A lenda com 900 anos de “estórias” diz que o mosteiro de Cárquere, em Resende, está ligado à nacionalidade portuguesa, porque lá terá sido curado Afonso Henriques, ainda criança, levado pelo aio Egas Moniz, cujo túmulo está em Paço de Sousa, Penafiel.
A ligação entre os dois nobres do século XII, que a lenda ajudou a eternizar ao longo dos séculos, remete para o papel que a região do Tâmega e Sousa desempenhou nos primórdios da nacionalidade, plasmado nos imponentes mosteiros românicos de Cárquere e Paço de Sousa (Penafiel), entre outros, como o de Pombeiro, onde se fixavam poderosas e ricas ordens religiosas.
Egas Moniz, senhor dos Ribadouro, com inúmeras posses no território hoje conhecido como Penafiel e concelhos vizinhos, foi um dos fidalgos mais poderosos do Condado Portucalense, assim como os Sousas, mais influentes, a norte, na zona hoje conhecida como Felgueiras.
O historiador José Augusto Costa, da Rota do Românico, fala da lenda em que, num sonho de Egas Moniz, terá aparecido Nossa Senhora a dizer para o aio conduzir Afonso Henriques, então com cerca de seis anos de idade, a uma ermida, em Cárquere, e colocar o infante na mesa do altar juntamente com uma pequena imagem de Santa Maria de Cárquere, onde seria curado de uma deficiência física de nascença.
Segundo a tradição popular, a cura do futuro monarca ocorreu por volta de 1115, preparando-o para o que veio a ser um chefe militar e rei.
Reconhecido pelo milagre, Egas mandou construir a igreja que daria origem ao mosteiro românico de Cárquere, dominado pela ordem religiosa dos Crúzios, ligada ao rei Afonso Henriques. Naquele local de culto, rodeado pelas serranias, ainda hoje se pode encontrar, oculta por um altar barroco, o que se crê ser a mesa de granito onde foi deitado e curado o futuro monarca.
Também ainda existe, guardada num cofre, uma pequena imagem, em marfim, de Santa Maria de Cárquere, que o povo diz estar ligada ao milagre.
Mas, de acordo com o técnico ouvido pela Lusa, há uma variante da lenda que refere que no caminho para Cárquere, Afonso Henriques terá morrido, sendo o infante substituído por um dos filhos de Egas Moniz.
Talvez por isso, também se afirme que, muitos anos depois, quando o senhor de Ribadouro se deslocou a Toledo para se entregar a Afonso VII, rei de Leão, porque anos antes tinha dado a palavra de honra da vassalagem de Afonso Henriques, aquando do cerco de Guimarães de 1127, ele estaria a penitenciar-se pelo que fizera o seu filho.
“Egas Moniz é uma das figuras mais importantes da nossa história, o homem da palavra e da honra, que levou, segundo a lenda, Afonso Henriques até Cárquere”, comentou o historiador.
A ligação do fidalgo a Afonso Henriques, acrescentou, ainda hoje atrai milhares de visitantes à Rota do Românico, que inclui 58 monumentos, quase todos daquele período histórico.
“É toda a figura do Egas Moniz e todo este encanto à volta da nossa história”, observou, referindo serem os mais velhos os que mais apreciam o edificado que hoje representa o aio do primeiro rei de Portugal.
Na igreja do mosteiro beneditino de Paço de Sousa, mandada construir pelos Ribadouro, em meados do século XIII, encontra-se o túmulo de Egas Moniz, primitivamente colocado, com outros da sua família, na pequena Capela do Corporal que foi demolida no século XVII.
Após sucessivas localizações, o túmulo pode atualmente ser encontrado na igreja românica, tendo sido remontado em 1929, quando se procedeu a trabalhos de remodelação do edificado para “receber condignamente um dos santos da nação”, como se dizia naquele período de exaltação nacionalista.
Nas várias faces graníticas do túmulo, observam-se imagens, esculpidas com relevos na pedra, que representam a ida de Egas a Toledo, a cavalo, de corda ao pescoço, onde acabaria por ser poupado pelo monarca de Leão, e a sua morte natural, anos depois, em 1146.
O historiador diz não se poder afirmar se a lenda do milagre de Cárquere terá algo factual, mas destaca não haver dúvidas de que os dois mosteiros, separados por algumas dezenas de quilómetros de estradas serpenteantes, são contemporâneos e que, de acordo com traços arquitetónicos românicos, ainda hoje observáveis, neles terão trabalhado as mesmas pessoas.