«Centenário da República: Iguarias, curas milagrosas e gatunices nas páginas do Diário de Notícias em 1910
No início de 1910, ano em que a Monarquia deu lugar à 1ª República, os assuntos de Política Externa dominavam as páginas do Diário de Notícias, as grandes cheias de Paris provocavam lamentos e alguns desmentidos políticos eram feitos.
Mas, para além dos grandes temas, o que é que podia encontrar?
Nos primeiros dias do ano de 1910, antes de ler o “Assumpto do dia”, o leitor não podia desviar os olhos dos vários anúncios de Bolo Rei. Na Confeitaria Nacional, na Pastelaria Taboense, na casa de Macau... Muitos eram os locais que pagavam por um anuncio de dimensões razoáveis.
Para além do Bolo Rei, outras iguarias “tentavam” o leitor do Diário de Notícias. A empresa Cruces & Barros estava prestes a receber um carregamento de Favas de Itália. O queijo de azeitão, diziam, chegaria no dia seguinte. As manteigas “exclusivamente feitas de leite” e vendidas a 1$000 reis cada quilograma estavam, já disponíveis numa mercearia na Baixa. Entretanto, para outros interessados, em letras também destacadas, anunciava-se que uma nova remessa do raticida Ratin tinha acabado de chegar.
O português está sempre alegre?
Com tantas novidades não havia como contrariar um artigo intitulado “O portuguez está sempre alegre?!”. A não ser o senhor Manuel Andrade, que não tinha motivos para sorrir. Este motorista da Carris tinha sido agredido por dois funcionários da mesma empresa há quase um ano. Depois de ter ficado “quasi a morrer”, apresentou queixa mas os culpados ainda não tinham sido presos. O senhor Andrade, que entretanto deu “indícios de desarranjos nas suas faculdades mentais” foi mandado internar pela sua esposa.
No saldo de problemas de segurança, ou Gatunices, como o jornal lhes chama, ficam ainda registados “um provinciano roubado”, “um soldado burlado”, “uma égua furtada”, “uma senhora atropelada”, “um bandolim furtado” e uma senhora que tentou vender um medalhão de latão dizendo que era de ouro.
A Saúde e os Republicanos
No meio dos anúncios de emprego, onde se pediam raparigas “para todo o serviço” e rapazes para carpinteiros ou para um “botequim Music Hall”, havia ainda espaço para publicitar curas milagrosas e produtos infalíveis. Como o Elixir Anti-diabético do Dr. Felisbelo Freire ou o “Carvão Nephtolado Granulado”, ideal para “dispepsia, embargo gástrico, flatulências e diarreias pútridas”. Mas o mais “honesto” era o da Emulsão de Scott que utilizava o alegado testemunho de um pai. “Muito folgo em poder participar a V. Sª a cura de minha filha Maria da Conceição. Era magra, pouco desenvolvida, enfim, era uma raquítica. Dei-lhe a Emulsão de Scott e hoje encontra-se boa, forte, gorda e bem desenvolvida.”
Pouco discretamente, na primeira página, surgiam importantes referências a nomes que, mais tarde, vieram a ocupar o cargo de Presidente na Primeira República. O “Senhor Doutor Manuel de Arriaga” é citado num encontro onde afirmou que “no dia em que o homem não impuser a sua superioridade a mulher, começará a paz no mundo”. Já o "Senhor Doutor Teófilo Braga", respondendo a acusações da Igreja Católica, responde lapidarmente: “se um indivíduo chegar ao pé do senhor e lhe disser que o senhor lhe furtou um relógio o senhor discute com ele? Nada d’isto. O que se faz é aplicar uma dose de socos a esse indivíduo.”
Para adivinhar o que se iria passar dentro de alguns meses talvez não fosse preciso recorrer a videntes. Mas o anúncio de Madame Brouillard, a “célebre quiromante da Europa”, fazia-se notar. Ate porque esta “sonâmbula dupla vidente” vendia também um sabonete que acabava com as sardas...» in http://noticias.sapo.pt/infolocal/artigo/1043356.html
No início de 1910, ano em que a Monarquia deu lugar à 1ª República, os assuntos de Política Externa dominavam as páginas do Diário de Notícias, as grandes cheias de Paris provocavam lamentos e alguns desmentidos políticos eram feitos.
Mas, para além dos grandes temas, o que é que podia encontrar?
Nos primeiros dias do ano de 1910, antes de ler o “Assumpto do dia”, o leitor não podia desviar os olhos dos vários anúncios de Bolo Rei. Na Confeitaria Nacional, na Pastelaria Taboense, na casa de Macau... Muitos eram os locais que pagavam por um anuncio de dimensões razoáveis.
Para além do Bolo Rei, outras iguarias “tentavam” o leitor do Diário de Notícias. A empresa Cruces & Barros estava prestes a receber um carregamento de Favas de Itália. O queijo de azeitão, diziam, chegaria no dia seguinte. As manteigas “exclusivamente feitas de leite” e vendidas a 1$000 reis cada quilograma estavam, já disponíveis numa mercearia na Baixa. Entretanto, para outros interessados, em letras também destacadas, anunciava-se que uma nova remessa do raticida Ratin tinha acabado de chegar.
O português está sempre alegre?
Com tantas novidades não havia como contrariar um artigo intitulado “O portuguez está sempre alegre?!”. A não ser o senhor Manuel Andrade, que não tinha motivos para sorrir. Este motorista da Carris tinha sido agredido por dois funcionários da mesma empresa há quase um ano. Depois de ter ficado “quasi a morrer”, apresentou queixa mas os culpados ainda não tinham sido presos. O senhor Andrade, que entretanto deu “indícios de desarranjos nas suas faculdades mentais” foi mandado internar pela sua esposa.
No saldo de problemas de segurança, ou Gatunices, como o jornal lhes chama, ficam ainda registados “um provinciano roubado”, “um soldado burlado”, “uma égua furtada”, “uma senhora atropelada”, “um bandolim furtado” e uma senhora que tentou vender um medalhão de latão dizendo que era de ouro.
A Saúde e os Republicanos
No meio dos anúncios de emprego, onde se pediam raparigas “para todo o serviço” e rapazes para carpinteiros ou para um “botequim Music Hall”, havia ainda espaço para publicitar curas milagrosas e produtos infalíveis. Como o Elixir Anti-diabético do Dr. Felisbelo Freire ou o “Carvão Nephtolado Granulado”, ideal para “dispepsia, embargo gástrico, flatulências e diarreias pútridas”. Mas o mais “honesto” era o da Emulsão de Scott que utilizava o alegado testemunho de um pai. “Muito folgo em poder participar a V. Sª a cura de minha filha Maria da Conceição. Era magra, pouco desenvolvida, enfim, era uma raquítica. Dei-lhe a Emulsão de Scott e hoje encontra-se boa, forte, gorda e bem desenvolvida.”
Pouco discretamente, na primeira página, surgiam importantes referências a nomes que, mais tarde, vieram a ocupar o cargo de Presidente na Primeira República. O “Senhor Doutor Manuel de Arriaga” é citado num encontro onde afirmou que “no dia em que o homem não impuser a sua superioridade a mulher, começará a paz no mundo”. Já o "Senhor Doutor Teófilo Braga", respondendo a acusações da Igreja Católica, responde lapidarmente: “se um indivíduo chegar ao pé do senhor e lhe disser que o senhor lhe furtou um relógio o senhor discute com ele? Nada d’isto. O que se faz é aplicar uma dose de socos a esse indivíduo.”
Para adivinhar o que se iria passar dentro de alguns meses talvez não fosse preciso recorrer a videntes. Mas o anúncio de Madame Brouillard, a “célebre quiromante da Europa”, fazia-se notar. Ate porque esta “sonâmbula dupla vidente” vendia também um sabonete que acabava com as sardas...» in http://noticias.sapo.pt/infolocal/artigo/1043356.html
Sem comentários:
Enviar um comentário