25/07/13

Arte Escrita - Da antologia de contos “Até ser Primavera”, da Escritora Amarantina de Telões, a publicar no próximo outono, Pastelaria Estudios Editora.



«Da antologia de contos “Até ser Primavera”, a publicar no próximo outono, Pastelaria Estudios Editora:
(excerto) 
[…]

O Chico não sabia o que eram sonhos ou amor-próprio, ou partilha, ou respeito, ou livre-arbítrio. Havia muitas coisas que o Chico não sabia, mas ele não sabia que não sabia. O Chico cheirava o fedor repugnante da sua autoestima, mas era um cheiro só cheirado por ele, que a Celeste sentia-lhe outros fedores, e não tinham autoestima nenhuma. O Chico achava-se o maior. O Chico não passava de um mijaburro, como os narcisos de inverno, que se armam de folha larga e exuberante mas cheiram mal da flor quando começam a secar. O Chico não adiantava abaná-lo, que por mais que se sacudisse deitava sempre a mesma água, o mesmo cheiro nojento. O Chico era um ignorante, e a ignorância é a noite da mente, uma noite escura, sem estrelas nem lua. O Chico era um fraco. O Chico era feito de uma massa podre, como merda, que é a covardia a exercer poder sobre os mais fracos. O Chico cheirava mal. O Chico praguejava coisas feias – dizia-as como um verdugo, num chorrilho de imprecações, como se estivesse a arder no Inferno. O Chico era um triste, um inadaptado. O Chico devia ser tratado. O Chico tinha um defeito de fabrico, que era assim uma espécie de coisa que degenera na pessoa, a ponto de ter a personalidade distorcida, a ponto de serem dois Chicos criados a trouxe-mouxe sem se saber como nem porquê. 
Um dia, a Celeste, com a boca ensanguentada, teve a coragem de dizer ao Chico, “Se me queres ver morrer, fica sabendo que não será aqui nem hoje”, e o Chico andou uns tempos a cismar naquilo. 
[…]


(Escritora Anabela Borges [breve apresentação biobibliográfica])

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