(Festa no Adro da Igreja de Mancelos , primeiro quartel do século XX)
«Portugal pittoresco
Barrozas
A caminho - Capella da senhora da Encarnação - Torre de Villar - Senhora Apparecida - Villa de Felgueiras - Santa Quitéria - paço de Unhão - O Clamor - A Povoação - Festa de Egreja - Procissão - Arraial - Anedoctas.
I
Em tempos antiquissimos, prometteu o povo désta freguezia de Mancellos ir, na primeira oitava de Espirito Santo, fazer um clamor, ao Sanctuario do Bom Jesus de Barrozas. Reune em um sitio, á entrada da povoação; levanta-se a Cruz, o parocho cobre a sobrepelis e põe a estola, e em devota procissão, cantando as Ladainhas dos santos, dirigem-se ao Sanctuario.
Grande foi a necessidade em que os nossos antepassados se viram, para prometterem ir, todos os annos, a tão grande distancia, por caminhos pessimos, implorar misericordia ao Bom Jesus.
Na manhã do dia 22 de maio (refiro-me ao anno de 1899) sahi pois da residencia parochial, em direcção ao sanctuário. De passagem vamos notando o que de notavel formos vendo, e assim amenisaremos a jornada.
II
Antes de sahirmos dos limites d'esta freguezia de Mancellos, saudemos a capella de Nossa Senhora da Encarnação, que nos fica alli à esquerda.
É um elegante templosinho, antiquissimo, situad no alto do monte da Costa, sobranceiro ao solar da nobre familia Guedes da Costa, honra e lustre d'esta freguezia.
D'alli se desfructa, em dias claros, um esplendido panorama. Descobre-se esta grande freguezia, com os seus sete kilometros de extensão e cinco de largura, que ella domina , em toda a sua área.
Em frente corre a estrada de Amarante á estação de Villa meã, passando pelo logar de Manhufe, extensa rua, onde alvejam alguns formosos edificios.
Para o poente e sul, estendem-se feracissimas terras, banhadas pelos rios Odres, de Travanca, e Bogio, de Mancellos; avistam-se as risonhas povoações de salgueiros, a nobre Villa-Meã, cabeça do antigo concelho de Santa Cruz, hoje extincto.
Era senhor d'esta terra o conde de Sabugal; e toma o nome d'uma capella da invocação de Santa Cruz, hoje em ruinas que está no alto do monte assim chamado, e onde pelas ruinas alli descobertas, se vê que houve fortificações antigas; por isso chamavam ao sitio: - Castellos de Santa Cruz. Descobre-se a Devesa da Feira, coroada pelo elegante campanario e alvejante egreja de Ataayde. N'esta freguezia está a quinta e a casa de Athayde, e houve uma torre que se desfez; é solar da illustre familia d'este appellido descedente por varonia de D. Moninho Viegas, o Gasco, que conquistou o Porto e varias terras.
Parece que a etymologia da palavra Athayde é a seguinte:
Em um batalha que D. Moninho teve com os mouros no sitio d'esta freguezia, vinham os guerreiros christãos quando feridos, receber curativo à ambulancia, e D. Moninho diria: atae as feridas e ide para a batalha. E d'aqui tomou a familia e a freguezia o nome de Athayde.
Vê se o caminho de ferro do Douro, desembocando do tunel da Tapada de D. Luiz, e correndo por terras de Oliveira, monte da Forca, viaducto de Villa meã, e d'aqui até internar-se no concelho de Marco de Canavezes.
Mais ao longe descobrem-se o sanctuario de Barrozas, villa de Louzada, terras de Penafiel e Marco de Canavezes; e ainda mais ao largo, por cima de terras dobradas e montanhosas, na phrase elegante de Frei Luiz de Souza, desenrola-se um dilatado horizonte de mais de dez legoas, que vae fechar-se nas montanhas de Sinfães, Castello de Paiva e Arouca... Bello! Surprehendente!
Adeante que temos muito que andar...
III
Alli à esquerda, fica o famoso convento benedictino de Travanca. Está todo em ruinas.
D'esse formoso edificio só as paredes estão de pé! A vetusta egreja em puro estylo gothico, com tres naves e sete altares; a torre elegante, com a sua bella porta, embrincado estylo gothico, a estão com mais de oitocentos annos dando testemunho da piedade e esforço guerreiro dos valentes de outr'ora.
Era casa grande e rica, onde houve collegio, por muitas vezes. Foi principiado por D. Garcia Moniz, o Gasco, a quem seu pae D. Moninho Viegas Moniz, doou para tal fim a granja de Travanca, em 1008; mas só foi concluido por um filho de D. Garcia, D. Gascão Moniz, em 1040. D. Garcia foi morto pelos mouros, na conquista de Riba Douro. Governou-se por Abbades, todos Senhores Grandes, diz o Padre Carvalho da Costa, os quaes eram Senhores Donatarios d'estas terras e Capitães Mores do Couto.
Hoje diria o bom padre Grandes Senhores em vez de Senhores Grandes.» in Revista de Instrução e Recreio