Raimundo, Raimundo vem pra esse buraco fundo
Mais um belo dia Raimundo adoeceu
E de Repente Raimundo morreu
Raimundo, Raimundo bem vindo ao nosso mundo
Raimundo, Raimundo vem pra esse buraco fundo
E no cemitério Raimundo se enturmou
Pela sua vizinha Raimundo se Apaixonou
Era uma Caveira Alta e desdentada
Pelo tal Raimundo ficou louca apaixonada
Raimundo, Raimundo teu olhar é tão profundo
Raimundo, Raimundo vem fundo vagabundo
E no cemitério Raimundo se enturmou
Pela sua vizinha Raimundo se Apaixonou
Era uma Caveira Alta e desdentada
Pelo tal Raimundo ficou louca apaixonada
Raimundo, Raimundo teu olhar é tão profundo
Raimundo, Raimundo vem fundo vagabundo
E dona caveira que era uma gracinha
Com o tal Raimundo teve várias caveirinhas
Mamãe, Mamãe eu quero mamadeira
Mamãe, Mamãe eu quero mamadeira
Cala a Boca não chateia, não tenho peito sou Caveira
Cala a boca nãp chateia, não tenho peito dou caveira
Estávamos
nos primórdios da década de setenta em Fregim, uma freguesia em que circulavam
muitos carros de bois, em que a tração animal era o forte, numa agricultura
muito pouco mecanizada, até então. Surgia de quando em vez na freguesia o
Queirós de Vila Meã, com o seu trator cor de laranja, um Fiat de linhas
direitas, mais moderno que o David Brown branco, do Carlinhos de Macieira,
único trator que se conhecia em Fregim, a par com o do Sr. Reis da Mosteira,
empregado agrícola na Casa da Pousada, do Sr. Abreu da Tabopan.
E
nós, os miúdos da aldeia, maravilhados com a prodigiosa máquina que tanto veio
facilitar a vida dura dos lavradores, imaginávamos corridas de pequenos
tratores que fazíamos de madeira, a mimetizar os ditos reais. De vez em quando,
quando tínhamos um aniversário, só pedíamos tratores como prendas, tal a nossa
obsessão com aquelas máquinas automóveis com ou sem reboque, que passaram a
fazer parte da paisagem bucólica dos campos e do nosso minifúndio. Os carros de
bois e demais alfaias agrícolas puxadas pela força animal, que ainda conheci,
passaram a ser substituídos nos trabalhos agrícolas ligados, principalmente, ás
vindimas, ao transporte de mato, de lenha, de milho e de centeio, às lavras e
fresas de terras, as lavoiras como então se dizia.
O
barulho do trator passou a fazer parte das aldeias e durante as décadas de oitenta
e noventa, nas freguesias, era um frenesim diário, um vai e vem de tratores que
se espalharam por todo o lado, aumentando a rentabilidade do trabalho e
reduzindo a sua dureza. E viam-se assim carros de mato, mas rebocados por
tratores, pipas de vinho, transporte de uvas, de pasto para o gado, de madeira,
tudo atrelado a essa máquina versátil que percorria campos e montes de forma
versátil e simples, o seu poder de tração tornava-se cada vez mais potente.
Certo
é que morreu muita gente a conduzir tratores, quer por falta de prática para
dominar uma máquina tão poderosa, quer por facilitismo e falta de segurança na
sua utilização. No inicio, poucos desses veículos traziam o atual arco de
segurança de que são munidos, a cabine de proteção e cintos de segurança e como
facilmente capotavam, fruto da orografia das nossas propriedades agrícolas, com
leiras e leirinhas em degrau e montes em autênticas montanhas sinuosas e com
grandes pedras escondidas pelo mato. Por essas alturas, as motorizadas mataram
e entreveram muitos jovens, também trouxeram um ruído característico aos nossos
dias e os tratores levaram muita gente, mais velha. A motorização das aldeias
foi um fenómeno violento nessas duas vertentes: motorizadas e tratores, que
ceifaram muitas vidas e entravarem muita gente, principalmente, jovens. A
condução e manobra destas máquinas sob o efeito do álcool foi outro fator que
propiciou acidentes brutais e estúpidos…
Mas
o impacto na produção foi sentido de forma alucinante. Não era pouco comum,
ouvir tratores a lavrarem e a fresarem de noite, a transportarem uvas para as
adegas desde o nascer do dia, até altas horas da madrugada. Embora o seu número
tivesse crescido rapidamente, o trator não conseguia dar resposta à procura
crescente pelos seus serviços e por via de isso, trabalhavam de dia e de noite.
A agricultura foi paulatinamente precisando de menos mão de obra, pois a
mecanização que esta máquina e suas alfaias aportaram, foi um fator de mudança
demasiado importante, ao nível do insumo e custos de produção, não
negligenciáveis.
E
era ver aqueles corajosos homens de dia e de noite, com o sol quente, ou com
chuva fria e neve, a passarem sem cabine, com um guarda-chuva numa mão e a
outra no volante, até arrepiava só de os ver assim. Claro que muitos sofreram
grandes constipações, gripes, pneumonias que vieram a pagar mais tarde, pois o
corpo só aguenta até um certo ponto, morrendo em consequência de doenças
respiratórias e de complicações cardíacas. Aqui lembro também, o Amigo
Magalhães da Capela que trabalhou para nós muitas vezes, mormente, no apoio a
vindimas, sendo uma simpatia de pessoa, sempre de bom trato, de riso fácil,
histriónico, onde ele chegava, a alegria vinha junta. Que Deus o proteja nas
lavras dos campos do Céu.
Alguns
dos meninos que brincavam comigo, não resistiram ao fascínio que a máquina lhes
provocou e são hoje tratoristas, embora o trabalho já não exista em tanta
quantidade, pois com o advento dos fundos comunitários orientados para a
agricultura, muitos produtores passaram a ter tratores recheados de alfaias,
que permitem a realização autónoma de inúmeras tarefas, lá vai havendo mais
trabalho para todos, embora em menor escala que, naqueles inovadores anos das
décadas de setenta até finais da década de noventa. Até já racham lenha para
aquecimento doméstico e estão sempre a aparecer novas alfaias, para darem
resposta a novos desafios na produção agrícola.
Por
aquela altura, o Queirós de Vila Meã saiu rapidamente do anonimato, da sua vida
simples de prestador de serviços agrícolas, para ser um dos mais requisitados e
afamados tratoristas da margem direita do Tâmega, em Amarante, pois teve que
colocar telefone fixo, o que era então um luxo, recebendo a sua esposa, inúmeros
telefonemas e gerindo uma agenda de compromissos laborais difíceis de
controlar. O Queirós era de tal maneira o preferido por todos, pelas suas
virtuosas habilidades com o trator e respetivas alfaias que, quando faltava ou
se atrasava aos seus serviços, havia uma sensação de vazio nas freguesias que
se notava na face dos seus fregueses, pela tristeza da sua ausência. Foi um
reinado pequeno, pois Queirós já não era muito novo e rapidamente ficou bem na
vida, deixando o seu mester que o tornou famoso e muito solicitado na região.
Esta é a história de um herói improvável, e de uma mudança irreversível do
panorama agrícola local, de que me recordo com muita saudade, pois adorava ver
aqueles bravos heróis a manobrar com audácia e destreza as suas máquinas
motorizadas…» in http://birdmagazine.blogspot.pt/2016/10/queiros-o-tratorista.html