«Do início da construção.
Ou a maior obra de engenharia em Portugal no século XIX.
«Não se doma facilmente o oceano, não se modifica, sem ter que vencer grandes dificuldades, a obra espontânea da natureza.
Mas a ciência, a engenharia hidráulica, confiada nos seus poderosos recursos, ia encetar a luta com o oceano, e estava certa de vencê-lo, não sem violentas refregas e frequentes conflitos com tão valoroso adversário.
Por sua parte, o mar revirava o dente à hidráulica, procurava reaver o terreno que a ciência lhe conquistava, e, apesar de ficar vencido na luta, ainda não está resignado com a derrota, ainda de vez em quando, como aconteceu o ano passado, se arremessa em fúria contra o porto de Leixões para desfazê-lo. »
Reunidas há séculos as condições naturais e a vontade dos homens é, pois, só em 1883 tomada finalmente a decisão política visando a construção de um porto de abrigo artificial em Leixões.
Muitos factores concorreram, como vimos nas últimas linhas, para que apenas no último quartel do século XIX este empreendimento se libertasse das teias que o enredavam e impediam a sua concretização. Mas, não podemos esquecer igualmente o contexto cultural e mental da época. Com efeito, o final de Oitocentos é caracterizado por uma fé cega dos Homens na ciência e na tecnologia. O deslumbramento com as inovações tecnológicas e as conquistas científicas levam o Homem a aspirar e acreditar num futuro próximo radioso, no qual a técnica encontraria soluções para todos os males que então o afligiam. Nada, incluindo as forças naturais, poderiam impedir tal evolução … E não obstante alguns sinais contrários da Natureza, que alguns não deixaram de interpretar como avisos divinos, de que o caso mais paradigmático foi o célebre naufrágio do «Titanic», seriam os próprios desígnios do Homem a abalar, com a Guerra Mundial de 1914-18, a crença na tecnologia. Afinal esta revestia-se, igualmente, de facetas bem perversas que, mais do que resolver os problemas do Homem, antes os agravava.
Mas em 1883, quando é dada luz verde para o arranque da construção do porto de Leixões, estávamos no auge da crença na tecnologia e no desenvolvimento industrial. O contexto nacional e internacional não podia deixar de ser, deste ponto de vista, o mais vantajoso possível para Leixões. No plano interno vivia-se o fontismo, período marcado pelo grande desenvolvimento das vias de comunicação, nomeadamente ferroviárias, e pelo alicerçar de uma política de incremento industrial. E, lá de fora, chegavam os ecos de outras gigantescas intervenções humanas de domínio sobre a Natureza com alguns paralelos a Leixões. Caso de embates triunfantes contra a fúria dos mares, como os travados pelos holandeses na construção dos seus diques, ou de hercúleas obras de engenharia de impacto mundial na navegação, como a abertura do Canal do Suez, ligando o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho, entre 1859 e 1869, ou a edificação do Canal do Panamá, permitindo a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico, que iniciada em 1881 se prolongaria até 1914.
Estavam pois, finalmente, reunidas as condições para se iniciar a construção do Porto de Leixões e, ainda em 1883, por decreto de 23 de Outubro, era aberto um concurso internacional. Na sequência deste é lavrado, logo em Fevereiro do ano seguinte, o contrato com os empreiteiros franceses «Dauderni et Duparchy» que haviam vencido o concurso (em boa verdade haviam sido os únicos a concorrer). Valor da adjudicação: 4.489.000$00 (reis). Durante o período da construção ocorreria a morte de Dauderni, passando a empreitada para o nome de «Duparchy e Bartissol», o que não colocou em causa os prazos previstos: entrega provisória em 1892 e definitiva em 1895.
As obras de construção do Porto de Leixões iniciaram-se em 13 de Julho de 1884 e os trabalhos foram dirigidos pelo engenheiro francês Wiriot, sob a fiscalização do governo português que, para tal, nomeou o Engº Nogueira Soares, autor do projecto. Projecto que, fundamentalmente consistia na construção de dois extensos paredões ou molhes (o do lado Norte com 1.579 metros e o do lado Sul com 1.147), que enraizados nas praias adjacentes à foz do Rio Leça, formavam uma enseada com cerca de 95 hectares, com fundos entre 7 e 16 metros de profundidade. Além dos paredões foi construído, igualmente, um quebra-mar que, elevando-se apenas um metro acima do zero hidrográfico, prolongava em mais algumas centenas de metros o molhe norte. Terminava este esporão numa plataforma onde emergia um farolim.
O assentamento dos molhes fez-se, preferencialmente, sobre os diversos rochedos que, ao largo, já constituíam o porto de abrigo natural: os leixões, donde resultou a designação do porto. E, para a construção dos molhes, foi utilizado o granito de pedreiras próximas, a mais importante das quais foi a de S.Gens (Custóias) que se viu ligada a Leixões por uma linha de caminho de ferro, com cerca de sete quilómetros de extensão, construída expressamente para esse fim. Chegadas as pedras aos estaleiros e oficinas, montados em Matosinhos e Leça da Palmeira, estas eram então trabalhadas e conglomeradas de forma a darem origem a enormes blocos graníticos que chegavam a atingir as 50 toneladas.
Um dos principais problemas que se colocava à construção dos molhes era exactamente a forma como se procederia para erguer e posteriormente depositar no local desejado os pesadíssimos blocos graníticos.
Para resolver esta questão a «Dauderni & Duparchy» encomendou às famosas oficinas francesas «Fives», em Lille, dois gigantescos e poderosos guindastes movidos a vapor que se deslocavam, igualmente, sobre carris. Guindastes que, pelo seu aspecto colossal, de imediato foram baptizados por titãs.
Hoje estes gigantescos guindastes permanecem e resistem sobre os molhes que construíram, quais duas titânicas estátuas erigidas à memória dos tempos pioneiros da construção do porto. A importância crucial que possuíram no contexto da edificação desta estrutura portuária, a sua imponência e força, e o valor simbólico que, ao longo do século, criaram em torno de si, merecem-nos uma atenção mais demorada.
Montados em Leixões, os titãs, dirigidos durante os primeiros anos exclusivamente por um técnico francês, de seu nome Lecrit, revelaram-se de facto como peças fundamentais na construção do porto. Paulatinamente, bloco após bloco, graças à sua acção, os dois molhes foram avançando mar adentro. Movidos a vapor (ainda hoje é possível descortinar no seu topo a «Casa das Máquinas», com as respectivas caldeiras), os titãs foram, efectivamente, utilizados para a construção do próprio porto não se tratando, ao contrário do que muita gente pensa, de guindastes para carga e descarga, pese embora tenham posteriormente desempenhado também essas funções (o do molhe sul pelo menos até aos anos sessenta do século XX).
Posteriormente à edificação dos molhes os titãs continuaram a ser utilizados para reparações nos paredões, em resultado de danos provocados pela acção tempestuosa do mar. De resto, um dos titãs foi, também ele, protagonista de um fortíssimo temporal ocorrido na noite de 22 para 23 de Dezembro de 1892. Para a memória do porto fica então a queda ao mar do colosso do molhe norte. Só mais de três anos depois, em Abril de 1896, após muitos estudos e esforços, se conseguiria recuperar aquele titã do fundo marinho, com o auxílio de potentes macacos mecânicos assentes sobre barcaças. Rapidamente recuperado, o gigantesco guindastes retomou a sua actividade.
Independentemente da sua importância e significado para Leixões e para toda a região, os titãs têm hoje uma importância acrescida pelo seu valor como testemunhas privilegiadas da era industrial e da arquitectura/maquinaria do ferro. E são tanto mais importantes quanto o facto de, aparentemente, se tratarem de exemplares únicos no mundo. Porque, se é verdade que os dois titãs tiveram outros irmãos, não é menos verdade que, nos outros casos, concluídas as construções portuárias, estes gigantes de ferro foram desmantelados. E, quando isso não aconteceu, nomeadamente na Europa, a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais encarregaram-se de o fazer tendo em conta que, desde muito cedo, os portos marítimos foram alvos prioritários de bombardeamento.
Conhecemos e sabemos da existência de mais titãs, como o caso dos de Glasgow (Escócia), ou de outros na Argélia, na Nova Zelândia e em alguns portos sul-americanos. São, no entanto, de dimensões e potência inferiores, incapazes de erguer à força do vapor e da resistência do ferro, as 50 toneladas que os titãs de Leixões levantavam.
Assim, a importância patrimonial destes guindastes ultrapassa já as nossas fronteiras, justificando-se o facto de nos últimos anos por várias vezes se ter aventado a hipótese da sua classificação mundial, à semelhança da Ponte D. Maria, como International Mechanical Engineering Historic Landmark.
Mas, voltemos à nossa história e à construção do porto.
A auxiliar desde cedo os titãs vamos encontrar um outro mecanismo interessante: o aparelho para suspender blocos. Era este mecanismo, igualmente movido a vapor, que transportava, um a um e através de carris, os blocos desde os estaleiros montados em terra até aos vagões que se deslocavam posteriormente para junto dos titãs, na sua avançada decidida sobre o mar.
Ainda relativamente aos materiais de construção dever-se-á referir que, embora o cimento utilizado fosse fornecido pela Société des Ciments Françaises, de Boulogne-sur-Mer, a areia foi recolhida em praias localizadas nas proximidades – também elas ligadas às obras do porto por carris que conduziam os vagões puxados por locomotivas – e, a pozolana utilizada na composição do cimento era proveniente de S. Miguel (Açores).
A construção do porto artificial de Leixões, que muitos classificam como a maior obra de engenharia executada em Portugal no século XIX, foi com efeito um acontecimento nacional. Ela era a materialização e aplicação, do nosso país, das inegáveis vantagens do Progresso (leia-se da Técnica e da Ciência). Motivo de primeira página dos jornais da época, enviados especiais e correspondentes relatavam o avanço das obras. E até a família real, em peso, se desloca em Setembro de 1887 para visitar as pedreiras de S.Gens e as obras em Leixões. Repetindo, afinal, o que já faziam milhares de portuenses e de nortenhos em geral nos seus fins-de-semana: deslocarem-se até Matosinhos e Leça da Palmeira para assistir ao avanço das obras.
O facto de um grande número dos implicados na revolta republicana ocorrida no Porto em 31 de Janeiro de 1892 ter sido aprisionado e julgado a bordo de navios de guerra fundeados em Leixões, atraiu ainda mais curiosos ao porto em construção e contribuiu decisivamente para a sua fama e uma maior divulgação, mesmo no estrangeiro(4). Por essa altura, aos fins-de-semana, o exército vê-se obrigado a reforçar os efectivos policiais e militares em Matosinhos e Leça da Palmeira. Narram os jornais da época: «Nos molhes do porto de Leixões está uma força de cavallaria para evitar a agglomeração do povo que por ali transita para ver os presos».
«N’estes ultimos dias o movimento de povo, pelas ruas de Mattosinhos-Leça, tem sido consideravel, calculando-se que 30.000 pessoas teem ido a Leixões para presenciarem o triste espectaculo».
«Nos carros americanos nota-se extraordinario movimento de passageiros».
«Os barqueiros têm feito excellente negocio, estipulando os preços das passagens, conforme a concorrencia do povo». (5)
Embora os prazos de construção tenham sido respeitados, a edificação dos molhes e do porto contou com muitas adversidades. Algumas das quais pagas com o sacrifício de vidas humanas. Já não eram, no entanto, os Homens que colocavam entraves ao avanço do projecto. Desta feita, fosse reacção da Natureza ou vontade do Demo, a verdade é que repetidas vezes o mar se rebelou contra a construção daqueles. Caso dos violentos temporais de 1887, 1888, 1892, 1896, 1897 e 1899. Destes, foi particularmente nefasto o da noite de 23 para 24 de Dezembro de 1892, destruindo uma parte significativa do parapeito e calçada do molhe Norte.
Mas as forças naturais, que alguns terão interpretado como demoníacas, foram vergadas. Ainda estávamos longe da data definitiva de entrega da obra – 16 de Fevereiro de 1895 – e já, a 9 de Novembro de 1886, entrava em Leixões o primeiro vapor. Nos oito anos seguintes, antes ainda da conclusão oficial da empreitada, entrariam 2.308 navios e seriam embarcados 30.275 passageiros!
Estavam mais do que provadas as potencialidades de Leixões como um grande porto. A ideia de um mero porto de abrigo estava abandonada, ainda a obra não se encontrava concluída …» in https://www.apdl.pt/gca/index.php?id=339
«Da evolução do Porto comercial.
Ou a história de um Porto que entrou terra adentro.
« Em meados dos anos setenta começaram a mudar de forma radical os parceiros do comércio externo português, e por isso as vias utilizadas. Voltada a página do império, do sonho autárcico e do isolamento, as trocas reorientaram-se para a Europa continental onde se acelerava o desenvolvimento do tráfego TIR ( .. ) restringindo a função portuária às matérias-primas mais pesadas e as viagens mais longínquas. »
François Guichard, O Porto no século XX, 1994.
Em Fevereiro de 1895 estavam dados por concluídos os trabalhos da construção do porto de abrigo. Era no entanto evidente a utilidade e necessidade de o transformar num verdadeiro porto comercial. O número de navios que, como vimos, ainda durante a sua construção se socorreu de Leixões, cresce de uma forma esmagadora desde então. Os 409 navios entrados no porto em 1893 ascenderiam, dez anos depois, a 665. Duas décadas mais tarde, em 1913, o seu número mais do que duplicara (876 navios). E em 1926 o Douro já só movimentava 22% do tráfego do conjunto portuário(6).
Não deixa, contudo, de ser marcante o apego resistente, quase teimoso, da cidade do Porto aos seus antigos ancoradouros do Douro. Não obstante a construção em finais do século XIX do porto de abrigo de Leixões e a sua posterior adaptação a porto comercial, e fazendo por esquecer os naufrágios que continuavam a ocorrer na barra, como o do vapor alemão «Dieister» em 3 de Fevereiro de 1929, no qual pereceu toda a sua tripulação constituída por 24 homens, o Douro mantinha ainda, em 1931, uma actividade significativa, magistralmente registada por Manoel de Oliveira no seu primeiro filme: Douro, faina fluvial.
Seriam no entanto os Homens, ou a Natureza pela mão destes, que a partir dos finais dos anos quarenta do século XX condenariam a navegabilidade na foz do Douro. Na origem de tal condição esteve a construção das barragens de aproveitamento hidroeléctrico do rio que, evitando as repetidas e por vezes gigantescas cheias, contribuiu decisivamente para a diminuição da limpeza natural da corrente e para o assoreamento do Cabedelo. E a tonelagem e calado dos navios, em contrapartida, não paravam de crescer...
O Douro, como porto comercial, desapareceria durante as duas décadas seguintes. E até embarcações características, como os barcos rabelos e os rabões carvoeiros, são transformados em elementos turísticos e decorativos.
Produtos tradicionais ligados desde há séculos ao rio, como o Vinho do Porto, passam também eles a ser exportados por Leixões ou por outros meios. Em l5 de Março de 1963, o navio «Silver Valley» é o intérprete do último grande naufrágio ocorrido na barra. Em 1971 não se regista nenhum movimento no Cais da Estiva. O de Gaia não lhe sobreviverá muito mais. E, em 1976, o rio já não representava mais do que 2% do tráfego portuário do Douro-Leixões(7). Hoje, uma residual actividade ligada à descarga de cimento no depósito da Arrábida é a excepção que confirma a regra.
Paralelamente, a história de Leixões é caracterizada, durante este período, por um ritmo impressionante de construções e inovações. Como que, no discorrer do século XX, procurasse recuperar da demora que lhe haviam imposto. Uma autêntica luta contra o tempo que, se em muitos casos ainda surtiu efeito, em muitos outros revelou-se ser já bastante tardia...
Mas nem sempre tal preocupação foi evidente. Caso paradigmático foi o do início da adaptação do porto de abrigo a porto comercial. Com efeito, se é verdade que quando o primeiro se encontra concluído, em l895, era já pacífica e desejada a evolução para o estádio seguinte, ter-se-ia no entanto que esperar pela República para que tal plano se concretizasse. Data, com efeito, de 1912 o projecto do Eng. Henrique Carvalho de Assunção visando tal desiderato. E seria necessário esperar por 1914 para que os trabalhos se iniciassem. Pelo meio ficava a aprovação, em 23 de Abril de 1913, de uma lei que previa a transformação de Leixões em porto comercial e a criação de um organismo que passaria a gerir a construção e exploração desta estrutura portuária: a Junta Autónoma das Obras Marítimas do Porto do Douro Leixões. É esta Junta Autónoma, na gênese da actual APDL - Administração dos Portos do Douro e Leixões, que um ano depois contrai um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos com o objectivo de dar início às obras. Valor do empréstimo: mil contos.
Os trabalhos consistiram na adaptação, no molhe sul, de um cais acostável, com cerca de 400 metros de comprimento que permitia a sua utilização por navios que podiam atingir até 23 pés de profundidade.
Embora fosse fundamental e não se revestisse de um grau de complexidade muito significativo, se comparado com a edificação dos molhes pouco tempo antes, a verdade é que a construção do cais se arrastaria por muitos anos. A 1ª Guerra Mundial e a falta de recursos financeiros explicam que a obra tivesse sido interrompida de 1916 a 1921. Mesmo assim, só seria dada por concluída em 1931. Era já, então, manifestamente insuficiente, além de que, quando a ondulação aumentava de intensidade, as embarcações tinham, urgentemente, de desatracar...
Havia pois que encontrar uma rápida solução. E ela surgiu. Mas a estratégia agora era outra. O porto já não era conquistado ao mar, mas entrava terra adentro, abrindo-se no próprio estuário do Leça... Desapareciam assim as velhas e seculares margens de Matosinhos e Leça da Palmeira.
Apenas dois anos depois da conclusão do cais acostável no molhe sul era, em 1932, iniciada a construção da doca nº 1, concluída oito anos depois e solenemente inaugurada em 4 de Julho de 1940 com a entrada do navio da marinha de guerra «Bartolomeu Dias». Durante este período foi iniciada também a construção, na entrada do porto, de um extenso quebra-mar. A empresa responsável por tal intervenção foi a «Anglo-Dutch Engineering and Harbour Works Cº Ltd» enquanto a «Sociedad Metroplitana de Construccion, de Barcelona» ficou com a empreitada da construção da nova doca.
Mas não pense o leitor que a abertura da doca nº1 foi um caso raro de rápida idealização e edificação. A verdade é que a ideia de aproveitar o vale do rio para prolongamento do complexo portuário surgira já pela primeira vez em 1893 quando tal hipótese é equacionada pela comissão nomeada pelo governo para estudar a adaptação de Leixões a porto comercial, liderada pelo engenheiro João Thomaz da Costa e João José Pereira Dinis.
Quatorze anos depois, em 1907, surge um notável projecto, da autoria dos engenheiros Adolpho Loureiro e Santos Viegas, que desenvolve amplamente a ideia de localizar todo o conjunto das docas no vale e que, com ligeiras alterações, acabará por servir de projecto-guia a todo o processo de expansão portuário do século XX. Mas, apesar de datado de 1907, seria necessário esperar por 1940 para que a doca nº1, com os seus 550 metros de comprimento por 175 de largura, com dois cais acostáveis num total de mil metros, fosse inaugurada.
Os números são elucidativos quanto ao que esta nova doca representou para o crescimento do porto: as 340 mil toneladas que movimentou em 1941 ascenderam rapidamente a 700 mil em 1949 e a 900 mil em 1959.
Este processo de expansão impulsionou um programa audacioso do Eng. Henrique Schrek que, com uma rara visão, previu a evolução do tráfego marítimo e propôs, em 1955, uma ampliação das estruturas portuárias ao longo do vale do Leça. Nasceria assim a Doca nº 2, programada para ocupar uma área de cerca de 500 mil metros quadrados e cujas obras, iniciadas em 1956, se prolongariam até meados da década de '70. Durante esse período de tempo, no entanto, a fisionomia do porto e da cidade iria ser alterada, significativamente. Com efeito Henrique Schreck, prevendo também o desenvolvimento da crescente articulação do tráfego portuário com o rodoviário, prestou particular atenção às áreas envolventes do porto, nomeadamente do ponto de vista das acessibilidades. Assim, além dos canais de acesso e ligação à doca, e dos longos cais de acostagem, multiplicar-se-iam os armazéns, as amplas avenidas circunstantes, os viadutos, pontes... Símbolo deste processo é a ponte móvel que hoje se localiza entre as docas nº 1 e nº 2, ligando Matosinhos a Leça da Palmeira. Baseada num ante-projecto dos Engenheiros Correia de Araújo e Campos Matos, foi construída pela empresa L. Dargent e aberta ao trânsito em 1959.
Mas o porto não parava de crescer. Nos finais dos anos sessenta surge o terminal para petroleiros e é alteado o quebra-mar, até aí submerso; de 1974 a 1979 é construído um terminal para contentores, tendo sido concluído, já na década de '90 um segundo terminal deste tipo (doca nº 3); entre 1974 e 1983 construíram-se mais 503 metros de cais na margem direita (doca nº 4); em finais dos anos '80 é ampliado o quebra-mar; e na primeira metade da década de '90 é construída uma nova marina para embarcações desportivas e de recreio. Datam, no entanto, de 1965 a l968 as obras de construção de uma das mais queridas estruturas do Porto de Leixões, desde sempre desejada pela população da região: um porto de pescado.
O desenvolvimento dos transportes aéreos e rodoviários e as profundas transformações socio-económicas motivadas pela «Crise do Petróleo» no início da década de '70 e pelo «25 de Abril» de 1974 colocaram novos e profundos desafios ao Porto de Leixões. O fim dos mercados coloniais até aí preponderantes. As novas realidades impostas pelo processo de integração europeia. O profundo desenvolvimento técnico e tecnológico dos últimos anos. Tudo isto obrigou a novas respostas e a um acentuado dinamismo que muitos pensariam ser impossível ao já centenário porto. Prova acabada de que não há, neste caso como em todos os outros, um fim da História. Esta continua a fazer-se diariamente. Mesmo quando se trata de uma estrutura que tem na sua base um conjunto de velhos rochedos que, desde há séculos, os homens se habituaram a ver como porto seguro.
(1) – Martins 1976, 20-21
(2) – cit. in Marçal 1965, 119
(3) – idem, 115
(4) – Cleto 1991
(5) – O Monitor. Matosinhos. 226, 8 de Fevereiro de 1891, p.2
(6) – Guichard 1994, 553
(7) – idem
Ficha TécnicaIn “Porto de Leixões”
Fotografias: Domingos Alvão e Emílio Biel
Texto: Joel Cleto
Direcção Gráfica: Armando Alves
Edição: Administração dos Portos do Douro e Leixões, 1998» in https://www.apdl.pt/gca/index.php?id=340
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Hoje assisti a um programa na estação de televisão Porto Canal, "Caminhos da História", apresentado pelo Professor Joel Cleto, a quem deixo aqui a minha vénia, pelo brilhante trabalho que tem realizado, no sentido de conhecermos melhor e de uma maneira mais acessível, a História e as estórias deste nosso condado portucalense, do berço da nação e da Cidade do Porto. Adorei a história dos túneis e Alfândega do Porto, dos cais do Rio Douro, do Porto de Leixões, com os seus rochedos que lhe deram o nome e dos Titãs, gruas a vapor gigantesco, bem significativos do labor das gentes do Norte, onde em finais do Século XIX, transportaram a massa granítica da pedreira de São Gens, para a criação do Porto de Leixões... excelente trabalho do Professor Joel Cleto, a quem endereço, desde já, os meus sinceros parabéns!
(Os Titãs do Porto de Leixões)
(Porto - Ramal de Leixões às Pedreiras de S. Gens)
"Douro, Faina Fluvial" - Manoel de Oliveira - (versão 1994)
Ou a maior obra de engenharia em Portugal no século XIX.
«Não se doma facilmente o oceano, não se modifica, sem ter que vencer grandes dificuldades, a obra espontânea da natureza.
Mas a ciência, a engenharia hidráulica, confiada nos seus poderosos recursos, ia encetar a luta com o oceano, e estava certa de vencê-lo, não sem violentas refregas e frequentes conflitos com tão valoroso adversário.
Por sua parte, o mar revirava o dente à hidráulica, procurava reaver o terreno que a ciência lhe conquistava, e, apesar de ficar vencido na luta, ainda não está resignado com a derrota, ainda de vez em quando, como aconteceu o ano passado, se arremessa em fúria contra o porto de Leixões para desfazê-lo. »
Reunidas há séculos as condições naturais e a vontade dos homens é, pois, só em 1883 tomada finalmente a decisão política visando a construção de um porto de abrigo artificial em Leixões.
Muitos factores concorreram, como vimos nas últimas linhas, para que apenas no último quartel do século XIX este empreendimento se libertasse das teias que o enredavam e impediam a sua concretização. Mas, não podemos esquecer igualmente o contexto cultural e mental da época. Com efeito, o final de Oitocentos é caracterizado por uma fé cega dos Homens na ciência e na tecnologia. O deslumbramento com as inovações tecnológicas e as conquistas científicas levam o Homem a aspirar e acreditar num futuro próximo radioso, no qual a técnica encontraria soluções para todos os males que então o afligiam. Nada, incluindo as forças naturais, poderiam impedir tal evolução … E não obstante alguns sinais contrários da Natureza, que alguns não deixaram de interpretar como avisos divinos, de que o caso mais paradigmático foi o célebre naufrágio do «Titanic», seriam os próprios desígnios do Homem a abalar, com a Guerra Mundial de 1914-18, a crença na tecnologia. Afinal esta revestia-se, igualmente, de facetas bem perversas que, mais do que resolver os problemas do Homem, antes os agravava.
Mas em 1883, quando é dada luz verde para o arranque da construção do porto de Leixões, estávamos no auge da crença na tecnologia e no desenvolvimento industrial. O contexto nacional e internacional não podia deixar de ser, deste ponto de vista, o mais vantajoso possível para Leixões. No plano interno vivia-se o fontismo, período marcado pelo grande desenvolvimento das vias de comunicação, nomeadamente ferroviárias, e pelo alicerçar de uma política de incremento industrial. E, lá de fora, chegavam os ecos de outras gigantescas intervenções humanas de domínio sobre a Natureza com alguns paralelos a Leixões. Caso de embates triunfantes contra a fúria dos mares, como os travados pelos holandeses na construção dos seus diques, ou de hercúleas obras de engenharia de impacto mundial na navegação, como a abertura do Canal do Suez, ligando o Mar Mediterrâneo ao Mar Vermelho, entre 1859 e 1869, ou a edificação do Canal do Panamá, permitindo a ligação entre os oceanos Atlântico e Pacífico, que iniciada em 1881 se prolongaria até 1914.
Estavam pois, finalmente, reunidas as condições para se iniciar a construção do Porto de Leixões e, ainda em 1883, por decreto de 23 de Outubro, era aberto um concurso internacional. Na sequência deste é lavrado, logo em Fevereiro do ano seguinte, o contrato com os empreiteiros franceses «Dauderni et Duparchy» que haviam vencido o concurso (em boa verdade haviam sido os únicos a concorrer). Valor da adjudicação: 4.489.000$00 (reis). Durante o período da construção ocorreria a morte de Dauderni, passando a empreitada para o nome de «Duparchy e Bartissol», o que não colocou em causa os prazos previstos: entrega provisória em 1892 e definitiva em 1895.
As obras de construção do Porto de Leixões iniciaram-se em 13 de Julho de 1884 e os trabalhos foram dirigidos pelo engenheiro francês Wiriot, sob a fiscalização do governo português que, para tal, nomeou o Engº Nogueira Soares, autor do projecto. Projecto que, fundamentalmente consistia na construção de dois extensos paredões ou molhes (o do lado Norte com 1.579 metros e o do lado Sul com 1.147), que enraizados nas praias adjacentes à foz do Rio Leça, formavam uma enseada com cerca de 95 hectares, com fundos entre 7 e 16 metros de profundidade. Além dos paredões foi construído, igualmente, um quebra-mar que, elevando-se apenas um metro acima do zero hidrográfico, prolongava em mais algumas centenas de metros o molhe norte. Terminava este esporão numa plataforma onde emergia um farolim.
O assentamento dos molhes fez-se, preferencialmente, sobre os diversos rochedos que, ao largo, já constituíam o porto de abrigo natural: os leixões, donde resultou a designação do porto. E, para a construção dos molhes, foi utilizado o granito de pedreiras próximas, a mais importante das quais foi a de S.Gens (Custóias) que se viu ligada a Leixões por uma linha de caminho de ferro, com cerca de sete quilómetros de extensão, construída expressamente para esse fim. Chegadas as pedras aos estaleiros e oficinas, montados em Matosinhos e Leça da Palmeira, estas eram então trabalhadas e conglomeradas de forma a darem origem a enormes blocos graníticos que chegavam a atingir as 50 toneladas.
Construção do Porto de Leixões (1884-1892)
Estaleiro de construção dos blocos artificiais do molhe NorteFoto: Emílio Biel |
Construção do Porto de Leixões (1884-1892)
Estaleiro de construção dos blocos artificiais do molhe SulFoto: Emílio Biel |
Para resolver esta questão a «Dauderni & Duparchy» encomendou às famosas oficinas francesas «Fives», em Lille, dois gigantescos e poderosos guindastes movidos a vapor que se deslocavam, igualmente, sobre carris. Guindastes que, pelo seu aspecto colossal, de imediato foram baptizados por titãs.
Construção do Porto de Leixões (1884-1892)
Molhe do Norte visto dos rochedos de Leixões Foto: Emílio Biel |
Construção do Porto de Leixões (1884-1892)
Estaleiro dos blocos artificiais do molhe Norte com o Titan em montagem. 1885.Foto: Emílio Biel |
Construção do Porto de Leixões (1884-1892)
Rochedos de Leixões e extremidades dos dois molhes. Foto: Emílio Biel |
Montados em Leixões, os titãs, dirigidos durante os primeiros anos exclusivamente por um técnico francês, de seu nome Lecrit, revelaram-se de facto como peças fundamentais na construção do porto. Paulatinamente, bloco após bloco, graças à sua acção, os dois molhes foram avançando mar adentro. Movidos a vapor (ainda hoje é possível descortinar no seu topo a «Casa das Máquinas», com as respectivas caldeiras), os titãs foram, efectivamente, utilizados para a construção do próprio porto não se tratando, ao contrário do que muita gente pensa, de guindastes para carga e descarga, pese embora tenham posteriormente desempenhado também essas funções (o do molhe sul pelo menos até aos anos sessenta do século XX).
Posteriormente à edificação dos molhes os titãs continuaram a ser utilizados para reparações nos paredões, em resultado de danos provocados pela acção tempestuosa do mar. De resto, um dos titãs foi, também ele, protagonista de um fortíssimo temporal ocorrido na noite de 22 para 23 de Dezembro de 1892. Para a memória do porto fica então a queda ao mar do colosso do molhe norte. Só mais de três anos depois, em Abril de 1896, após muitos estudos e esforços, se conseguiria recuperar aquele titã do fundo marinho, com o auxílio de potentes macacos mecânicos assentes sobre barcaças. Rapidamente recuperado, o gigantesco guindastes retomou a sua actividade.
Independentemente da sua importância e significado para Leixões e para toda a região, os titãs têm hoje uma importância acrescida pelo seu valor como testemunhas privilegiadas da era industrial e da arquitectura/maquinaria do ferro. E são tanto mais importantes quanto o facto de, aparentemente, se tratarem de exemplares únicos no mundo. Porque, se é verdade que os dois titãs tiveram outros irmãos, não é menos verdade que, nos outros casos, concluídas as construções portuárias, estes gigantes de ferro foram desmantelados. E, quando isso não aconteceu, nomeadamente na Europa, a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais encarregaram-se de o fazer tendo em conta que, desde muito cedo, os portos marítimos foram alvos prioritários de bombardeamento.
Conhecemos e sabemos da existência de mais titãs, como o caso dos de Glasgow (Escócia), ou de outros na Argélia, na Nova Zelândia e em alguns portos sul-americanos. São, no entanto, de dimensões e potência inferiores, incapazes de erguer à força do vapor e da resistência do ferro, as 50 toneladas que os titãs de Leixões levantavam.
Assim, a importância patrimonial destes guindastes ultrapassa já as nossas fronteiras, justificando-se o facto de nos últimos anos por várias vezes se ter aventado a hipótese da sua classificação mundial, à semelhança da Ponte D. Maria, como International Mechanical Engineering Historic Landmark.
Mas, voltemos à nossa história e à construção do porto.
A auxiliar desde cedo os titãs vamos encontrar um outro mecanismo interessante: o aparelho para suspender blocos. Era este mecanismo, igualmente movido a vapor, que transportava, um a um e através de carris, os blocos desde os estaleiros montados em terra até aos vagões que se deslocavam posteriormente para junto dos titãs, na sua avançada decidida sobre o mar.
Construção do Porto de Leixões (1884-1892)
Grua utilizada para erguer e transportar sobre carris os blocos artificiais de 50 toneladas, junto ao Senhor do Padrão. Foto: Emílio Biel |
Construção do Porto de Leixões (1884-1892)
Pontão em madeira para transporte de areia para o molhe Norte. Foto: Emílio Biel |
O facto de um grande número dos implicados na revolta republicana ocorrida no Porto em 31 de Janeiro de 1892 ter sido aprisionado e julgado a bordo de navios de guerra fundeados em Leixões, atraiu ainda mais curiosos ao porto em construção e contribuiu decisivamente para a sua fama e uma maior divulgação, mesmo no estrangeiro(4). Por essa altura, aos fins-de-semana, o exército vê-se obrigado a reforçar os efectivos policiais e militares em Matosinhos e Leça da Palmeira. Narram os jornais da época: «Nos molhes do porto de Leixões está uma força de cavallaria para evitar a agglomeração do povo que por ali transita para ver os presos».
«N’estes ultimos dias o movimento de povo, pelas ruas de Mattosinhos-Leça, tem sido consideravel, calculando-se que 30.000 pessoas teem ido a Leixões para presenciarem o triste espectaculo».
«Nos carros americanos nota-se extraordinario movimento de passageiros».
«Os barqueiros têm feito excellente negocio, estipulando os preços das passagens, conforme a concorrencia do povo». (5)
Embora os prazos de construção tenham sido respeitados, a edificação dos molhes e do porto contou com muitas adversidades. Algumas das quais pagas com o sacrifício de vidas humanas. Já não eram, no entanto, os Homens que colocavam entraves ao avanço do projecto. Desta feita, fosse reacção da Natureza ou vontade do Demo, a verdade é que repetidas vezes o mar se rebelou contra a construção daqueles. Caso dos violentos temporais de 1887, 1888, 1892, 1896, 1897 e 1899. Destes, foi particularmente nefasto o da noite de 23 para 24 de Dezembro de 1892, destruindo uma parte significativa do parapeito e calçada do molhe Norte.
Mas as forças naturais, que alguns terão interpretado como demoníacas, foram vergadas. Ainda estávamos longe da data definitiva de entrega da obra – 16 de Fevereiro de 1895 – e já, a 9 de Novembro de 1886, entrava em Leixões o primeiro vapor. Nos oito anos seguintes, antes ainda da conclusão oficial da empreitada, entrariam 2.308 navios e seriam embarcados 30.275 passageiros!
Estavam mais do que provadas as potencialidades de Leixões como um grande porto. A ideia de um mero porto de abrigo estava abandonada, ainda a obra não se encontrava concluída …» in https://www.apdl.pt/gca/index.php?id=339
Construção do Porto de Leixões (1884-1892)
Vista geral do porto e da Vila de Matosinhos-Leça. Foto: Emílio Biel |
«Da evolução do Porto comercial.
Ou a história de um Porto que entrou terra adentro.
« Em meados dos anos setenta começaram a mudar de forma radical os parceiros do comércio externo português, e por isso as vias utilizadas. Voltada a página do império, do sonho autárcico e do isolamento, as trocas reorientaram-se para a Europa continental onde se acelerava o desenvolvimento do tráfego TIR ( .. ) restringindo a função portuária às matérias-primas mais pesadas e as viagens mais longínquas. »
François Guichard, O Porto no século XX, 1994.
Em Fevereiro de 1895 estavam dados por concluídos os trabalhos da construção do porto de abrigo. Era no entanto evidente a utilidade e necessidade de o transformar num verdadeiro porto comercial. O número de navios que, como vimos, ainda durante a sua construção se socorreu de Leixões, cresce de uma forma esmagadora desde então. Os 409 navios entrados no porto em 1893 ascenderiam, dez anos depois, a 665. Duas décadas mais tarde, em 1913, o seu número mais do que duplicara (876 navios). E em 1926 o Douro já só movimentava 22% do tráfego do conjunto portuário(6).
Não deixa, contudo, de ser marcante o apego resistente, quase teimoso, da cidade do Porto aos seus antigos ancoradouros do Douro. Não obstante a construção em finais do século XIX do porto de abrigo de Leixões e a sua posterior adaptação a porto comercial, e fazendo por esquecer os naufrágios que continuavam a ocorrer na barra, como o do vapor alemão «Dieister» em 3 de Fevereiro de 1929, no qual pereceu toda a sua tripulação constituída por 24 homens, o Douro mantinha ainda, em 1931, uma actividade significativa, magistralmente registada por Manoel de Oliveira no seu primeiro filme: Douro, faina fluvial.
Seriam no entanto os Homens, ou a Natureza pela mão destes, que a partir dos finais dos anos quarenta do século XX condenariam a navegabilidade na foz do Douro. Na origem de tal condição esteve a construção das barragens de aproveitamento hidroeléctrico do rio que, evitando as repetidas e por vezes gigantescas cheias, contribuiu decisivamente para a diminuição da limpeza natural da corrente e para o assoreamento do Cabedelo. E a tonelagem e calado dos navios, em contrapartida, não paravam de crescer...
O Douro, como porto comercial, desapareceria durante as duas décadas seguintes. E até embarcações características, como os barcos rabelos e os rabões carvoeiros, são transformados em elementos turísticos e decorativos.
Produtos tradicionais ligados desde há séculos ao rio, como o Vinho do Porto, passam também eles a ser exportados por Leixões ou por outros meios. Em l5 de Março de 1963, o navio «Silver Valley» é o intérprete do último grande naufrágio ocorrido na barra. Em 1971 não se regista nenhum movimento no Cais da Estiva. O de Gaia não lhe sobreviverá muito mais. E, em 1976, o rio já não representava mais do que 2% do tráfego portuário do Douro-Leixões(7). Hoje, uma residual actividade ligada à descarga de cimento no depósito da Arrábida é a excepção que confirma a regra.
Paralelamente, a história de Leixões é caracterizada, durante este período, por um ritmo impressionante de construções e inovações. Como que, no discorrer do século XX, procurasse recuperar da demora que lhe haviam imposto. Uma autêntica luta contra o tempo que, se em muitos casos ainda surtiu efeito, em muitos outros revelou-se ser já bastante tardia...
Mas nem sempre tal preocupação foi evidente. Caso paradigmático foi o do início da adaptação do porto de abrigo a porto comercial. Com efeito, se é verdade que quando o primeiro se encontra concluído, em l895, era já pacífica e desejada a evolução para o estádio seguinte, ter-se-ia no entanto que esperar pela República para que tal plano se concretizasse. Data, com efeito, de 1912 o projecto do Eng. Henrique Carvalho de Assunção visando tal desiderato. E seria necessário esperar por 1914 para que os trabalhos se iniciassem. Pelo meio ficava a aprovação, em 23 de Abril de 1913, de uma lei que previa a transformação de Leixões em porto comercial e a criação de um organismo que passaria a gerir a construção e exploração desta estrutura portuária: a Junta Autónoma das Obras Marítimas do Porto do Douro Leixões. É esta Junta Autónoma, na gênese da actual APDL - Administração dos Portos do Douro e Leixões, que um ano depois contrai um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos com o objectivo de dar início às obras. Valor do empréstimo: mil contos.
Os trabalhos consistiram na adaptação, no molhe sul, de um cais acostável, com cerca de 400 metros de comprimento que permitia a sua utilização por navios que podiam atingir até 23 pés de profundidade.
Embora fosse fundamental e não se revestisse de um grau de complexidade muito significativo, se comparado com a edificação dos molhes pouco tempo antes, a verdade é que a construção do cais se arrastaria por muitos anos. A 1ª Guerra Mundial e a falta de recursos financeiros explicam que a obra tivesse sido interrompida de 1916 a 1921. Mesmo assim, só seria dada por concluída em 1931. Era já, então, manifestamente insuficiente, além de que, quando a ondulação aumentava de intensidade, as embarcações tinham, urgentemente, de desatracar...
Havia pois que encontrar uma rápida solução. E ela surgiu. Mas a estratégia agora era outra. O porto já não era conquistado ao mar, mas entrava terra adentro, abrindo-se no próprio estuário do Leça... Desapareciam assim as velhas e seculares margens de Matosinhos e Leça da Palmeira.
Apenas dois anos depois da conclusão do cais acostável no molhe sul era, em 1932, iniciada a construção da doca nº 1, concluída oito anos depois e solenemente inaugurada em 4 de Julho de 1940 com a entrada do navio da marinha de guerra «Bartolomeu Dias». Durante este período foi iniciada também a construção, na entrada do porto, de um extenso quebra-mar. A empresa responsável por tal intervenção foi a «Anglo-Dutch Engineering and Harbour Works Cº Ltd» enquanto a «Sociedad Metroplitana de Construccion, de Barcelona» ficou com a empreitada da construção da nova doca.
Mas não pense o leitor que a abertura da doca nº1 foi um caso raro de rápida idealização e edificação. A verdade é que a ideia de aproveitar o vale do rio para prolongamento do complexo portuário surgira já pela primeira vez em 1893 quando tal hipótese é equacionada pela comissão nomeada pelo governo para estudar a adaptação de Leixões a porto comercial, liderada pelo engenheiro João Thomaz da Costa e João José Pereira Dinis.
Quatorze anos depois, em 1907, surge um notável projecto, da autoria dos engenheiros Adolpho Loureiro e Santos Viegas, que desenvolve amplamente a ideia de localizar todo o conjunto das docas no vale e que, com ligeiras alterações, acabará por servir de projecto-guia a todo o processo de expansão portuário do século XX. Mas, apesar de datado de 1907, seria necessário esperar por 1940 para que a doca nº1, com os seus 550 metros de comprimento por 175 de largura, com dois cais acostáveis num total de mil metros, fosse inaugurada.
«Porto de Leixões. Planta Geral das obras de melhoramento e de construcção do Porto Comercial», in Adolpho Loureiro e Santos Viegas,
Porto de Leixões. Projecto do melhoramento …, Lisboa, 1908. |
Este processo de expansão impulsionou um programa audacioso do Eng. Henrique Schrek que, com uma rara visão, previu a evolução do tráfego marítimo e propôs, em 1955, uma ampliação das estruturas portuárias ao longo do vale do Leça. Nasceria assim a Doca nº 2, programada para ocupar uma área de cerca de 500 mil metros quadrados e cujas obras, iniciadas em 1956, se prolongariam até meados da década de '70. Durante esse período de tempo, no entanto, a fisionomia do porto e da cidade iria ser alterada, significativamente. Com efeito Henrique Schreck, prevendo também o desenvolvimento da crescente articulação do tráfego portuário com o rodoviário, prestou particular atenção às áreas envolventes do porto, nomeadamente do ponto de vista das acessibilidades. Assim, além dos canais de acesso e ligação à doca, e dos longos cais de acostagem, multiplicar-se-iam os armazéns, as amplas avenidas circunstantes, os viadutos, pontes... Símbolo deste processo é a ponte móvel que hoje se localiza entre as docas nº 1 e nº 2, ligando Matosinhos a Leça da Palmeira. Baseada num ante-projecto dos Engenheiros Correia de Araújo e Campos Matos, foi construída pela empresa L. Dargent e aberta ao trânsito em 1959.
Ampliação do Porto Comercial de Leixões.
Plano Geral (esc. 1:5000 no original). Engº Henrique Schreck, 1955. Arquivo da APDL |
Evolução esquemática do complexo portuário de Leixões.
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O desenvolvimento dos transportes aéreos e rodoviários e as profundas transformações socio-económicas motivadas pela «Crise do Petróleo» no início da década de '70 e pelo «25 de Abril» de 1974 colocaram novos e profundos desafios ao Porto de Leixões. O fim dos mercados coloniais até aí preponderantes. As novas realidades impostas pelo processo de integração europeia. O profundo desenvolvimento técnico e tecnológico dos últimos anos. Tudo isto obrigou a novas respostas e a um acentuado dinamismo que muitos pensariam ser impossível ao já centenário porto. Prova acabada de que não há, neste caso como em todos os outros, um fim da História. Esta continua a fazer-se diariamente. Mesmo quando se trata de uma estrutura que tem na sua base um conjunto de velhos rochedos que, desde há séculos, os homens se habituaram a ver como porto seguro.
(1) – Martins 1976, 20-21
(2) – cit. in Marçal 1965, 119
(3) – idem, 115
(4) – Cleto 1991
(5) – O Monitor. Matosinhos. 226, 8 de Fevereiro de 1891, p.2
(6) – Guichard 1994, 553
(7) – idem
Ficha TécnicaIn “Porto de Leixões”
Fotografias: Domingos Alvão e Emílio Biel
Texto: Joel Cleto
Direcção Gráfica: Armando Alves
Edição: Administração dos Portos do Douro e Leixões, 1998» in https://www.apdl.pt/gca/index.php?id=340
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Hoje assisti a um programa na estação de televisão Porto Canal, "Caminhos da História", apresentado pelo Professor Joel Cleto, a quem deixo aqui a minha vénia, pelo brilhante trabalho que tem realizado, no sentido de conhecermos melhor e de uma maneira mais acessível, a História e as estórias deste nosso condado portucalense, do berço da nação e da Cidade do Porto. Adorei a história dos túneis e Alfândega do Porto, dos cais do Rio Douro, do Porto de Leixões, com os seus rochedos que lhe deram o nome e dos Titãs, gruas a vapor gigantesco, bem significativos do labor das gentes do Norte, onde em finais do Século XIX, transportaram a massa granítica da pedreira de São Gens, para a criação do Porto de Leixões... excelente trabalho do Professor Joel Cleto, a quem endereço, desde já, os meus sinceros parabéns!
(Os Titãs do Porto de Leixões)
(Porto - Ramal de Leixões às Pedreiras de S. Gens)
"Douro, Faina Fluvial" - Manoel de Oliveira - (versão 1994)
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