«O JARDINEIRO DO PORTO
Decisivo no segundo impulso de vida do FC Porto, em 1906, Jerónimo Monteiro da Costa também deixou marca na cidade.
Por Paulo Horta/Museu FC Porto
Quando a cidade renasceu após a Revolução Liberal, no século XIX, a paisagem e o ordenamento do Porto sofreram significativas mudanças. Nas memórias do burgo, que se estendem a partir desses tempos, descobre-se Jerónimo Monteiro da Costa, a quem o FC Porto também ficou a dever o segundo impulso de vida, em 1906.
A história do clube não esqueceu este portista do período ligado à presidência de José Monteiro da Costa, no começo do século passado. Jerónimo era o pai de José e um proeminente jardinista e horticultor da cidade, chefe nos serviços municipais desta área a partir da década de 1890 e responsável pela implementação de vários espaços de referência do Porto. Ao conhecimento profundo da arte da jardinagem associou uma interpretação eficaz de tendências urbanísticas inglesas e francesas, descobrindo lá fora o que de bom podia e devia ser feito cá dentro.
Ao lado de outras grandes autoridades na matéria, nomeadamente Marques Loureiro, de quem foi sócio na Real Companhia Hortícola-Agrícola Portuense, Jerónimo Monteiro da Costa alimentou o orgulho portuense através de criações resistentes à evolução urbana. Imagina-se o Porto sem jardins como os da Praça Mouzinho de Albuquerque (rotunda da Boavista), Arca d’Água ou Infante D. Henrique? Fazem parte da ação de Jerónimo pela cidade, que se prolonga ao FC Porto, de uma forma aparentemente menos visível, mas sabe-se como pendem para o erróneo os julgamentos pelas aparências…
Lavrado em ata
Jerónimo Monteiro da Costa foi um interveniente direto no projeto de relançamento do FC Porto concretizado pelo filho. De agosto de 1906 até à primeira eleição de José como presidente do clube, a 9 de fevereiro de 1907, as decisões obedeciam à supervisão de uma Comissão Instaladora, liderada, precisamente, por Jerónimo Monteiro da Costa, conforme velhos compêndios da história portista e, com rigor, as atas primordiais de Direção e Assembleia Geral do início do século XX.
A relação e o entusiasmo de Jerónimo à volta do Foot-Ball Club do Porto descobrem-se nessas linhas de registo e de memórias, percebendo-se que houve no papel do pai de José Monteiro da Costa um caráter, no mínimo, regulador. Por outro lado, a importância social de Jerónimo – e da família – contribuiu para brasonar a iniciativa, aplicando-lhe um selo de garantia irrefutável e necessário à consolidação das ideias: estruturar o clube, equipá-lo com instalações próprias e inundá-lo de capital humano.
Da Comissão ao Conselho
Os órgãos sociais do FC Porto eleitos a 9 de fevereiro de 1907 não incluíram Jerónimo Monteiro da Costa, mas a Assembleia Geral reunida nesse dia aprovou, unanimemente, um voto de louvor ao presidente da Comissão Instaladora, órgão que aí cessava funções.
Pela voz de Romualdo Torres, felicitou-se e prestou-se agradecimento a Jerónimo Monteiro da Costa pela “valiosa dedicação e relevantes serviços prestados a esta coletividade”, como membro da referida comissão, que também integrava António Martins, Cândido da Motta, Joaquim Pinto Rodrigues Freitas, José Monteiro da Costa e o italiano Cattulo Gadda, considerado o primeiro treinador de futebol da história do clube.
O nome de Jerónimo regressa com maior visibilidade um ano mais tarde, na eleição dos órgãos sociais do FC Porto para 1908-1910, integrando um Conselho Fiscal presidido por Eduardo Dumont Villares.
Virtudes e Companhia
O Campo da Rainha, o primeiro estádio da história do FC Porto, foi instalado em terrenos (viveiros de plantas) ocupados pela Real Companhia Hortícola-Agrícola Portuense, de que Jerónimo Monteiro da Costa era sócio. A empresa detinha também uma publicação especializada, o Jornal Hortícola-Agrícola, de grande difusão, na qual Jerónimo desempenhou funções de editor.
A Real Companhia Hortícola-Agrícola Portuense foi fundada por Marques Loureiro e sucedeu ao Horto das Virtudes. Com a implantação da República, no ano de 1910, viria a perder a designação régia. Jerónimo Monteiro da Costa esteve ligado à afirmação e primeira fase de expansão desta empresa portuense do século XIX. Jerónimo Monteiro da Costa era natural da freguesia de Tabuado, concelho de Marco de Canaveses. À data de nascimento do filho José, 24 de novembro de 1878, a família tinha residência na Rua da Restauração, no Porto.
A cidade do romântico
Conhecer a intervenção de Jerónimo Monteiro da Costa na paisagem da cidade é um convite à descoberta de encantos e memórias do Porto. Aos jardins de Arca d’Água, Praça Mouzinho de Albuquerque (rotunda da Boavista) ou Infante D. Henrique acrescentam-se outros pontos de referência de lazer e passeio que pertencem ao imaginário portuense, todos com marca da arte da jardinagem praticada por Jerónimo Monteiro da Costa: Praça da República, Praça Carlos Alberto e Jardim Carrilho Videira (Carregal).
A evolução urbana já fez desaparecer ou transformou outros espaços trabalhados pelo jardinista, como o jardim que envolvia a famosa fonte dos leões da Praça Gomes Teixeira, mas todo o legado remanescente é suficientemente rico e revelador da passagem do tempo em que a cidade se deleitava por estes lugares do romântico. Mas não é só no Porto que há trabalho de Jerónimo Monteiro da Costa para descobrir: o Parque de La Salette (Oliveira de Azeméis) ou o Parque das Termas da Curia, por exemplo, também levaram assinatura deste ilustre portista.
Texto publicado na rubrica “Os Imortais” da edição de novembro de 2016 da “Dragões”, a revista oficial do FC Porto que pode subscrever aqui.» in http://www.fcporto.pt/pt/noticias/Pages/o_jardineiro_do_porto_revista_dragoes_novembro_2016.aspx