18/05/20

Extração Mineira - As pedreiras e areeiros em processo de recuperação paisagística deveriam apenas receber resíduos de solos de escavação não contaminados.



«Pedreiras: as novas lixeiras do séc. XXI

As pedreiras e areeiros em processo de recuperação paisagística deveriam apenas receber resíduos de solos de escavação não contaminados. Quercus alerta para deposição de amianto sem qualquer controlo.

Os aterros têm levantado inúmeras questões relativamente à deposição de resíduos de forma ilegal – quer pela mistura de amianto com resíduos orgânicos, quer pela deposição de resíduos importados de países da União Europeia. Mas há outra realidade que esconde a dimensão do problema e assusta os ambientalistas: os resíduos que são depositados em pedreiras e areeiros desativados que estão em processo de recuperação paisagística. «É uma prática normal, mas isso não significa que seja adequada e, por questões financeiras, isso continua a ser feito em Portugal. Quando dizemos que erradicamos as lixeiras, não o fizemos na realidade, porque elas continuam a existir, só que escondidas», avançou ao SOL Carmen Lima, coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus.

«Aquilo que acontece é que há várias situações em Portugal, distribuídas a nível nacional por estes areeiros e pedreiras em recuperação paisagística, que recebem de forma ilegal determinado tipo de resíduos. Aí são competitivos com os aterros, que estão licenciados, e serão futuras lixeiras do século XXI», acrescentou. As pedreiras e areeiros nestas condições só deveriam receber resíduos de escavação não contaminados – que resultam de obras feitas em solos que não estão contaminados.

À Quercus já chegaram, porém, denúncias de pedreiras e areeiros que recebem amianto sem qualquer acondicionamento, em que «os impactos do mau manuseamento e encaminhamento refletem-se nos profissionais que estarão em contacto com o mesmo durante o processo de gestão do resíduo, dado que o mesmo é carcinogénico». Azambuja, Seixal, Barreiro e Sintra são alguns dos casos relatados.

De uma forma geral, o processo de recuperação paisagística acontece quando uma pedreira encerra a sua atividade de extração e é necessário restaurar e recuperar aquela área que ficou degradada. Das escavações nas pedreiras surgem enormes buracos que é depois preciso tapar para integrar o espaço. O que acontece frequentemente é que as pedreiras são preenchidas com resíduos de solos de escavação contaminados. «Geralmente, os locais de instalação dos aterros são infraestruturas onde houve exploração de areia ou pedra que estão abandonados que têm de ter um processo de recuperação paisagística que é obrigatório e poderão fazê-lo através da instalação de um aterro», explicou Carmen Lima.

Segundo a regulamentação em vigor, é preciso assegurar o isolamento das células para deposição de resíduos urbanos ou industriais, ou seja, «o buraco tem de ser insular para impedir que haja infiltração do lixo enviado – a água das chuvas que passa pelos resíduos e, no caso de ser um aterro de resíduos industriais banais, pode arrastar contaminação», alerta a Quercus. Mas, no caso das pedreiras em recuperação paisagista – em que se considera que recebe apenas resíduos de escavação – esta proteção não existe. Não tendo esta proteção, se for lá colocado outro tipo de materiais, «haverá o arrastamento direto dos lixiviados para os lençóis freáticos e para o solo».

Além de, por vezes os resíduos serem mal classificados na obra, também é muito mais barato encaminhar resíduos para pedreiras ou areeiros. E, como estes «projetos de recuperação paisagística são fiscalizados pelas autarquias, e como as autarquias têm recursos humanos limitados de fiscalização», acaba por ser muito difícil identificar todos os casos.

Depois de depositados os resíduos de forma errada, o impacto indireto negativo reflete-se na contaminação da água – por exemplo, próximo de zonas rurais, onde as pessoas fazem furos e utilizam a água para a agricultura. Ao contrário dos aterros licenciados, que se situam longe de zonas habitacionais, as pedreiras e areeiros estão, muitas vezes, localizados junto a essas zonas. Esta situação, «poderá contribuir para a perda de fertilidade do solo, uma vez que estes produtos químicos reduzem a fertilidade dos solos, e contribuirá igualmente para impactos na saúde, uma vez que provoca a contaminação dos aquíferos».

Os casos, explicou a Quercus, são evidentes em diversos pontos do país. E, apesar de estarem localizados, maioritariamente, na zona de Lisboa, isso «não inviabiliza que não esteja a ocorrer em outras localizações de Portugal».

Os exemplos e os alertas

Na Azambuja, em Vila Nova da Rainha, numa antiga pedreira, foram identificadas práticas ilegais, como a deposição de Resíduos de Construção e Demolição (RCD) e amianto. No Seixal e no Barreiro estão também identificados alguns casos – o areeiro ‘Saforal’, o areeiro ‘António Silva’, o areeiro ‘Quinta da Areia’, o areeiro ‘Sofarmil’ e o areeiro ‘J.Caetano’. Já em Sintra foram identificadas descargas ilegais de resíduos e descargas de Resíduos de Construção e Demolição sem triagem em Alfouvar e Pedra Furada. Existem ainda «relatos de deposições ilegais neste âmbito igualmente nas recuperações paisagísticas localizadas em Benavente e Sesimbra», acrescentou Carmen Lima.

Um outro exemplo, mais antigo e que ficou resolvido depois da divulgação por parte das associações ambientalistas e que exemplifica o perigo do encaminhamento de resíduos de escavações em solos contaminados, são as obras de ampliação feitas na CUF Descobertas. Quando começaram a ser feitas as escavações, os resíduos «foram encaminhados para o um processo de recuperação paisagística e só quando a contaminação começou a ser evidente é que pararam o encaminhamento», explicou a coordenadora da Quercus.

A associação ambientalista alerta que seria fundamental que o Ministério do Ambiente promovesse uma campanha de inspeção aos areeiros e pedreiras que se encontram em fase de recuperação paisagística, preferencialmente em articulação com o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA), com as respetivas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e com as autoridades, para que sejam identificados «os maus encaminhamentos e  atue como fator de alarme para estes espaços não receberem este tipo de resíduos».» in https://sol.sapo.pt/artigo/696977/pedreiras-as-novas-lixeiras-do-sec-xxi



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