25/07/22

Ambiente e Ecologia - A falta de água gerada pela seca e agravada pelo fecho das barragens tem criado muitas zonas de águas paradas onde crescem algas que criam um manto verde sobre a superfície do Tejo.


«“É como se fosse radioactivo”. Coberto por um manto verde, o Tejo está a morrer aos poucos

A falta de água gerada pela seca e agravada pelo fecho das barragens tem criado muitas zonas de águas paradas onde crescem algas que criam um manto verde sobre a superfície do Tejo.

O rio mais extenso da Península Ibérica já viu melhores dias. No passado, o Tejo tinha águas tão limpas que se conseguia ver os peixes, mas a seca levou a que o rio que já tantos poemas e músicas inspirou se transformasse apenas num “regato” em certas partes. Em Santarém, até já se pode atravessá-lo a pé.

Ao Nascer do Sol, um morador das Caneiras há 50 anos diz que tem notado uma grande diferença nos últimos anos. “Isto não é o rio Tejo. É outra coisa qualquer, uma parecença talvez… Só quando as marés aqui chegam é que o vemos. Agora é um regato!”, revela Manuel Duarte.

A falta de água tem levado a população a apostar nos furos, com muitos a terem de chegar aos 200 ou 300 metros de profundidade: “Apesar de já não serem muitas, ainda existem pessoas que se dedicam à agricultura e à pesca. Então a agricultura sofre imenso! Para as pessoas que realmente se dedicam a isso, não sei como será“.

Vera Lagoa, uma agricultura de 44 anos, confessa estar “muito farta”. “Cultivo tomate e recentemente vi-me obrigada a fazer um furo de 217 metros. Não é brincadeira. Está impossível! O valor normal de um furo destes é 30 a 40 mil euros. Trabalharmos noite e dia e chegarmos ao fim sem ter lucros? Onde vamos buscar o dinheiro se não tivermos boas produções? É uma vida muito ingrata! Não aconselho a ninguém escolher ser agricultor neste momento”, confessa.

Entre os relatos de quem aprendeu a nadar no rio em zonas que agora são areais ou de quem se lembra de ver mulheres a lavar a roupa em águas que entretanto secaram, as mudanças no rio são evidentes.

“A cada década o rio perde cerca de 60 a 80 centímetros de água. Esta é a nossa referência. Porquê? Existem alguns embarcadouros, ou seja, pontos que outrora serviam para as pessoas entrarem e saírem, que hoje são visíveis a nu, estão rodeados ou de areias, areais ou nitidamente sem acesso, porque o rio desceu e eles já não têm finalidade”, revela Paulo Lopes, sócio gerente da Tritejo, empresa que faz passeios ao longo do rio há três anos.

Outro problema é a aparição de pragas de algas que não são características do fundo do rio, devido às mudanças no ecossistema e às águas paradas. O Tejo é agora um manto verde e o guia turístico Isidro Garcia considera que parece “radioactivo”.

Em declarações à CNN Portugal, o antigo vice-presidente do Instituto da Água e ex-director da Agência Portuguesa do Ambiente explica que o Tejo está a sofrer um processo de eutrofização que piora a qualidade da água e cria maus cheiros.

“Espanha tem uma agricultura muito desenvolvida, com aplicação intensiva de fertilizantes, e existe uma degradação da qualidade da água do Tejo pelas águas residuais de grandes cidades como Madrid. Essas águas vêm todas até Portugal“, explica António Gonçalves Henriques.

Paulo Lopes alerta ainda que a “ganância da produção, da economia, de tudo o que é a força da produção energética” tem agravado ainda mais a situação, já que se fecham as barragens e o caudal baixa ainda mais.

“O mesmo aconteceu em Alcântara. Nos meses de janeiro e fevereiro esteve com 48%. É a maior albufeira da Península Ibérica, quase maior do que o Alqueva. Não se baixa esses níveis porque a natureza abriu a torneira ou fechou. O homem é que é o causador disso”, denuncia.

O sócio gerente da Tritejo teme que o cenário de 2017, que “foi o pior ano até agora”, se repita. “Nesse ano, assistimos à morte do rio Tejo. Chamamos-lhe mesmo morte. E porque é que isso aconteceu? As barragens não tinham a capacidade de libertar água, por isso não havia um caudal contínuo. E não nos esqueçamos das altas temperaturas e do estagnar das águas”, lembra.

Ao jornal i, o presidente da associação ambiental Zero explica que Portugal tem um acordo com Espanha que define os caudais que têm de ser entregues. No entanto, em situações excepcionais de secas ou cheias, Espanha pode declarar uma “situação de excepção” que lhe permite não ter de respeitar o acordo. “É isso que Espanha já declarou nos casos do Douro e do Guadiana. Aparentemente, ainda não o fez no caso do Tejo”, refere Francisco Pereira.

“A água não corre praticamente nunca. É um sentimento de pena ver como um rio que foi fundamental para a história e o desenvolvimento desta zona de Portugal e Espanha se transformou nisto…”, lamenta Isidro Garcia.» in https://zap.aeiou.pt/radioactivo-verde-tejo-morrer-489730

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