Muito da narrativa do Dia de Reis, que aqui ao lado até é feriado, está baseado em evidências que vieram… não se sabe de onde.
Dia de Reis. Mais um motivo (no calendário) para juntar a família, em alguns casos.
Nas casas de alguns dos leitores do ZAP, provavelmente, a noite passada – 5 de Janeiro – até foi sinónimo de jantar de família. Não com a importância ou dimensão da noite de Natal, mas pode ter acontecido.
Aqui ao lado, em Espanha, é feriado nacional. E, como sabemos, muitos espanhóis esperam mais por este dia do que pelo 25 de Dezembro – sobretudo quem quer receber prendas (embora em muitas casas espanholas já se faça a troca de prendas no Natal, não no Dia de Reis).
Até temos um bolo que, a partir de certa altura da História, começou a ser associado aos reis magos. Sim, o bolo-rei.
Mas que “reis” foram esses?
Não foram.
Ou melhor, de facto “uns magos vieram do Oriente a Jerusalém” à procura do recém-nascido Jesus. É o que diz a Bíblia.
Esta é a única referência em toda a Bíblia. Surge no Evangelho de Mateus, no capítulo 2, entre os versículos 1 e 12. Apenas “uma dúzia” de linhas sobre a viagem dos magos.
Pode procurar em toda a Bíblia – ninguém escreveu que esses magos eram “reis”.
E pode procurar em toda a Bíblia – ninguém escreveu que eram três magos. Podiam ser dois, podiam ser 15.
E, já agora, pode procurar em toda a Bíblia – ninguém escreveu que eles se chamavam Belchior, Gaspar e Baltasar.
Explicações (eventuais)
Não há explicações científicas, concretas, sobre a origem destas designações: dos “reis”, do número três e dos nomes.
A tradição cristã começou a “espalhar” essas noções, mas os historiadores divergem muito em relação à sua base – quando há.
O número três será o mais fácil de explicar: ouro, incenso e mirra. Estas foram as “dádivas” oferecidas pelos “magos”. Isso sim, está escrito na Bíblia. E passou a deduzir-se que seriam três magos, porque foram oferecidas três dádivas. Deduz-se.
Em relação aos nomes, é complicado definir a sua origem. Uma vertente de historiadores foca-se no Excerpta Latina Barbari, um documento/cronologia escrito em grego, perto do ano 500, que apresenta os seus nomes – mas há muitas dúvidas em relação à tradução desse documento para latim (cujo autor é… desconhecido).
Os “reis” também criam dúvidas entre os estudiosos. Os “magos” eram homens precisamente estudiosos, que em princípio eram muito sábios, sobretudo sobre astrologia.
Outra perspectiva, defendida por exemplo pelo Bispo de Lamego, D. António Couto, sugere que os magos “representam a humanidade de coração puro e de olhar puro que, agora e de perto, sabe ler os sinais de Deus, sejam eles a estrela que desponta, ou o sonho, uma e outro indicadores de caminhos novos, insuspeitados”.
Mas não seriam “reis” de qualquer reinado; fossem de onde fossem – que também não se sabe exactamente de que zona do “Oriente” vieram.
Sobre a adopção da designação “reis”: alguns historiadores acreditam que um bispo, Tertuliano, apresentou no século III essa interpretação: defendeu que Mateus, ao mencionar “magos”, queria dizer “reis”. E baseou-se em (supostas) profecias do Antigo Testamento da Bíblia, que avisavam que haveriam de chegar estes “reis”. Uma visão que nunca foi consensual.
Não é um registo histórico. São suposições, interpretações. Que, pelos vistos, convenceram milhões de pessoas ao longo de quase 2 mil anos.
Nuno Teixeira da Silva, ZAP» in https://zap.aeiou.pt/nunca-houve-reis-magos-e-nem-se-sabe-se-eram-tres-515680