«Os homens e a floresta…
Andei muito com os meus primos pelos montes da família, com
os rebanhos de ovelhas que estes pastoreavam e que ajudavam ao sustento
familiar, pelos anos oitenta e sempre me intrigaram os buracos em forma de
bacia com vestígios de carvão, que apareciam de longe a longe nos terrenos.
Eram os fornos dos carvoeiros, descobri mais tarde, em que homens vestidos e
sujos de negro, apresentavam uma aura quase mística. No lusco fusco das tardes,
lá vinham eles, quais personagens misteriosas da noite, carregar o carvão em
sacos de serapilheira.
Esse produto vegetal que resultava da queima de ramos mais
rasteiros dos pinheiros e de detritos biológicos que as florestas criavam
naturalmente. Normalmente, queimavam esses restos da floresta, em poços
previamente construídos para o efeito e depois deitavam terra por cima das
fogueiras e o fogo continuava em brasa, sob esse manto de terra, a produzir o
carvão tão útil para as braseiras no inverno, os aquecedores da época. Ainda me
lembro de ver passar por nós, os primos, um velho homem de negro e com sacos de
carvão. Olhou para nós, fitou-nos de frente, disse-nos para lhe vigiarmos os
fornos que mais tarde viria. Como se tratava já de um homem de idade avançada,
nunca mais o vi, e por uns tempos, ainda foi possível ver os poços vazios,
entregues aos matagais. Para jovens como nós, foi um momento de inquietação a
passagem daquele homem, oriundo da floresta e imerso nela, dando a ideia que
lhe pertencia.
Aliás, eu e os primos, como tínhamos que acompanhar as
ovelhas, fruíamos a floresta e os campos abandonados de todas as formas e
feitios. Ora fazíamos pequenas quadras para jogar futebol, em improvisados
ervados, onde disputávamos jogos de futebol, dois contra dois, em tardes de
verão intermináveis. Outra brincadeira era jogar aos cowboys, onde quem se
escondia melhor entre matos e rochas, apanhava os outros na sua mira, campo de
visão, e dizia o nome do eliminado. Os primos trepavam árvores como ninguém e
era um gosto vê-los a subir aos ninhos de rolas e de pegas. Como moço vindo da
cidade, jamais tive a sua apetência para subir pelas árvores acima, puxando com
pernas e braços num estilo bem simiesco. E comíamos amoras, bebíamos água
fresca das levadas de rega dos lavradores que nascia em minas, pinhões, uvas,
maças, peras, figos, laranjas, tangerinas…
Outros personagens curiosos dos montes eram os resineiros.
Colocavam uns recipientes de borracha na parte inferior dos troncos dos
pinheiros, golpeavam-nos com mestria e estes ficavam a escorrer a resina, um
produto dos pinhais muito útil para a industria nacional. Claro que nos anos
oitenta, o país ainda não tão fustigado pelo terrível drama dos incêndios
florestais, muito por causa deste aproveitamento holístico de todos os recursos
da floresta. Afinal, nessa altura ainda se faziam as camas do gado, com o mato
dos montes e as prometidas centrais de biocombustão que absorveriam muitos dos
materiais sobrantes das florestas, foram apenas planos que ficaram nas gavetas
dos executores dos fundos europeus.
«Portugal, que foi um dos líderes mundiais deste produto,
tendo chegado a produzir 140.000 toneladas em 1984, contrastando com a modesta
produtividade mais recente, de 6.000 tn em 2012, ou 4.500 tn em 2009. A resina
é formada por várias substâncias (ácidos, álcool e óleo) e da destilação da
resina obtêm-se dois produtos para a indústria de 1ª transformação: a
terebintina (ou aguarrás) e a colofónia (também conhecida por pez). Depois da
matéria-prima transformada, ela passa por uma outra indústria (a de 2ª
transformação), onde os produtos derivados terão como destino os mais diversos
fins, desde a área da medicina e indústria farmacêutica até às borrachas,
passando pela cosmética e até mesmo a indústria alimentar (pastilhas
elásticas). Em Portugal a resinagem é feita no pinheiro-bravo e também no
pinheiro-manso, sendo uma atividade regulamentada por lei.» in http://www.agrotec.pt/noticias/resinagem-em-portugal-um-foco-de-esperanca/
E andavam sempre muitos caçadores pelos campos e montes, que
nós seguíamos para ver as suas caçadas, ao coelho, maioritariamente, mas também
à perdiz. Os campos e montes estavam sempre com gente, que coabitavam de forma
harmoniosa. Os matos eram cortados pelos lavradores que faziam assim as camas
do gado, produzindo depois um substrato fabuloso para a fertilização das terras
agrícolas. A máxima de que nada se perdia, tudo se transformava, era assim
consubstanciada, quase na sua plenitude.
Se isso agora era possível, claro que não. Afinal, os regatos
estão empestados de químicos dos adubos, herbicidas, sulfatos… A agricultura
mudou, automatizou-se, perdeu gente, é mais intensiva e agressiva para solos e
cursos de água. Os montes ardem todos os Verões, num espetáculo sempre
repetido, ano após ano. Se éramos mais felizes nesses tempos em que brincávamos
e andávamos pelos montes é muito discutível, pois hoje em dia parece que os
gadgets que a tecnologia disponibiliza aos jovens são por demais imersivos
noutras realidades que, os prendem de uma forma quase obsessiva, mas que, pelo
menos aparentemente, os fazem felizes.
O que não está melhor, isso é factual, é a nossa floresta autóctone,
estar a ser substituída por eucaliptais, que alteram dramaticamente a nossa
paisagem visual, mas pior do que isso, afetam negativamente as águas dos solos
e são um ótimo combustível para as chamas que os fustigam todos os Verões. Além
disso, os nossos pinhais antigos tinham manchas de carvalhos e de sobreiros que,
pela sua natureza, são excelentes formas de controlar naturalmente a evolução
dos incêndios florestais. Esta política de terra queimada, por muito que se
queira ignorar, está a destruir paulatinamente a economia da floresta, a
paisagem, o ambiente. Dizem agora que a culpa é dos pequenos proprietários
florestais que não têm meios de gerir as suas pequenas parcelas de floresta. E
as florestas do Estado, não ardem? E os baldios, não ardem? Cheira-me a negócio
queimado, o que está para vir, no que respeita à política florestal.» in http://birdmagazine.blogspot.pt/2016/11/os-homens-da-floresta.html
THE CURE - "A Forest"
"A Forest
The Cure
Come closer and see
See into the trees
Find the girl
If you can
Come closer and see
See into the dark
Just follow your eyes
Just follow your eyes
I hear her voice
Calling my name
The sound is deep
In the dark
I hear her voice
And start to run
Into the trees
Into the trees
Into the trees
Suddenly I stop
But I know it's too late
I'm lost in a forest
All alone
The girl was never there
It's always the same
I'm running towards nothing
Again and again and again and again"
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