«Blanche Blackwell ‘. A mulher jamaicana’ de Fleming
O primeiro encontro entre Blanche e Ian Fleming não foi auspicioso. Ele perguntou-lhe: «Meu Deus, não é lésbica, pois não?»
Oriunda de uma família de judeus sefarditas que deixaram Portugal para escapar às perseguições, Blanche Blackwell fazia parte da alta sociedade jamaicana. Foi ali, na idílica Port Maria, onde muitos americanos e ingleses ricos tinham as suas casas de férias, que conheceu figuras tão célebres como Ian Fleming – o antigo espião que criou James Bond –, o dramaturgo britânico Noël Coward e o ator Errol Flynn, porventura o mais convincente Robin Wood da história do cinema. Coward adorava dar-lhe abraços, Flynn apaixonou-se por ela, mas foi com Ian Fleming que manteve um caso amoroso. Blanche Blackwell faleceu dia 8 de agosto. Tinha 104 anos.
A família Lindo (nome de solteira de Blanche) estabeleceu-se na Jamaica no século XVIII e alcançou a prosperidade graças às atividades mercantil e agrícola. Mais tarde, o pai de Blanche trocaria a exploração agrícola pela maior empresa de produção de rum jamaicana, que se manteve nas mãos da família até 1957. Donos de grandes propriedades, os Lindo também fizeram fortuna com a venda de terras a estrangeiros, para ali erguerem os seus refúgios tropicais.
Como as meninas de boas famílias da época, Blanche foi educada em casa por um precetor, terminando os seus estudos em Inglaterra. Pequena e alegre, tinha um riso cristalino que despertava paixões. Um dos seus primeiros admiradores foi o ator Errol Flynn. Embora casado, Flynn revelou nas suas memórias que chegou a equacionar declarar-se-lhe, e só não o fez porque temia não ser correspondido. De resto, Blanche reconheceu que o ator era «o homem mais bonito» que alguma vez conheceu. «Tinha um físico maravilhoso».
Acabaria no entanto por casar, quando estava na casa dos vinte, com um major britânico destacado no Regimento da Jamaica, Joseph Blackwell, que entretanto o pai dela contratara para ajudar nos negócios. Como presente de casamento, o jovem casal recebeu uma casa em Kingston (a capital da Jamaica) e uma plantação de cocos e bananas com qualquer coisas como 800 hectares.
O filho do casal, Christopher, nasceu em 1937 – hoje é o milionário fundador da Island Records, que editou discos de nomes como Bob Marley, Cat Stevens ou os Rolling Stones.
Doze anos depois, em 1949, uma denúncia de Errol Flynn de que ‘Joe’ era infiel punha fim ao casamento. Blanche foi para Inglaterra, para ficar perto do filho, que estudava em Harrow. Mas acabaria por regressar à Jamaica, levando a intenção reconstruir uma pequena casa com uma vista sumptuosa sobre o mar.
Foi assim que conheceu o dramaturgo Noël Coward, seu vizinho. Coward apaixonara-se por aquela ilha do Mar das Caraíbas quando estivera a passar férias na casa do seu amigo Ian Fleming – uma propriedade que, não por acaso, se chamava Goldeneye.
Blanche e Coward entenderam-se às mil maravilhas. O mesmo não aconteceria com o amigo do dramaturgo, o escritor de policiais Ian Fleming, já então famoso criador da personagem James Bond.
O primeiro encontro entre Blanche e Fleming, num jantar em Kingston, não foi propriamente auspicioso. Ela tinha 44 anos e ele 48. Blanche contaria mais tarde: «Lembro-me de me ter sentado ao lado dele e ele ter perguntado: ‘Como é possível que não a tenha visto antes?’. Disse-lhe que tinha acabado de chegar de Inglaterra e ele respondeu: ‘Meu Deus, não é lésbica, pois não?’ E eu ri-me».
Apesar da má impressão inicial, acabariam por tornar-se bons amigos. Visitavam-se mutuamente (Blanche gostava de fazer mergulho nos recifes perto de casa de Fleming) e trocavam presentes. Mas ainda não eram amantes, como suspeitava Coward, com uma ponta de ciúme. Isso só aconteceria um ano depois, garantiu Blanche. Anne, a esposa de Flemming, chamava-lhe «a mulher jamaicana no Ian».
O criador de James Bond morreria de ataque cardíaco aos 56 anos. Blanche, pelo contrário, teve uma vida longa. Já na casa dos 90, regressou a Inglaterra, tendo vivido os últimos anos num apartamento no elegante bairro de Knightsbridge, acompanhada primeiro por três criadas jamaicanas e depois por um mordomo. Estava surda e quase cega.
Richard Branson, o milionário dono da Virgin, prometeu, que quando Blanche fizesse cem anos, lhe ofereceria uma viagem ao espaço. A aventura nunca se concretizou. Mas agora, aos 104 anos, Blanche viajou para ainda mais longe.
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