No livro onde fala do seu cancro, Fernanda Serrano faz graves acusações de negligência ao seu médico. Mas o bastonário recusa abrir um inquérito, podendo o caso já ter prescrito.
As graves acusações de negligência médica feitas por Fernanda Serrano no livro onde relata a sua luta contra o cancro da mama vão cair em saco roto. A actriz não identifica o profissional, nem apresentou queixa e o bastonário da Ordem dos Médicos (OM) recusa abrir inquérito às denúncias. «A Ordem não investiga clínicos que são personagens de romances», diz ao SOL José Manuel Silva.
O bastonário explica por que não vai propor uma investigação ao ginecologista denunciado no livro. «Quando uma pessoa tem uma suspeita séria de que há um erro médico deve fazer essa comunicação à OM para que seja investigada», defendeu o clínico, considerando que esta é a posição séria a tomar. «Nós não tomamos decisões de abrir inquéritos com base em romances, nem vamos atrás de campanhas de marketing de lançamento de livros».
Em causa estão as acusações que a actriz faz por escrito e que tem repetido nas inúmeras entrevistas à imprensa e televisão a propósito da obra que vai lançar no dia 2 de Maio.
No livro Também há finais felizes, Fernanda Serrano conta como, logo após o nascimento da sua segunda filha, detectou um caroço no peito. E como o seu ginecologista desvalorizou a situação, apesar de a actriz ter um historial clínico da doença na família.
Só depois de Fernanda e de a sua mãe insistirem que era melhor analisar o caroço, o médico lhe recomendou uma ecografia mamária «para não ficarem com macaquinhos na cabeça». O exame e a biopsia revelariam um cancro de mama agressivo de grau 3. Seria operada com urgência poucos dias depois. «Erro, negligência, displicência. Chame-se o que quiser... aquele médico falhou, não há como o contornar», escreve a actriz, que diz que esse atraso no diagnóstico poderia ter sido fatal.
Novo erro do mesmo médico
O mesmo prestigiado ginecologista obstetra cometeria «novo erro» pouco tempo depois, acusa a actriz. Após os tratamentos de radio e quimioterapia, a actriz foi proibida de engravidar – por risco de recidiva do cancro – e recorreu ao mesmo médico para colocar um DIU (dispositivo intra uterino) para evitar a concepção.
Mas o aparelho foi-lhe colocado sem ecografias de controlo e quando Fernanda já estava grávida da terceira filha. «Aquele bebé já estava na minha barriga quando, na segunda metade de Outubro, aquele prestigiado ginecologista me implantou o DIU no útero sem reparar que lá havia um óvulo fecundado há um mês», conta na obra. «Como não teria reparado se o aparelho tivesse ficado mal colocado, porque não verificou. Não fez nenhuma ecografia...».
Um procedimento que especialistas contactados pelo SOL dizem fazer parte das boas práticas médicas nestes casos. «Geralmente o DIU é colocado durante a menstruação da mulher não só porque o colo do útero está permeável mas porque assim se sabe que à partida a mulher não está grávida», explicou ao SOL o especialista Manuel Hermida. Outro especialista garante que o procedimento habitual é a verificação da correcta colocação do DIU com uma ecografia.
A actriz só descobriu a gravidez quando já estava com mais de 16 semanas de gestação, «para lá do limite legal para a interrupção voluntária», só permitida até às 12 semanas.
Fernanda Serrano temia os riscos para a sua saúde desta gravidez e nenhum médico admitiu a hipótese de realizar um aborto, por não estar reunida nenhuma das três condições previstas na lei: risco de vida da mãe, mal formação do feto ou violação. No seu desespero, a actriz chegou mesmo a admitir fazer queixa de violação contra o marido.
Por outro lado, desconhecia o estado de saúde do feto. A actriz fizera exercícios de ginástica violentos, bebera álcool e iniciara uma dieta rigorosa, com riscos para o desenvolvimento do bebé. E com o DIU os riscos de aborto espontâneo eram elevados. «Tudo por causa da negligência de um médico demasiado confiante em si próprio», acusa a actriz.
Actriz explica por que não fez queixa
Ao SOL Fernanda Serrano recusou identificar o profissional que denuncia na obra e explicou por que nunca apresentou queixa contra ele: «No início estava demasiado focada em ficar bem e não tinha cabeça nem vontade para iniciar este processo». Hoje, diz que qualquer queixa já não faz sentido. «A Justiça, quanto a mim não se faz na praça pública. Não sou uma pessoa de guardar rancor».
Mesmo que quisesse avançar com um processo na Ordem, os prazos já estariam prescritos. Em regra, o direito de instaurar procedimento disciplinar contra um médico prescreve três anos depois da data da infracção.
Fernanda Serrano detectou o caroço no final de 2007 e engravidou em Setembro de 2008, logo após terminar os tratamentos.
Segundo o responsável pelo conselho disciplinar Sul da Ordem, Manuel Mendes da Silva, o prazo de prescrição varia com os crimes que podem estar em causa. «Estas situações têm de ser analisadas caso a caso», explicou ao SOL, adiantando que têm de ser pesadas, por exemplo, as consequências clínicas que o erro teve no doente. «Por isso casos semelhantes até podem ter penas diferentes», que vão da advertência à expulsão.
Para Fernanda Serrano – que foi criticada por ter engravidado quando recuperava de um cancro – o livro serve para repor «a verdade no seu todo», depois de ter sido «rotulada de irresponsável e inconsequente». Para si, esta história teve «um final feliz». Recuperou do cancro e a sua filha nasceu saudável: «Este grave erro veio a revelar-se um presente: a Maria Luísa».