23/04/08

Amarante Literatura - No Dia do Livro, Teixeira de Pascoaes, o Poeta de Amarante!




«Teixeira de Pascoaes

Teixeira de Pascoaes produziu a partir da experiência existencial da saudade - presente de forma vaga e imprecisa nos seus primeiros textos em verso - uma reflexão, a que subjaz o princípio fundamental de que o ser manifesta uma condição saudosa. Do Ser ao ser, processa-se uma verdadeira queda ontológica, uma cisão existencial, manifestando o mundo, na sua condição decaída, um "pathos universal". Da condição saudosa de ser resulta pois uma condição dolorosa do mesmo ser. Dor de privação, dor de saudade, consciência da finitude, de imperfeição, de insuficiência ôntica.
A experiência da dor pelo homem saudoso, é simultaneamente individual e universal. Por ela o homem–poeta entende o mundo como "uma eterna recordação", percebendo a realidade como evocadora de uma outra realidade mais real que aquela.

A condição dramática da existência manifesta-se assim numa permanente tensão entre Ser e existir. O homem existe num primeiro nível de dignidade ontológica, partilhando pelo corpo o mundo da matéria, e vive pelo espírito. A vida é pois uma eterna aspiração à ultrapassagem da realidade material. A alienação é a situação que resulta da impossibilidade de o homem ser, verdadeiramente. Dividido entre assumir-se como puro espírito ou pura matéria, o homem não é nem pode ser verdadeiramente, oscilando eternamente entre uma e outra condição.

A saudade pascoaesiana transcende assim o mero sentimento individual, para assumir uma dimensão ontológica e metafísica. Na mesma medida em que todo o Universo "é a expressão cósmica da saudade" enquanto " infinita lembrança da esperança", a saudade psicológica, individual, assume, enquanto o homem partilha a condição do mundo, uma dimensão metafísica. Enquanto o homem como ser finito e imperfeito aspira à perfeição de ser, a saudade assume uma dimensão ontológica.

A saudade encarada do ponto de vista existencial leva o autor a conceber a natureza como sagrada, uma vez que a saudade do mundo é também saudade de Deus, de um Deus presente nas próprias coisas. É a divindade que se apropria de si mesma na evolução da natureza, pelo que Pascoaes postula a sacralização da mesma natureza. Deus existe antes e independentemente do homem; no entanto a vida, confere-lha o próprio homem.

O pensamento de Teixeira de Pascoaes manifesta assim, uma particular forma de religiosidade, que provém desde logo desta presença de Deus na natureza e da sua evidenciação nela. O autor concebe uma ordem na natureza, um princípio teleológico alheio ao acaso que deixa supor uma inteligência ordenadora que presida às transformações da realidade. Todo o esforço humano será para penetrar o Mistério da vida e do cosmos.

Deveremos referir ainda, que Pascoaes manifesta uma evidente preocupação com a natureza das relações do homem com a paisagem que o envolve, podendo mesmo considerar-se que há profundas preocupações ecológicas na sua obra. A sacralização da natureza de que falamos, determina uma relação de profundo respeito do homem pela paisagem e o cuidado com a sua preservação. Perpassa na sua obra um desencanto com o progresso que deveremos no entanto contextualizar. Trata-se da recusa de um progresso descaracterizador da natureza.

Sensivelmente de 1910 a 1919, Teixeira de Pascoaes teoriza o saudosismo, pensamento que desenvolve no âmbito do movimento da "Renascença portuguesa", de cujo órgão oficial, "A Águia," foi diretor. O saudosismo acaba por designar o movimento de cunho lusitanista estruturado em torno à questão da saudade portuguesa .Particularmente influenciado pelo momento político que se vivia em Portugal com o advento da República, e condicionado ainda, pela persistente crise que afetava a sociedade e a cultura nacionais, o pensador de Amarante desenvolve uma particular atenção às características particulares diferenciadoras do "génio lusitano", considerando a necessidade de preservar a identidade nacional, pela promoção do encontro de Portugal com a suas próprias raízes. O génio português encontra a sua síntese na saudade lusíada, que, não obstante ser um sentimento cósmico encontra num povo caracteristicamente saudosista a sua expressão mais apurada. Apenas a palavra portuguesa, "saudade", permite revelar algo da sua natureza essencialmente misteriosa, pelo que o autor parece esquecer o conceito universalista de saudade, para evidenciar o seu carácter intraduzível, e conceber mesmo uma teoria ortográfica cujo axioma fundamental determinava a necessidade de fazer corresponder a ortografia das palavras ao seu perfil psicológico. Para o autor "as palavras são seres" e nessa circunstância possuem um perfil físico e outro psicológico, que deverão estar em harmonia ao apresentar-se na sua forma gráfica.

O saudosismo manifesta ainda um caracter messiânico e profético aceitando Pascoaes o advento de uma nova "era lusíada".

A tese da exclusividade lusa da saudade provocou as mais desencontradas reacções, sendo de realçar o enfrentamento que teve lugar entre o núcleo Saudosista e o Seareiro, provocando tensões evidentes entre Pascoaes ele próprio, e António Sérgio, refletidas na importante polémica que ambos mantiveram. Não deveremos esquecer, porém, que a saudade portuguesa manifesta uma ligação clara à saudade universal. Se existe uma saudade portuguesa, é porque existe igualmente a saudade experienciada por outros povos. Refira-se no entanto, que o autor não foi suficientemente explícito nesta questão, particularmente durante o período em que se envolveu no movimento da "Renascença Portuguesa".

De destacar ainda que a ontologia monista e panteísta perfilhada por Teixeira de Pascoaes, concebendo que "tudo está em tudo", e que a inteligibilidade dos seres particulares se estrutura na referência ao todo de que fazem parte, determina que também a saudade lusíada encontre a sua origem na saudade universal apenas podendo por ela ser compreendida.

A saudade é uma via para o conhecimento: por ela abre-se uma via para uma mundividência, uma conceção geral da existência. O "pensamento poético" de Teixeira de Pascoaes é a expressão da possibilidade de conhecimento que se abre pela via da saudade. O conhecimento poético é simultaneamente estético, metafísico e ontológico: estético porque o que lhe é próprio se conhece pelo sentimento, metafísico e ontológico porque o seu horizonte é o da verdade que manifesta um caracter transcendente.

BIBLIOGRAFIA

1-De Teixeira de Pascoaes

1895-Embryões (poesia)
1896-Belo (poesia)-1ª parte
1897-Belo-2ª parte
1898-À Minha Alma e Sempre (poesia)
1899-Profecia (poesia) - em colaboração com Afonso Lopes Vieira
1901-À Ventura (poesia)
1903-Jesús e Pan (poesia)
1904-Para a Luz (poesia)
1906-Vida Etérea (poesia)
1907-As Sombras (poesia)
1909-Senhora da Noite (poesia)
1911-Marânus (poesia)
1912-Regresso ao Paraíso (poesia). Elegias (poesia; O Espírito Lusitano e o Saudosismo (conferência)
1913-O Doido e a Morte (poesia); O Génio português na sua expressão filosófica poética e religiosa (Conferência)
1914-Verbo Escuro (Aforismos); A Era Lusíada (conferência)
1915-A Arte de Ser Português (prosa didática)
1916-A Beira Num Relâmpago (prosa)
1919-Os Poetas Lusíadas (conjunto de conferências proferidas na Catalunha)
1921-O Bailado (prosa filosófica) e Cantos Indecisos (poesia)
1922-Conferência e A Caridade (conferência)
1923-A Nossa Fome (prosa filosófica)
1924-A Elegia do Amor (verso) e O pobre Tolo
1925-D. Carlos (poesia); Cânticos (poesia); Sonetos
1926-Jesús Cristo em Lisboa (peça de teatro escrita em colaboração com Raul Brandão)
1928-Livro de Memórias (prosa autobiográfica)
1934-S.Paulo (biografia romanceada)
1936-S. Jerónimo e a Trovoada (biografia romanceada)
1937-O Homem Universal (prosa filosófica)
1940-Napoleão (biografia romanceada)
1942-Camilo Castelo Branco O Penitente (biografia romanceada); Duplo Passeio (prosa)
1945-Santo Agostinho (biografia romanceada)
1949-Versos Pobres
1950-Duas conferências em defesa da paz

A presente bibliografia não pretende esgotar a vastíssima produção de Teixeira de Pascoaes, referindo-se apenas alguns dos seus mais importantes textos
"Sobre Teixeira de Pascoaes", Carvalho, Joaquim de, Reflexões sobre Teixeira de Pascoaes, in Obra Completa, vol.V, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa,1987
Coelho, Jacinto Prado, Introdução às Obras Completas de Teixeira de Pascoaes, vol.1,Bertrand, Lisboa,s/d.p.7
Coutinho, Jorge, O Pensamento de Teixeira de Pascoaes-Um Estudo Hermenêutico e Crítico, Publicações da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa,Braga,1995
Craveiro, Lúcio, A Filosofia em Teixeira de Pascoaes, «Revista Portuguesa de Filosofia»,34, (1979 p.51)
Gama, José, A Polémica Saudosista: Teixeira de Pascoaes e António Sérgio,«Brotéria»,114,(1982),p.185
Garcia, Mário, Teixeira de Pascoaes. Contribuição para o estudo da sua personalidade e para a leitura crítica da sua obra, Publicações da Faculdade de Filosofia, Braga,1976
Lourenço, Eduardo, O Labirinto da Saudade - Psicanálise Mítica do Destino Português, Publicações Dom Quixote, Lisboa,1968
Margarido, Alfredo, Teixeira de Pascoaes - A Obra e O Homem, Arcádia, Lisboa,1961
Sardoeira, Ilídio, A Influência do Princípio da Incerteza no Pensamento de Teixeira de Pascoaes «Revista Portuguesa de Filosofia»,11,(1955),p.620
Vasconcellos, Maria da Glória Teixeira de, Olhando Para Trás Vejo Pascoaes, Assírio & Alvim, Lisboa,1991
Vasconcellos, Maria José Teixeira de, Na Sombra de PascoaesVega, Lisboa,1993



"Painel

Num cerro do Marão
Estranha luz meus olhos deslumbrou;
E em corpo de lembrança divaguei
Além dos horizontes,
E toda a pátria terra percorri,
E o mar e o céu azul,
Onde os anjos da velha Lusitânia
Voam como através da nossa fantasia.

Vejo campos elísios de verdura,
Serras azuis de infinda suavidade;
E a serra do Gerês,
Com os seus altos baluartes esculpidos
A pancadas de chuva e de granizo
E a golpes de relâmpagos.
Vejo rios dormentes,
Misteriosos vales, que se alargam
Em cultivadas várzeas;
Ovelhinhas pastando em místicos outeiros
E pastores tangendo a flauta do deus ;
Meda de palha nos eirados,
Velhas choupanas que fumegam;
Sobre o quinteiro, à porta, uma ramada verde,
E, mais em baixo, num recanto escuro,
Uma bica de pedra a deitar água fresca
Num cântaro de barro.

E em lugares sinistros,
Que o medo despovoa,
Arruinados solares, onde habitam
Fantasmas e corujas, quando a Lua
Derrama, na solidão extática das noites,
Não sei que frio alvor e que tristeza de alma.

Praias de espuma e névoa, incêndios de oiro, à tarde,
Entre pinhais, fugindo, desgrenhados,
Na direcção do vento...

E cidades, vivendo protegidas
Por santos tutelares:
Viana e Santa Luzia e Braga e o Bom Jesus,
E Guimarães aos pés dum Pio IX em pedra,
Católica e Romana.

E o Porto de Herculano,
Como Lisboa é de Garrett.
Lisboa em gesso branco, o Porto em pedra escura,
Sobre os abruptos alcantis do Douro;
Esse rio que vem de longe, solitário,
Cobrir-se de asas brancas de navios
E de negros canudos de vapores.
Encostados aos cais, depõem a férrea carga.
Outros, vão demandando a barra e o farolim,
Que dá uma luz - tão triste! - em noites invernosas.

Distante, no poente, esfuma-se uma nódoa
Em verdes tons fluídos que palpitam
Numa névoa indecisa, vaga imagem
Da tristeza do mar pintada em nossos olhos.

Teixeira de Pascoaes"
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Na minha modesta opinião não existe Arte de esquerda e Arte de direita, mas antes, boa ou má. Ora a mesquinhez do nosso mainstream politico, levou a que por menoridade moral de índole marcadamente política, um tal complexo de esquerda que certos intelectuais portugueses ostentam de forma obsessiva. De tal forma que Teixeira de Pascoaes que dava nome à antiga Escola Preparatória de Amarante, título que foi retirado no pós 25 de Abril... lamentável! Eu, como Amarantino e amante de livros, não me cansarei de venerar o Poeta maior de Amarante, cuja vasta e profunda obra tem ainda muito a explorar! No Dia do Livro, leiam e divulguem a Obra de Teixeira de Pascoaes, o Poeta de Amarante!

Quinta de Pascoaes em Gatão, Amarante!

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