«Simone de Oliveira releva em entrevista que os seus filhos tiveram pais incógnitos durante 10 anos
Simone de Oliveira falou sobre o casamento de que fugiu, por ser vítima de violência doméstica. Falou ainda sobre o nascimento dos filhos, fruto de uma "grande paixão" com um homem que conheceu na Queima das Fitas no Porto e que acabou por ir viver para África.
Simone de Oliveira, 82 anos, casou aos 19 anos para dois meses e meio depois fugir deste casamento. Era vítima de violência doméstica: "Casei-me com 19 anos e voltei para casa dos meus pais, que foram espetaculares, espantosos, porque uma mulher fazer isto na década de 1950 não era fácil", conta em entrevista ao "Diário de Notícias", a propósito do espetáculo "A Valsa da Vida", no teatro Tivoli BBVA.
O efeito psicológico desta relação — que a deixou "muito doente", com "medo" e sem coragem para andar "sozinha na rua" — foi tratado com a música. Simone de Oliveira nunca pensou "ser artista, nem representar", mas como gostava de cantar, acabou no Centro de Preparação de Artistas da Rádio. Depois de insistência, o pai cedeu e falou com o diretor. O objetivo era um: "melhorar" a sua "saúde e não para ser artista."
Em 1965 já estava a representar Portugal no primeiro concurso da Eurovisão. Mas não foi uma carreira fácil: o seu nome "híbrido" era um obstáculo, aponta ao jornal, e, além disso, tinha sido mãe sem ser casada, "outra bronca", que a fez ter "filhos incógnitos durante mais de dez anos."
Não os pode registar como seus filhos: "Tinha sido casada pela Igreja e eles ficavam com o nome do senhor com quem eu tinha casado. Dizem que não há mães incógnitas, mas foi o que eu fui durante dez anos. Está-me atravessado."
Os filhos nasceram de uma "grande paixão" com um homem que ainda hoje é vivo e que conheceu na Queima das Fitas no Porto. Tal como Simone de Oliveira, também tinha sido casado, mas estava separado. "Tive dois filhos porque quis ter os dois filhos."
Engenheiro, este homem quis ir para África. Simone não quis. "Imagine eu, com 23 anos e dois filhos, a ir para Tete [Moçambique], viver numa tenda no mato. Disse-lhe: 'Vá você!' Lembro-me de o meu pai lhe dizer: 'Ó António José vai levar esta miúda com dois filhos para o mato?' Não fui. E ele obliterou completamente que tinha filhos, só anos depois veio a Portugal conhecer os filhos."
Após a sua partida, o homem ter-se-à "esquecido" dos filhos. "Criei os dois filhos sozinha, por isso, trabalhei, trabalhei, trabalhei. Nunca recebi um tostão nem fui para o tribunal pedir nada. Nunca deu nada, nem em situações muito periclitantes em que tive de pedir ajuda."
Quando a filha Eduarda completou os 10 anos, Simone de Oliveira precisava de uma cédula para a inscrever na quarta classe. "Eram muitos os filhos de pais incógnitos e houve um ministro que decidiu que todas as crianças em Portugal tinham de ter o nome do pai e o da mãe. Havia o Registo Secreto, que era um livro imenso, preto, em que se punha o nome do pai e da mãe — em caso de morte —, nas cédulas pessoais não tinham nem pais nem avós", conta.
"Eu sabia que podia dar prisão, mas disse que perdi as cédulas deles, acho que a senhora da conservatória percebeu. Foi ao livro dos registos secretos e começou a ler: "Maria Eduarda de Macedo Coimbra Mano, filha de..., neta paterna de..., neta materna de..." Só dizia para mim: está quase, está quase. Agarrei naquilo, fui para a casa dos meus pais, em Alvalade (onde vive o meu filho), e disse: "Está aqui. Consegui!" O meu pai abriu uma garrafa de champanhe e deitou por cima da cabeça dos meus filhos."» in https://magg.sapo.pt/celebridades/artigos/simone-de-oliveira-releva-em-entrevista-que-os-seus-filhos-tiveram-pais-incognitos-durante-10-anos
(Eurovision Portugal 1969 - Simone de Oliveira - Desfolhada Portuguesa)
"Desfolhada Portuguesa
Simone de Oliveira
Instrumental
Corpo de linho, lábios de mosto
Meu corpo lindo, meu fogo posto.
Eira de milho, luar de Agosto
Quem faz um filho, fá-lo por gosto.
É milho-rei, milho vermelho
Cravo de carne, bago de amor.
Filho de um rei, que sendo velho
Volta a nascer, quando há calor.
Minha palavra dita à luz do sol nascente
Meu madrigal de madrugada.
Amor, amor, amor, amor, amor presente
Em cada espiga desfolhada.
Instrumental
Minha raiz de pinho verde
Meu céu azul tocando a serra.
Ó minha mágoa e minha sede
Ó mar ao sul da minha terra.
É trigo loiro, é além Tejo
O meu país neste momento.
O sol o queima, o vento o beija
Seara louca em movimento.
Minha palavra dita à luz do sol nascente
Meu madrigal de madrugada.
Amor, amor, amor, amor, amor presente
Em cada espiga desfolhada.
Instrumental
Olhos de amêndoa, cisterna escura
Onde se alpendra, a desventura.
Moira escondida, moira encantada
Lenda perdida, lenda encontrada.
Ó minha terra, minha aventura
Casca de noz desamparada.
Ó minha terra minha lonjura
Por mim perdida, por mim achada.
Instrumental"