Solstícios e Equinócios
No Hemisfério Norte os dias 22 e 23 de Setembro marcam o Equinócio do Outono (quando a duração do dia e da noite são iguais). A incidência dos raios solares, perpendicularmente sobre a linha do Equador, assinala a mudança da estação do Verão para o Outono: as folhas amarelecem ao sol sensível do Outono, os dias tornam-se mais curtos, as noites mais longas.
Se os povos antigos pensavam encontrar uma relação entre a mudança sazonal do Verão para o Outono, com o movimento do nascimento do sol no horizonte, essa relação seria, seguramente, errada. A relação entre esses dois fenómenos só foi descoberta de forma consistente no século XVI, quando o matemático e astrónomo Copérnico propõem o sistema heliocêntrico – a terra gira em torno do sol que é relativamente estacionário. Até então, o facto de fixar-se uma data na qual o dia e a noite teriam a mesma duração de 12 horas seria vazia de interesse e de significado económico para as sociedades romanas e paleocristãs e, possivelmente, não influenciava significativamente as suas crenças, as suas atitudes e os seus comportamentos.
Já o solístico de inverno (quando a duração do dia é mais curta e a noite, mais longa) revestia-se do maior interesse e de significado para as sociedades primitivas.
A Idade das Fábulas
Era em Dezembro durante o período do solstício do inverno que os mesopotâmios praticavam rituais para auxiliar o Deus Marduque dos quatro olhos na luta contra as forças do caos, personificadas pela deusa Tiamate que após derrotada, vê o corpo dividido em dois: o céu e a terra. Nesse mês também o Zeus grego dos céus, do raio e do trovão, iniciava uma nova batalha contra o seu pai, Cronos, o deus do tempo e contra os gigantes titãs para quem Cronos era o rei. O dia 25 de Dezembro, assinalava o dia dos nascimentos de Adónis, símbolo da vegetação que morre no inverno, e de Baco, deus da vinha, do vinho e do delírio místico.
No mês de Dezembro, no período compreendido entre entre os dias 17 e 19; ou durante um período mais longo de 7 dias, entre os dias 17 a 23 os romanos celebravam a estação do solístico com o Festival da Saturnália, em honra de Saturno, o deus da agricultura. Nesses períodos o trabalho era suspenso gritando-se ‘’Io Saturnalia! Io Saturnalia!’’. Os cidadãos davam a si próprios um período de fruição “selvagem”. As regras invertiam-se: o jogo passava a actividade legal, os tribunais encerravam e ninguém era condenado criminalmente. Os escravos vestiam-se com as roupas dos seus senhores e eram servidos também pelos seus senhores. Era escolhido um falso rei para governar as festividades. Os banquetes festivos eram luxuosos: apresentavam petiscos como ovos de pavão com molho de pimenta. A troca de presentes era uma parte importante destas saturnais. Seguia-se nos mesmos moldes o Festival da Brumália fixado erradamente por Júlio César no dia 25 de Dezembro, alegadamente o dia mais pequeno do ano, designado ocasionalmente ‘’Dies Invicti Solis’’, tal como iremos ver de seguida.
Os seguidores de Mitra, um deus-sol persa cujo culto foi levado a Roma durante o período final do império tornou-se o principal rival do Cristianismo. Os seus seguidores eram essencialmente, legionários romanos. Na Bretanha existiria um templo em sua honra e os cultos a Mitra tinham lugar numa gruta ou cova perto de cursos de água. Apesar da sua origem persa, os elementos da Ásia Menor, da Mesopotâmia e Babilónia que foram sendo acrescentados posteriormente, retiraram-lhe o caracter iraniano original, mas não o seu fascínio. Segundo os trabalhos em torno das Mitologias de Maria Lamas, a mitologia mitríaca “conservou sempre as suas ideias essenciais: uma preocupação ardente de pureza moral, mantida graças a uma atitude de combate, como se cada crente fosse um ‘soldado da sua crença’; e a veneração da luz – ‘o único princípio invencível, absoluto’, que era o sol”. O seu culto relacionava-se com a celebração do sol - fecundador da terra, no dia 25 de Dezembro, designado de "Dies Invicti Solis " (aniversário do Sol Invicto). Acreditava-se de que o sol nascia do Solstício do Inverno, uma vez que a partir daí os dias começavam a crescer e com isso também a luz.
O dia 25 de Dezembro também coincide com outras festividades como o dia em que o nascimento do deus-sol era celebrado pelos druidas celtas. No Egipto, o deus Osíris nasceu a 25 de Dezembro e morreu no equivalente ao nosso 15 de Novembro. Segundo a mitologia egípcia, renasceu após 40 dias e, assim, no dia 25 de Dezembro nasceu Hórus, deus solar, consubstancial ao seu pai.
Paleocristãos
A preocupação principal dos primeiros padres da igreja, foi reconhecer simultaneamente as superstições e os laços afectivos das populações com os rituais pagãos, dando-lhes um sentido e enquadramento cristãos. São Cipriano, um bispo de Cartago do século III, morto como mártir em 258, muito à frente dos primeiros cristãos, proferiu: "Quão maravilhosamente agiu a providência divina para que no dia em que o sol nasceu - Cristo nascesse também." Referia-se ao dia 25 de dezembro, quando os dias de inverno começavam a ser mais longos.
Em 313, o imperador romano Constantino, convertido ao cristianismo, emitiu o seu édito de tolerância, o édito de Milão, legalizando o cristianismo e com isso instituindo o cristianismo como religião de estado em todo o Império Romano.
Nesta maré crescente o Papa Júlio declara em 350 o dia 25 de Dezembro como a festa da Natividade e os cristãos, para quem Cristo era o novo começo e a nova luz do mundo, começaram assim, a celebrar o seu nascimento numa tradição estacional derivada de várias culturas.
Até então, quase todos os meses do ano tinham sido, numa altura ou noutra, designados por estudiosos como a data provável do nascimento de Jesus Cristo. Apesar da maioria dos estudiosos actuais acreditarem que Jesus de Nazaré nasceu no século IV a.c., a controvérsia sobre a data histórica, subsiste. Por razões práticas, a escolha do Papa Júlio foi sendo aceite. Excepção para a Igreja Oriental que resistiu séculos à nova data: no Egipto a partir do século V, em Jerusalém no século VI; na Arménia e Mesopotâmia, depois do século XIV; actualmente os monofisitas arménios mantêm o dia 6 de Janeiro como o dia do nascimento de Jesus Cristo.
No entanto, e ainda no século IV, os impulsos pagãos subsistiam. Em 392 Teodósio I proibiu o paganismo, alguns anos após a tentativa do imperador Juliano (o Apóstata), de tentar restabelecer o paganismo no império romano, acusando de heresia os adoradores pagãos, encerrando templos e proibindo os sacrifícios.
Nestes primeiros tempos, a Igreja não olhava Cristo como um Deus desde o nascimento, mas como tornando-se num quando o espírito santo descia sobre ele durante o baptismo no rio Jordão. A esta comemoração chamava-se e chama-se “Epifania” – o momento em que Cristo aparece na glória de Deus. Nos primórdios do cristianismo a “Epifania”, a “Páscoa” e o “Pentecostes” representavam as três festividades principais da igreja.
É também no século III que emerge uma nova variante em que o Cristo é visto como um Deus desde o nascimento, sendo o seu pai também um Deus. Com esta nova visão, um novo dogma conquistou várias regiões, primeiramente em torno do mediterrâneo. Face a este facto o Papa Libério introduz uma mudança. No dia 6 de Janeiro de 354, celebrou, tal como no passado, a manifestação de Cristo na glória do Senhor, mas no mesmo ano celebrou um segundo aniversário de Cristo em Deus no dia 25 de Dezembro.
A Festa do Natal
A Festa do Natal ou da Natividade de Cristo, contém desde a sua origem o traço de ser uma criação romana, mantendo-se firme na base da cronologia romana, que com o tempo instituiu o Natal como o início do ano e não o momento das “Kalendae Januariae” - Calendas de Janeiro. A santidade nunca foi disputada até à reforma de 379 quando o novo costume da igreja romana se alarga a leste, começando em Constantinopla, na Capadócia em 382, em Antioquia em 388.
Iniciaram-se esforços para criar uma ponte entre o Natal e a Epifania, proclamando como sendo sagrados os dias que os separavam. Isto foi ainda no século IV por Efrém da Síria, importante compositor de hinos e teólogo, e progressivamente transformou-se numa instituição canónica.
Os cristãos continuavam a lutar contra velhos costumes, promovendo a significação cristã para ajudar a difundir a fé. Santo Agostinho, o maior teólogo do século IV, reforçava junto do seu povo: “Consideramos este dia sagrado, não como os pagãos por causa do nascimento do sol, mas por causa daquele que o fez”.
À medida que o império romano colapsava a maioria dos missionários cristãos que se mudavam para a Europa Central e Ocidental seguiam o conselho de Gregório, o Grande, que em 597, escreveu que os costumes pagãos não deviam ser abandonados repentinamente, mas sendo adaptados “ao louvor de Deus”.
No ano 742, Vinfrido, mais tarde São Bonifácio, Apóstolo dos Germanos, escreve ao Papa Zacarias, queixava-se de que nas vésperas das Calendas de Janeiro, havia procissões em que o povo cantava canções pouco cristãs, emergiam mesas da fortuna e um fogo das calendas, as mulheres usavam amuletos nos braços e pernas e vendiam a outras. O Papa não negava que isto também acontecia em Roma; mas declarou na sua resposta a Bonifácio que detestava esse costume e que todos os cristãos também deveriam detestar. No ano seguinte apresentou o assunto antes do Sínodo de Roma, que de imediato interditou estes usos e costumes nas Calendas de Janeiro. Esta interdição foi repetida vezes sem conta ao longo dos séculos seguintes sendo incorporadas pela igreja penitências cada vez mais graves.
Progressivamente a Igreja dos séculos seguintes assimilou muitos destes usos e costumes que se mantêm firmes até aos dias de hoje no calendário das festas do Natal.
Desde o momento em que o Papa Júlio declarou em 350 o dia 25 de Dezembro como a festa da Natividade, que se celebra o nascimento de Jesus Cristo há 2024 anos em Belém da Nazaré. A controvérsia do dia permanece, fundamentalmente por não ser uma data evangélica, e muito menos por decorrer de um facto histórico, uma vez que não existem registos históricos e arqueológicos comprovativos deste facto.
Algumas teses concluem que tendo Cristo morrido a 25 de Março do ano 29 e sendo concebido 33 anos antes, o nascimento poderia ter coincidido com o dia 25 de Dezembro. Outras teses pressupunham 9 meses depois do dia 25 de março, dia da Anunciação a Maria, mas tal facto pressupunha que a Festa da Anunciação seria mais antiga do que a Festa do Natal, o que não é verdade. O facto de na antiguidade cristã a morte, essa sim, representar o verdadeiro nascimento para a vida eterna, complica ainda mais o processo de documentação em torno da verdadeira data do nascimento.
Contudo, sobre o nascimento em si, chegam-nos dos evangelhos dois relatos relacionados com a festa do Natal: o relato dos três magos guiados por uma estrela até à lapinha de belém; o relato dos pastores, os primeiros adoradores de Jesus. Permaneçamos então junto da tradição, celebrando no dia 25 de Dezembro o Deus feito menino, símbolo religioso e também cultural da luz que cega a escuridão do Inverno.» in https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/porque-celebramos-o-natal-no-dia-25?utm_source=SAPO_HP&utm_medium=web&utm_campaign=destaques
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