(Mão de Teixeira de Pascoaes, concebida por António Duarte, por modelagem)
«Numas férias passadas em Pascoaes, António Duarte quis aprender a nadar. O Poeta era o instrutor. Lá iam, todas as tardes, até ao rio. Acompanhava-os um criado com uma corda para atar em torno da cintura do escultor.
Ao cabo de oito dias, Pascoaes estava desanimado. Dizia: «Ele faz uma cara de aflição como se tivesse o oceano Atlântico à sua frente! E tem apenas o Tâmega...»
Numas outras férias, Ângelo César convidou Pascoaes para um passeio lindíssimo: Vila Real, Chaves, a estrada de Braga, o Gerês, Lanhoso, Fafe e o regresso a Amarante. António Duarte foi convidado também. No «Duplo Passeio», Pascoaes descreve o entusiasmo do jovem escultor: «O entusiasmo ilumina-lhe, de repente a fisionomia juvenil em que transparece não sei que loucura primitiva, uma loucura sadia, a morder os frutos acres e vermelhos, andava, ou melhor, voava, em todos os sentidos, à procura de nada, dum chapéu! O que ele desejava era dançar, exprimir o alvoroço alegre que não cabia dentro dele, e explodia em movimentos físicos, pois a nossa alma corre com as nossas pernas, e discursa, contra a matéria, servindo-se duma laringe.
«A infância revive facilmente nos que são ainda perto dela. E as crianças, por uma pequena coisa, fazem a guerra de Tróia, a mais célebre da História, graças à Ilíada.
«Acalmei-o, oferecendo-lhe uma boina galega, possuída por mim religiosamente, em homenagem à Galiza que Deus haja, pobre defunta num túmulo onde o vento já não murmura os versos de Rosália.
«O escultor, um rapaz alto, magro e branco, põe a boina na cabeça, o que lhe dava um ar agarotado e bolchevista. Se vestisse também um fato-macaco, teríamos um perfeito exemplar do homem novo, segundo o Evangelho de Marx.
«Mas a ideia de um passeio montanhês ardia-lhe nos miolos. Onde um artista se sinta, como ele, a montanha? Vi-o rolar-se pelos outeiros abaixo, esfarrapar o fato de urze, beber mergulhando a cara nos regatos que emanam dos penedos. A alma das alturas trespassa-o, mete-se-lhe no corpo, estonteia-se, embebeda-o! Trata-se duma embriaguez panteísta, a trocar as pernas em acordo com a borracheira mística dos santos.
«Foi o primeiro a entrar no automóvel, ansioso de partir ou impelido pelo horror ao mesmo sítio. Estar aqui, neste lugar tão belo, eternamente... só Frei Agostinho da Arrábida. Não conheço outra ave assim pousada numa árvore.
«O meu confrade toma o volante; o auto abala, com aquele espalhafato ruidoso e veloz, que provocava nos animais uma impressão monstruosa. Habituaram-se, por fim. O que se repete, banaliza-se» in Fotobiografia "Na sombra de Pascoaes" de Maria José Teixeira de Vasconcelos.
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