"Caminhante sobre o mar de névoa" - Caspar David Friedrich
«Manuel, o Viajante...
O
Manuel “Viajante” era um homem que, na sua profissão, corria grande parte do
norte e centro do país, a representar comercialmente produtos de uma grande
empresa de produtos alimentares, o que lhe deu, muito mundo. Conferiu-lhe uma
mundovisão que, para a aldeia em que vivia em meados dos anos oitenta, lhe
permitia ter uma visão das coisas muito mais alargada. Em suma, horizontes mais
abertos. Naquele tempo, ao que me recordo, só os «retornados» portugueses, recém-chegados
das ex-colónias portuguesas, tinham uma perspetiva das coisas mais avançada,
para um país que, mormente no seu interior, estava ainda muito fechado na
concha que o Estado Novo criou nas pessoas, nos lugares, nas mentalidades,
ainda muito herméticas, cinzentas e anquilosadas.
A
nossa nação tem bem vincada na sua história, uma tradição de explorar mares,
ilhas, continentes, de busca permanente de novos horizontes. Afinal, fomos
sempre um pequeno retângulo que funcionou como base de partida de marinheiros, que
sequiosos de infinito, se lançaram em pequenos e frágeis barcos, explorando
todo um Mundo, ainda desconhecido para todos, mas vasto de oportunidades de
expansão da sociedade que então representávamos, com os nossos ideais
sociopolíticos e valores fundamentais.
Igualmente,
no auge do apertilho de desesperança da ditadura que nos cerceou o
desenvolvimento, para que naturalmente a brava nação lusitana está destinada,
afinal, sempre demos novos mundos ao mundo; espalhamo-nos por essa Europa fora
e fomos, mais uma vez, decisivos na reconstrução de um velho continente esfrangalhado
por duas grandes guerras e refém do medo que se impôs no decorrer da denominada
«Guerra-fria». As vastas comunidades de portugueses espalhadas pelos
continentes europeu e americano, são reconhecidas de forma abrangente como
molas dinamizadoras da economia e socialização “positiva”, bem ao invés do que
se passa com imigração originária de outras latitudes, mais “explosivas”.
Neste
contexto, numa aldeia do interior de Portugal, poucas pessoas tinham essa
dimensão expansionista, ao nível das mentalidades, como o Manuel. Assim,
tratava-se de uma pessoa muito ouvida e respeitada pelos locais. Destacava-se
pela capacidade de comunicar, pela forma cuidada como se vestia, num meio eminentemente
rural, em que essa forma de ser e de estar, eram a exceção, muito longe de ser
a regra. Casado com Flora, uma moça oriunda de uma família humilde, mas uma
excelente rapariga em termos humanos, tiveram três filhos: João, Florbela e
Ana, por esta ordem cronológica. E viviam felizes, no seu pacato lar, mas
Manuel passava praticamente toda a semana fora de casa, devido à grande
extensão territorial que tinha que cobrir na sua atividade comercial, numa
época em que ainda não tínhamos autoestradas.
Claro
está que Flora desconfiava, afinal eram muitas as noites a cismar na sua vida.
Às vezes apetecia-lhe ligar para o Manuel, sentia falta de ouvir a sua voz, um
homem que falava de tudo com muita facilidade, com uma fluência de discurso
admirável. Ainda não havia telemóveis e o telefone era um luxo que, eles tinham
em casa, mas que só se usava em último caso; ouvia-se o seu toque quase sempre
quando havia uma fatalidade: uma tia que morreu, um acidente de um familiar e
por aí fora. Quando Manuel planeava as suas saídas, usava o aparelho para
contatar os seus clientes comerciais, por isso, para ele, o telefone
ultrapassasse em muito o uso doméstico, raro naquela altura, até porque era um
bem caro. No meio disto tudo, Flora começava a desconfiar do regresso cada vez
mais tardio de Manuel que, a partir de certa altura se começou a restringir aos
Domingos. Manuel justificava-se com o facto de estar a conquistar clientela
cada vez mais a sul e que tinha que aproveitar a maré de crescimento da sua
carteira de clientes. Certo é que nada faltava em casa, cada vez havia mais
dinheiro; mas, para Flora, faltava cada vez mais o Manuel…
Entretanto,
os piores receios de Flora confirmaram-se. No seu mister e de uma maneira geral,
Manuel era um sedutor, a sua profissão passava por essa capacidade de atrair
pessoas para os seus interesses, tratava-se de um daqueles comunicadores que
hipnotizavam os seus interlocutores, tal como uma serpente encanta a sua presa
de forma a que ela se renda aos seus encantos. Assim, lá para os lados de
Aveiro, Manuel tinha iniciado um relacionamento sério com Joana, vinte anos mais
nova do que ele, uma empregada de uma firma com quem mantinha negócios. Já
tinham inclusive um filho de cinco anos, o Miguel e, como é lógico, o seu foco
amoroso tinha mudado de latitude. Flora começou a ficar mais desconfiada com as
respostas de Manuel, cada vez mais evasivas e com as suas visitas, como as de um
médico, pois quase já só vinha a casa para trazer mudas de roupa e pagar
contas.
Manuel
alugou um apartamento onde vivia parte da semana com Joana e o pequeno Miguel, mantendo
assim duas casas sobre a sua custódia. Flora já muito intrigada, começou a
investigar nas papeladas que Manuel trazia na carrinha de trabalho e lá
encontrou uma fatura de luz, com uma morada em Estarreja em nome do seu marido.
Numa dada segunda-feira, partiu de comboio com destino à morada acima referida
e, quando lá chegou, bateu à porta, tendo sido atendido por uma jovem mulher
muito bonita. Era a Joana que, foi muito amável, convidando-a a entrar. Quando
Flora lhe explicou o motivo da sua visita, Joana começou a perceber quem era
realmente esta mulher simples, mas determinada que, inopinadamente, lhe bateu à
porta. Pouco tempo depois, as duas mulheres choravam agarradas uma à outra e
entenderam-se, perdoando-se mutuamente. Esperaram as duas que o Manuel entrasse
em casa, o que foi um autêntico balde de água fria para este; de repente, o seu
Mundo inteiro desabou…
Foi
confrontado de forma franca por Flora e Joana, para uma escolha decisiva que
teria que tomar. Havia que optar definitivamente por uma casa ou por outra, não
deixando de assumir todas as suas responsabilidades, em ambos os casos. Optou
pelo mais óbvio. Ficou com Joana, conferindo o divórcio a Flora que, exigiu
tudo a que tinha direito e a proteção dos direitos dos seus filhos, mas nunca
ignorando os direitos de Flora e do seu filho, que jamais ignorou.
Com
o decorrer do tempo, Manuel foi ficando mais velho, doente e sentiu que Joana
já tinha outros interesses divergentes, um amante, afinal a diferença de idades
tendia para isso, era inevitável. Tratava-se de um filme já muito rodado e com
final facilmente antecipado. Manuel ficou doente, foi posto de parte e sentindo
que a morte se aproximava foi visitar Flora e os seus filhos. Perante o drama
de um homem em desespero e desamparado, foi aceite de novo pela ex-mulher e
pelos filhos. Só perante a impotência da falta de saúde e às portas da morte,
Manuel recebeu, talvez, o maior ensinamento da sua vida… quem ele
perentoriamente abandonou, foi quem o acolheu no leito de morte, com o
aconchego que só uma verdadeira família sabe proporcionar. Manuel teve duas
famílias, mas só uma o foi na verdadeira aceção da palavra… há viagens na nossa
vida que não devemos fazer sob pena de nos perdermos… há mar e mar, há ir e
voltar.» in http://birdmagazine.blogspot.pt/2017/07/manuel-o-viajante.html
Magnólia - "Wise up" - (legendado)
Magnólia - "Wise up" - (legendado)
"Wise Up
Aimee Mann
It's not... what you thought
When you first... began it
You got... what you want
Now you can hardly stand it, though
By now you know, it's not going to stop
It's not going to stop
It's not going to stop
'Till you wise up
You're sure... there's a cure
And you have finally found it
You think... one drink
Will shrink you to... your underground
And living down, but it's not going to stop
It's not going to stop
It's not going to stop
'Till you wise up
Prepare a list for what you need
Before you sign away the deed
'Cause it's not going to stop
It's not going to stop
It's not going to stop
'Till you wise up
No, it's not going to stop
'Till you wise up
No, it's not going to stop
So just give up"
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