«Foi pouco depois que Pascoaes leu o primeiro livro que Bessa Luís lhe oferecera.
-«O Mundo Fechado». Gostou e quis dizer-lho. Escreveu-lhe uma carta a agradecer e a falar-lhe da sua admiração. Mas não sabia a morada nem o sexo do escritor, nesse tempo, a Maria Agustina assinava apenas Bessa Luís. Meu Tio não sabia quem era. Entregou-me a carta e disse-me: «Vê se descobres a direcção e manda esta carta para o correio. Deve tratar-se de um homem porque só um homem poderia escrever com esta força.»
Pedi a morada ao editor, de Coimbra. Respondeu que não sabia. Soube depois que não estavam de boas relações. Guardei a carta e esperei uma melhor oportunidade. O tempo passou. O Poeta morreu e a carta continuava nas minhas mãos.
Por fim, um dia, fui almoçar a casa de meu tio João. Encontrei lá um rapaz que eu conhecia há muito - o José Bessa, de Vila Meã.
Durante o almoço, a mulher dele, que ficara a meu lado, perguntou-me:
«Gosta da minha cunhada?» De início não percebi a pergunta. Indaguei: eu conheço a sua cunhada? Respondeu-me: «Pelo menos os livros deve conhecer.» Insisti: como se chama a sua cunhada? - «Bessa Luís» - foi a resposta.
Fiquei tão emocionada que quase não podia falar. Quando me recompus, pedi a morada e o telefone da Bessa Luís. Logo que cheguei a casa, liguei para a Maria Agustina e pus a carta nas suas mãos.
Agradeceu-me com uma carta e ficámos amigas para sempre:
«Porto, 2 de Dezembro de 1953
Ex.ma Senhora
«Chegou às minhas mãos há poucos dias a carta que o seu ilustre Tio, Teixeira de Pascoaes, me tinha escrito. Venho agradecer-lhe a si a gentilíssima maneira como me comunicou a existência dessa carta tão bela e inestimável. De certo pelo telefone lhe pareci fria e incompreensiva, tanto é certo que a notícia mais admirável ou estranha me deixa impassível à superfície. Mas eu desde logo senti o que havia de precioso nesse legado tornado mais especial ainda pela morte.
«Perdoe-me se o meu longo silêncio lhe deu ocasião para me julgar ingrata ou grosseira. Às vezes, de facto, sou ambas as coisas; mas sei redimir-me com rigor . As nossas faltas têm apenas um sentido, que é o de nos elevar pela expiação; são portanto indispensáveis ao nosso progresso moral. É pois de coração mais sincero, com mais veemência e convicção que me dirijo a si só agora. Podia ter-lhe agradecido há muito tempo. Mas só agora compreendo quanto lhe estou grata.
«Com os meus cordiais cumprimentos, creia-me ao seu dispor em tudo quanto possa ser da minha parte testemunho de amizade.»
Maria Agustina Bessa Luís» in Fotobiografia "Na Sombra de Pascoaes" de Maria José Teixeira de Vasconcelos
(Noites da 2 Agustina Bessa Luis RTP2 JPL TVRIP)
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