«Da antologia de contos "Até ser Primavera", a publicar no outono de 2013 (excerto), pela Pastelaria Estúdios Editora:
No ar, as primeiras brisas do outono antecipavam um sopro frio. Os piares das aves ouviam-se longínquos e vagarosos como uma súplica, à medida que se enchia a mala do táxi com a bagagem, e as portas se batiam e se ouvia o barulho metálico dos pneus a roçarem as grades do caminho, atravessando os portões deixados abertos, um pó levantado, espesso, a ficar para trás. O portão escancarado e o lugar a fechar-se em si mesmo, sombrio e esguio. A Celeste entrou no táxi e abandonou-se a um último pensamento confinado ao Chico, como ouvira dizer nos filmes:
Já não sou a mulher a quem lambias o sangue dos nós dos dedos. Por isso, acho que terás de ser outro homem também.
E aquilo ficava para trás. E tudo o que pendia das árvores talvez fosse um sangue também, talvez que as árvores sofressem também.»
ANABELA BORGES