«Revisitar "Os Maias"
Sou felizmente da geração que leu “Os
Maias”, numa altura em que, enquanto jovem estudante, a sua leitura fazia parte
do currículo do ensino secundário, da disciplina de Língua Portuguesa, ou
Português, como se dizia na altura.
Recentemente, estreou-se o filme “Os
Maias” realizado por João Botelho, e confesso que é muito reconfortante
relembrar e fazer a analogia entre o romance escrito e o filme. Uma forma de
escrita que nos remete para imagens, para um universo muito próprio devido à
riqueza do seu vocabulário, que podem ou não diferir dos quadros imagéticos,
para que o filme nos remete. Na arte, o que importa não é o que se vê, mas o
que vai ser visto por cada um, numa experiência sempre individual, de
contemplação, de choque dos sentidos... com a racionalização imanente.
O grande Escritor, Eça de Queiroz,
com aquela sua narrativa muito detalhada e pormenorizada, é considerado um dos
escritores mais “cinematográficos” da Literatura Portuguesa, de tal forma que,
as descrições escritas que levava a cabo sobre objetos, pessoas e lugares,
chegam a ser mais fotográficas que a própria realidade observável. Dizem
alguns, que as fotografias ou pinturas, não descrevem o real, ou o que
retiramos dele, com igual detalhe e conteúdo, que essas narrativas mágicas
sempre conseguiam.
Por tudo isto e pela qualidade
cinematográfica que o Cinema Português contemporâneo vai demonstrando, o
interesse de que este filme se reveste para o público que leu e estudou, esta
obra de Eça torna-se, para mim, ainda maior.
Se, na altura, já lá vão quase trinta
anos, para um estudante do curso científico-natural, ler “Os Maias” não se
pudesse considerar uma “pera doce”, que dizer da vantagem de termos a
possibilidade de ver o livro transposto para o cinema. Literatura e Cinema, uma
relação sempre difícil, pois apesar do poder da imagem em movimento, o poder
narrativo de Eça é insuperável na minúcia, no poder imagético que nos remete,
com as suas frases exuberantes e magníficas.
Reconheço que fiquei curioso com este
filme, porque recordo o universo de imagens para que o livro me conduziu e, é
claro que, a ânsia da confrontação é grande. No entanto, são formas de arte
diferentes, nem melhores, nem piores, são diferentes, embora complementares.
Não há um bom filme, sem um bom guião, e nas obras de Eça, o processo de
criação de um filme deve passar fundamentalmente, pela arte de saber cortar
bem, tão rico e abundante é o texto.
Enquanto docente, embora não da área
das línguas, tive a hipótese de verificar a importância do estudo da obra de
Luis Sttau Monteiro, “Felizmente há luar”, pelos meus alunos e a possibilidade simultânea
deles assistirem à representação teatral da mesma. Pude assim, assistir dentro
do sistema educativo, mas fora da disciplina de Português, à maior motivação
que a obra provoca nos jovens alunos, quando apresentada em dois formatos que
se complementam de forma sublime.
Isto tudo, para dizer que, na minha
modesta e despretensiosa opinião, a obra de Eça de Queiroz, “Os Maias”, se
constituiu como um marco literário referencial de uma geração que os leu e
estudou no ensino oficial e que retrata a maneira de ser do Povo Português no
final do século XIX e no dealbar do século XX, mas que deixou lastro e heranças
indeléveis até hoje e nem sempre pelos bons motivos.
E o filme promete já que, João
Botelho, ao que tudo indica pelo que pude antever nas criticas e antevisões,
não defraudará as melhores expetativas da Arte Cinematográfica Nacional.
Helder Barros, 7 de outubro de 2014.»
(João Botelho recria o Ramalhete de "Os Maias" em antigo palácio lisboeta)