AMARANTE – “É preciso dizer PARA SEMPRE em vez de dizer AGORA”, é a designação da exposição de Mário Cesariny, a ser inaugurada pelo Presidente da Câmara Municipal de Amarante, José Luís Gaspar, e pelo Diretor do Museu Municipal, António Cardoso, no dia 27 de setembro, pelas 16h30, na sala de Exposições Temporárias do Museu Amadeo de Souza-Cardoso.
A mostra vai estar aberta ao público até ao dia 30 de novembro de 2014.
Mário Cesariny 1923-2006
A 9 de agosto de 1923 nasce, em Lisboa, Mário Cesariny de Vasconcelos – aquele que viria a ser considerado o representante do Surrealismo português por excelência.
Poeta, tradutor e pintor, Mário Cesariny desde jovem penetrou na vida literária e artística, primeiramente por influência da sua mãe, cuja ocupação como professora de línguas, francês e castelhano, lhe facilitaram a imersão nas literaturas de ambos os territórios. Posteriormente a aproximação à música e ao piano fizeram-se através das suas irmãs que estudavam ambas as disciplinas, e por ensino de Lopes Graça e muito contra a vontade de seu pai, que mais tarde o viria a inscrever na Escola de Artes Decorativas António Arroio no curso de cinzelador, numa tentativa de o condenar a um destino demasiadamente profissional.
Na António Arroio manteve-se de 1936 a 1943, e neste período de tempo depois das aulas oficinais frequentava as disciplinas de desenho e pintura, que lhe abriram as portas ao curso de arquitetura da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, que cursa apenas durante o primeiro ano. É a partir de 1942 que produz as primeiras pinturas, desenhos e poemas, redigindo A Poesia Civil e Burlescas, Teóricas e Sentimentais.
É nesta fase da sua vida e com a companhia dos alunos da Escola António Arroio – António Domingues, Cruzeiro Seixas, Fernando de Azevedo, Fernando José Francisco, José Leonel Martins, Júlio Pomar, Pedro Oom, Marcelino Vespeira, que começa a frequentar o Café Herminius e adere ao Neorrealismo. Esta ligação é pouco duradoura e Cesariny afasta-se do movimento. Datam desta altura a produção do Poema Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos e a colagem do General de Gaulle, que deixa entrever uma aproximação ao surrealismo.
Em Paris de 1947, o movimento surrealista internacional reestrutura-se e essa data coincide com a viagem de Mário Cesariny à capital francesa para onde vai estudar na Academia de La Grande Chaumière. Esta deslocação proporciona-lhe um encontro com os membros do grupo surrealista francês André Breton, Victor Brauner e Henri Pastoureau. Fruto desta aproximação Cesariny participa na fundação do Grupo Surrealista de Lisboa, que integra Alexandre O’Neill, António Domingues, António Pedro, Fernando de Azevedo, João Moniz Pereira, José-Augusto França e Marcelino Vespeira, cujo objetivo era protestar contra o regime político que vigorava em Portugal e contra as poéticas dominantes no Portugal da época, nomeadamente o Neorrealismo.
Um desentendimento com António Pedro, que se manterá por anos, resulta no afastamento do grupo por parte de Cesariny e tem como consequência a criação de um segundo grupo, Os Surrealistas, em 1948, onde para além do artista se registam as presenças de António Maria Lisboa, Carlos Eurico da Costa, Cruzeiro Seixas, Fernando Alves dos Santos, Fernando José Francisco, Henrique Risques Pereira e Pedro Oom. Simultaneamente são redigidos os poemas do Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano e de Alguns Mitos Maiores Alguns Mitos Menores Propostos à Circulação pelo Autor.
Com Os Surrealistas, em 1949, efetua a primeira exposição do grupo, na Sala de Projeções da Pathé-Baby de Lisboa, a público de 18 de junho a 2 de julho; redige o manifesto coletivo “A Afixação Proibida” com António Maria Lisboa e Pedro Oom e promove a primeira sessão de O Surrealismo e o seu público no Jardim Universitário de Belas-Artes. A segunda exposição do grupo haveria de chegar já no ano de 1950, também na cidade capital e no espaço da Livraria A Bibliófila. Porém a atividade poética não era descurada e neste mesmo ano, Cesariny publica o poema Corpo Visível.
Individualmente a primeira exposição do artista acontece na casa de Herberto de Aguiar, no Porto, decorria o ano de 1951. A partir deste momento uma sucessão de acontecimentos vão marcar a vida de Mário Cesariny, onde a sua faceta poética será explorada ao máximo com a publicação de uma sucessão de títulos que o vão distinguir como detentor de uma das obras literárias mais ricas e carregadas de complexidade do nosso tempo.
Nas artes plásticas mantém a sua ligação ao movimento surrealista e transforma-se numa figura central, ocupando um papel de destaque pelo seu pioneirismo na introdução de novas técnicas, exploração de materiais e pela impregnação de humor, ironia, crítica, irreverência, drama…em toda sua produção plástica, que continua, quando os restantes membros abandonam o Surrealismo. Ao lado de Cruzeiro Seixas continua a desenvolver um percurso brilhante, adotando uma postura de impulsionador e promotor de diversas exposições em Portugal e no estrangeiro, estabelecendo contactos internacionais, nomeadamente com o grupo Phases. O seu percurso individual e coletivo é pautado por uma continuidade de exposições.
Pela pessoa que foi e pela obra que deixou, Mário Cesariny foi agraciado em 2002 com o Grande Prémio EDP e já perto do final da sua existência mais dois prémios são associados ao artista – aos 82 anos é distinguido com o Prémio Vida Literária, da Associação Portuguesa de Escritores (APE)/Caixa Geral de Depósitos (CGD), atribuído em unanimidade e entregue pelo Presidente da APE e pelo representante da CGD, patrocinadora do prémio, acompanhados pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, que, em associação a esta homenagem e ao seu notável tributo à literatura portuguesa, desloca-se a casa do artista para o condecorar também com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.
Em 2004 foi lançado Autografia, um documentário sobre o artista e o poeta realizado por Miguel Gonçalves Mendes. Antes, tinha aparecido um outro documentário, Ama como a estrada começa, com guião de Perfecto-E. Cuadrado.
Mário Cesariny morre na madrugada do dia 26 de novembro de 2006, na sua casa, em Lisboa.
O artista priva-nos da sua presença e abandona o espaço físico, mas a sua aura respira-se em cada obra que nos legou. Fruto de uma relação de proximidade, a Fundação Cupertino de Miranda, detentora de uma grande parte da Biblioteca e do espólio Artístico e Documental do artista, numa tentativa de nos trazer à memória o espaço-vida-obra de Mário Cesariny assinala na sua sede uma homenagem que sucede todos os anos, aquando do aniversário da morte do poeta e pintor. Encontros I (22-24 de nov. 2007), Encontros II (20-22 de nov. 2008) e Encontros III (24-28 nov. 2009) prestaram já uma consagração ao artista e homem de natureza excecional que foi Mário Cesariny, mas também notabilizaram esse homem e artista que continua a representar da forma mais exemplar o Surrealismo, como expressão artística e literária, e, sobretudo, como uma maneira revolucionária de ver, de entender e de viver a Vida.» in
http://local.pt/portugal/norte/exposicao-com-obras-de-mario-cesariny-vai-estar-patente-no-museu-municipal/
«Na pintura como na poesia
Paralela à poesia e por ele entendida como poesia por outros meios, Mário Cesariny desenvolveu uma mais persistente, mas talvez menos importante, obra plástica. Nos últimos anos, ela vem sendo reavaliada e reabilitada por uma geração de críticos já alheios às querelas remanescentes dos anos de maior actividade polémica do surrealismo em Portugal. Não há nenhum conflito em reconhecer a superioridade da obra literária - que pode ser contada entre as maiores da segunda metade do século num contexto internacional - e a qualidade da obra plástica que não terá ido tão longe mas que é de evidente interesse, mesmo para produzir outra luz sobre o que Cesariny escreveu. Mas, mais importante, será reconhecer que ambas testemunham uma mesma atitude intensamente livre perante a criação, que se detém mais na sua necessidade e emergência que na gestão dos resultados.
Na verdade, a obra plástica, que se inicia nos anos 40 (1942) com os primeiros desenhos, acompanha a escrita e sobrevive-lhe até aos últimos dias do pintor (na galeria Perve decorre ainda uma exposição colectiva com Cruzeiro Seixas e Fernando José Francisco que inclui trabalhos recentes), buscando na pintura e no visual o dizer que as palavras não puderam, no mesmo sentido em que se pode afirmar que a sua poesia é, por palavras, intensamente visual.
Talvez este facto ajude a explicar o seu distanciamento em relação a um surrealismo daliniano que no caso de muitos dos seus contemporâneos se transformou rapidamente em máquina de repetição de clichés oníricos, em favor de uma busca abstracta, assegurada pela prática do automatismo psíquico.
Cesariny é o primeiro entre nós, e um dos primeiros a um nível europeu, a praticar, já nos anos 40, uma pintura informalista próxima da definição de Bataille, mas sem conhecimento dela. Nas décadas seguintes, vai desenvolver um trabalho plástico que incorpora a colagem (de que é exemplo pioneiro a que fez com a figura do general De Gaulle, logo em 1946) ou a utilização de técnicas por ele inventadas, e então muito pouco ortodoxas, de composição visual como os «aquamotos», as «soprofiguras» ou as «sismografias», a que se juntam os objectos de familiaridade dadaísta. Em muitos casos, palavra, expressão, abstracta ou figurativa, convivem, interpelam-se, ou dissolvem-se noutra coisa, numa prática iconoclasta em relação a géneros, suportes e «caixinhas» epistemológicas a que Cesariny sempre votou distância.
Também por isso, Cesariny não é um poeta que pinta por desfastio, mas um artista que se exprime e intervém recorrendo a diferentes ou cruzadas possibilidades sem se deixar aprisionar por elas.