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Fonte:https://gisaweb.cm-porto.pt/units-of-description/documents/308482/documents/
Quando se pensava que o caudal das águas do rio Douro estava, finalmente, controlado pelas barragens e que o aparecimento de uma cheia
não seria mais possível, eis que o inesperado acontece: em janeiro de 1962, a cidade do Porto assiste a uma das maiores cheias de sempre. A
quarta, em dimensão, entre as maiores de todos os tempos. Num primeiro lugar, nada honrosa, diga-se de passagem, está a cheia de 1739;
logo a seguir figura a de 1909; em terceiro lugar a de 1779; e depois
vem a de 1962 que atingiu, ao nível dos cais da Ribeira, Terreiro e Gaia,
o nível impressionante de 4,5 metros de altura.
O alerta de cheia começou a ser dado no Porto na manhã do dia
1 de janeiro daquele ano quando da Régua chegaram informações
alarmantes: o nível da água havia subido ali a 12,80 metros. Como era
normal acontecer em situações semelhantes, as autoridades portuenses ligadas às atividades marítimas e fluviais começaram de imediato a
tomar as precauções que se impunham em casos como este: reforço
das amarras de todos os barcos surtos no Douro e o abandono dos
mesmos por parte das respetivas tripulações. Tudo correu conforme o
previsto com exceção do capitão do navio espanhol Puerto Alicante,
que se recusou a abandonar o seu posto mantendo -se, por isso, a
bordo.
Entretanto o nível da água ia subindo no Porto assustadoramente.
Ainda pela manhã, a traineira Diamante, que se encontrava no estaleiro do Areinho, a montante da Ponte Maria Pia, desprendeu-se e
começou de imediato a ser arrastada pela força das águas. Sem governo
foi batendo em muitas das barcaças que ao longo do rio estavam amarradas aos cais, algumas carregadas com várias mercadorias. Com a
força do embate partiam-se os cabos e as barcaças afundavam-se. Outras vogavam ao sabor da corrente e saíam barra fora. Num espaço
de pouco mais de três horas, meia centena de barcaças haviam sido
afundadas ou saído pela barra para o mar.
Na sua descida desgovernada do rio a traineira foi direita ao sítio
de Santo António do Vale da Piedade, no lado de Gaia, onde estava o iate
português Teófilo contra o qual embateu e que, por sua vez, bateu noutro barco português, o Bata Novo, que se partiu em dois, afundando-se. Durante todo esse dia as autoridades marítimas reforçaram as
amarras dos barcos que estavam no Douro. Na Alameda de Basílio
Teles, em Massarelos, os cabos de reforço foram amarrados às árvores
o que obrigou ao corte do trânsito naquela zona porque as amarras
passavam por cima da faixa de rodagem.
No dia 2, as notícias chegadas da Régua eram alarmantes. O nível
da água, às 9 horas, havia subido para 17 metros; e à meia noite atingiu
os 24 metros. Neste dia o capitão do Puerto Alicante, João Saragoza, de
31 anos, recebeu a visita do seu primeiro maquinista que inicialmente
estava disposto a fazer companhia ao seu capitão. Porém, pouco depois
de subir a bordo, pediu para o irem buscar.
Foram dois trabalhadores
do estaleiro do Ouro que, com risco da própria vida, o foram recolher
num simples caíque. O capitão recusou-se a abandonar o seu barco.
Ao anoitecer do dia 2 as autoridades marítimas solicitaram os
serviços dos bombeiros a fim de que tentassem retirar o capitão do
barco. O sistema mais viável era o do vaivém, mas os bombeiros tiveram sérias dificuldades em estabelecer esse serviço por causa da subida
constante da água que impediu, por exemplo, a montagem da Calheta
do foguetão, o aparelho que atiraria com um cabo para o navio de
modo a possibilitar a montagem do vaivém.
Durante este impasse o
capitão tomou uma resolução: atirar-se à água e tentar alcançar terra a
nado. Logo que isso aconteceu, um pequeno barco dirigiu-se ao local
onde o marinheiro mergulhava mas não o encontrou. Mergulhou mas
nunca mais foi visto. Melhor: quando o voltaram a ver estava morto. O cadáver apareceu, dias depois, na praia da Lagoa, em A Ver-o-Mar,
na Póvoa de Varzim.
Enquanto esta tragédia se desenrolava, uma multidão havia-se
aglomerado nas duas margens do rio. Era tanta gente, e tão intenso o
tráfego de veículos, que era quase impossível ir, mesmo a pé, da zona
ribeirinha para o centro da cidade.
A noite do dia 2 foi calamitosa.
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